- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico
Mesmo com todas as trapalhadas e derrapagens do primeiro mês de mandato, o governo Bolsonaro ainda vive seu momento de lua de mel, tal qual tiveram outros presidentes. Sua popularidade está num bom patamar, embora menor do que o início de outras gestões, como o primeiro período de FHC e os dois de Lula.
Mas há algo mais importante do que a avaliação presidencial: as pessoas estão mais esperançosas em relação ao futuro, em comparação com o que passaram nos últimos três anos. Essa janela de oportunidade deve ser aproveitada, pois, do mesmo modo que os cidadãos apoiam efusivamente governantes, eles podem deixar de apoiar num piscar de olhos.
Para manter sua força política nos próximos quatro anos, o governo tem de aproveitar o voto de confiança que a lua de mel proporciona. O melhor modo de fazer isso é aprovar e consolidar uma agenda governamental que dê frutos econômicos e sociais.
A guerra de valores, tão apregoada pela ala mais extremista da coalizão governista, segura o apoio apenas de uma pequena parte dos eleitores - e tal constatação vale para a direita e para esquerda. O cidadão comum (ou eleitor mediano, na linguagem da ciência política) quer políticas que signifiquem melhoria no seu bem-estar. Por essa razão, muitos podem ter votado agora em Bolsonaro mesmo tendo optado por Lula duas vezes na década passada, e, mais adiante, podem escolher outro nome ou tendência política.
A construção de uma estratégia de governabilidade mais sólida e de longo prazo passa por três desafios. O primeiro é o de montar uma agenda congressual e de políticas públicas que seja aprovada e possa ser efetivada com sucesso - isto é, agradando os cidadãos até a eleição.
O segundo diz respeito à articulação com os atores sociais e, principalmente, políticos, conseguindo um apoio consistente e razoavelmente previsível nas decisões do Congresso Nacional.
O terceiro ponto relaciona-se com a capacidade de lidar com as crises, que sempre vão acontecer em alguma medida em todos os governos, reduzindo o tamanho do impacto delas sobre o governo e o presidente. Essa última variável é essencial no começo de mandato, pois arranhões iniciais podem virar feridas profundas, que diminuem o poder presidencial.
A montagem de uma agenda que selecione adequadamente as prioridades é o passo inicial mais importante. Claro que há um rol de ações essenciais, dado que um governo não pode ser um samba de uma nota só.
Mas essa lista não pode ser muito grande, uma vez que certas questões têm impacto mais imediato ou mais forte sobre o conjunto da economia e da sociedade. Além disso, ampliar o leque de temas estratégicos pode gerar divisão entre os apoiadores e dificultar a aprovação e/ou execução do que se considera o mais relevante.
Várias são as medidas econômicas e sociais que devem ganhar destaque no governo Bolsonaro, porém, há um quase consenso entre as lideranças mais bem informadas do país de que a reforma da Previdência deve ser a prioridade número um - se hoje Fernando Henrique ou Lula fossem presidentes, diriam a mesma coisa.
Sem a reforma da Previdência, em pouco tempo Bolsonaro perderá apoio dos mercados, e as expectativas econômicas - de investimento e de consumo - vão para o ralo. O adiamento da mudança ou um reformismo capenga pode significar que já no ano que vem haverá enormes dificuldades para todos os níveis de governo sobreviverem - é a antessala da situação vivida pela Grécia.
Obviamente que não há uma única reforma possível, havendo mais de um caminho técnico e político. Mas rapidamente, seja pela via dos agentes econômicos, seja pela via fiscal, será feito um diagnóstico definindo se as mudanças feitas foram suficientes. O fato é que sem uma boa reforma da Previdência o governo Bolsonaro começa a definhar nas eleições municipais do ano que vem.
Há espaço para mais algumas agendas estratégicas e demandadas pela sociedade. As questões da segurança pública e da corrupção são peças-chave nesse governo, embora a primeira tenha mais apelo popular hoje. O pacote anunciado pelo ministro Moro vai nessa linha. É mais fácil aprovar tais medidas do que a reforma da Previdência, contudo, existem pontos controversos que vão gerar muito debate no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a energia que será gasta nessa agenda não pode ser negligenciada.
O próximo ponto da lista prioritária veio com o desastre em Brumadinho. Nem sempre o governo escolhe o conjunto de sua agenda principal. Escândalos, catástrofes naturais, mudanças no front internacional e erros acumulados que não tiveram a devida atenção podem alterar a ordem de preferências dos governantes.
A questão ambiental, mais especificamente vinculada ao papel das mineradoras, será alçada ao início da fila legislativa porque a comoção popular não vai se reduzir tão cedo. Se o governo Bolsonaro não fizer nada nesta seara, inclusive do ponto de vista legislativo, perderá parte do apoio que obteve na eleição.
Não se pode esquecer, ademais, que há uma lista de questões deixadas pelo governo Temer que vão ter de ser decididas nesse semestre, como, por exemplo, o imbróglio jurídico dos leilões do pré-sal. Outros temas estratégicos para o funcionamento das políticas públicas no curto prazo parecem que ainda não entraram no radar do governo Bolsonaro.
A renovação do Fundeb, principal instrumento de financiamento da educação básica no país, tem de ser feita até o fim do ano, ao custo de se gerar um colapso nas redes de ensino.
Com todas essas coisas efetivamente prioritárias na agenda inicial do governo, o papel do Executivo federal será o de reduzir o ímpeto de sua coalizão em colocar mais temas e projetos na pauta do Congresso Nacional. O problema está, aqui, na leva de congressistas novos, muitos eleitos pelo partido do presidente, e que querem mostrar serviço aos seus eleitores. Se eles levarem adiante tudo o que prometeram nas eleições, com certeza vão atrapalhar as pautas principais do presidente Bolsonaro, inclusive atrasando a tramitação da reforma da Previdência.
E aqui entra o segundo desafio para evitar que a lua de mel acabe rápido: é preciso ter uma articulação segura e minimante previsível no Congresso Nacional. Os primeiros resultados das eleições às presidências da Câmara e do Senado foram, aparentemente, positivos ao governo Bolsonaro.
Mas ainda há duas casas legislativas extremamente fragmentadas, com partidos fragilizados pelo processo político recente, com demandas muito heterogêneas na base do governo, em suma, um cenário que vai exigir um processo coordenado de negociação e lideranças que possam arbitrar os conflitos.
A eleição de Rodrigo Maia na Câmara foi uma benção para o presidente Bolsonaro. Ele conhece bem o processo legislativo e sabe que serão necessárias negociações para o avanço da reforma da Previdência e em outras matérias legislativas. O mais importante é que ele tem maior capacidade de priorizar agendas do que o governo, que até o momento tem uma composição ainda muito heterogênea, com muitas ideias pouco exequíveis no campo das políticas públicas, além de ter vários integrantes do alto escalão com pouca ou nenhuma experiência político-administrativa.
No Senado, o processo de coordenação política será mais difícil. O novo presidente da Casa ainda é uma incógnita, mas já se sabe que ele não tem a mesma experiência de Maia. Soma-se a isso o fato de que a fragmentação partidária é ainda maior, num ambiente em que cada senador, para lembrar a frase de um veterano da política, acredita ser um partido em si.
A esperança governista derivada da eleição de Davi Alcolumbre precisa ser mais bem calibrada. Muitos que votaram nele o fizeram contra Renan, que virou a atual "Geni" da política brasileira. Mas alguns deles não devem votar em prol de uma reforma da Previdência que não seja intensamente negociada, agora ouvindo inclusive os internautas das redes sociais. Outras agendas, como as de cunho moral, têm menor chance ainda de agregar os senadores.
A tarefa de montar uma coalizão governamental estável é complexa, mas pode ser alcançada se o governo escutar e se apoiar em políticos experientes. Só que mesmo uma base governista sólida pode estremecer se surgem crises. Um critério importante para avaliar um governo está em sua capacidade de reduzir o impacto dos problemas e escândalos que batem à sua porta. Alguns presidentes foram mestres em transformar vento em furacão, enquanto outros fizeram com que tufões virassem uma garoa passageira. Em qual destas categorias Bolsonaro se enquadrará?
Essa pergunta é muito importante diante da investigação sobre Flávio Bolsonaro, que começou na linha da corrupção e agora o aproximou dos milicianos. Um cenário bem provável é que a situação do filho do presidente vire um poço sem fundo. Eis uma péssima notícia para um governo que tem, mais do que os anteriores, uma enorme possibilidade de aprovar uma forte reforma da Previdência, por conta da crise fiscal de toda a Federação e do buraco econômico nos qual estamos desde 2015. A crise envolvendo o "zero um", como é chamado por seu pai, é atualmente, não o único, mas o maior obstáculo à lua de mel presidencial e à agenda do país.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP
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