Pressionado pelos aposentados, o governo chileno decide mudar o sistema de capitalização da Previdência, modelo elogiado pelo ministro Paulo Guedes
“Nunca nos explicaram bem o sistema. Se eu soubesse como seria, teria feito uma poupança privada. Venderam-nos uma ilusão.”
Por Janaína Figueiredo | Época
BUENOS AIRES - As dificuldades enfrentadas no Chile ao introduzir novas regras para a Previdência Pressionado pelos aposentados, o governo chileno decide mudar o sistema de capitalização da Previdência, modelo elogiado pelo ministro Paulo Guedes
O sistema privado de capitalização da Previdência do Chile é tido por economistas de muitos países como um modelo a ser seguido. Mesmo sem dar detalhes, Paulo Guedes, o superministro da Economia do governo Bolsonaro, já anunciou que pretende adotar um regime semelhante para quem estiver entrando no mercado de trabalho. Mas os aposentados chilenos — pelo menos uma boa parte deles — fazem uma avaliação bastante negativa do sistema, 37 anos após sua implementação, e não entendem por que recebe tantos elogios no exterior.
O engenheiro químico César Peredo é um dos insatisfeitos. Depois de contribuir para o sistema por mais de três décadas, recebe uma aposentadoria de US$ 1.300, bem abaixo dos US$ 5.800 que ganhava quando estava na ativa. “Em 1981, eu trabalhava numa empresa de celulose e me disseram que devia passar para o sistema privado de capitalização. Sempre dei a maior contribuição possível, imaginando que me aposentaria ganhando um valor similar a meu último salário”, afirmou Peredo, que vive hoje em Valparaíso. Fazendo trabalhos de assessoria em engenharia química para complementar a aposentadoria, disse que consegue pagar suas contas, mas não vive tranquilo.
“Nunca nos explicaram bem o sistema. Se eu soubesse como seria, teria feito uma poupança privada. Continuo pagando os mesmos impostos, tendo as mesmas despesas, e com bem menos recursos”, queixou-se. “Venderam-nos uma ilusão. Muitos de nós têm a sensação de que se trata de um negócio, e não de um sistema pensado para beneficiar a população”, afirmou.
Os problemas do sistema de capitalização são reconhecidos pelo atual presidente chileno, o direitista Sebastián Piñera, que em novembro do ano passado enviou uma proposta de reforma ao Parlamento para tentar aumentar, no médio e no longo prazos, o valor das aposentadorias.
Com a vitória do Chile na Corte Internacional de Justiça de Haia (CIJ) na disputa com a Bolívia — que queria negociar um acesso soberano ao mar —, Piñera viu sua popularidade aumentar e decidiu apresentar uma proposta de reforma para elevar em 40% as aposentadorias dos chilenos.
O Chile tem atualmente um sistema misto de Previdência, que passou por aperfeiçoamentos nos últimos 37 anos. Em 1981, ainda durante a ditadura de Augusto Pinochet (1974-1990), foi implementada a capitalização, com a criação das chamadas Administradoras de Fondos de Jubilaciones y Pensiones (AFJP). São fundos de Previdência Privada para os quais contribuem os trabalhadores com carteira assinada e autônomos. Hoje, essa contribuição é de 10% do salário.
O projeto de Piñera propõe elevar gradualmente o percentual para 14%, sendo que a ampliação em 4 pontos percentuais seria financiada pelo empregador. “Essa contribuição crescerá de forma gradual para não afetar nossa capacidade de criar novos e bons empregos. Vai significar um aumento de 40% nas aposentadorias de todos os trabalhadores”, declarou o chefe de Estado. O projeto também prevê a melhora do chamado Pilar Solidário, implementado em 2008, no primeiro governo de Michelle Bachelet (20062010 e 2014-2018), para favorecer pessoas que não contribuíram para o sistema de Previdência Privada. Nesse caso, a maior contribuição será feita pelo Estado, para beneficiar, de acordo com Piñera, “os mais vulneráveis, a classe média, as mulheres e os que permanecem mais tempo no mercado de trabalho voluntariamente”.
A proposta de reforma chilena não muda a idade de aposentadoria — 60 anos para mulheres e 65 para homens —, mas oferece mais benefícios para quem voluntariamente adiar seu retiro, nos moldes da lei aprovada há quase um ano pelo Congresso argentino.
“O sistema solidário foi criado em 2008, e de lá para cá temos um sistema misto. Mas são necessárias correções, porque já há um tempo estamos vendo que o valor das aposentadorias estaria mais baixo que o esperado”, afirmou o economista David Bravo, professor da Universidade Católica do Chile e ex-presidente da comissão que assessorou a Presidência sobre Previdência.
Para ele, o projeto apresentado por Piñera resolve parte do problema, mas resta encontrar uma solução para “os que estão se aposentando agora ou nos próximos anos. Chegar a uma contribuição de 14% para o sistema de capitalização demorará alguns anos, caso contrário correríamos o risco de demissões ou de frear novas contratações. O aumento de 40% para todas as aposentadorias também será gradual”, disse o economista.
Atualmente, a aposentadoria mínima no Chile é de US$ 165 — para quem jamais contribuiu com o sistema. “Nosso modelo é bastante completo, mas temos os mesmos problemas de falta de recursos que a grande maioria dos países, por isso é necessário fazer correções”, afirmou Bravo.
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