O pacote de medidas contra a corrupção, o crime organizado e a violência anunciado nesta semana pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, é mais forte nos pontos em que é maior a experiência do ex-juiz de Curitiba - é mais abrangente no cerco ao dinheiro ilegal que move as engrenagens do poder. As medidas propostas sobre os outros dois temas ampliam e reforçam os constrangimentos às organizações criminosas, buscam tapar buracos e regalias legais, mas trazem pouca inovação. Moro acrescentou enunciados à "exclusão de ilicitude", em parte redundantes com o texto em vigor, que reduzem ou eliminam a responsabilidade de policiais por mortes no cumprimento do serviço. Com isso, por um lado, atraiu grande polêmica com defensores dos direitos humanos e oposição, e, por outro, mostrou-se alinhado ao mote de "guerra ao crime organizado" do presidente Jair Bolsonaro, já amplamente vocalizado durante a campanha eleitoral.
Uma das medidas mais importantes entre as propostas pelo ministro da Justiça não será, ao que tudo indica, decidida pelo Congresso - o início do cumprimento da pena logo após a condenação em segunda instância. O Supremo Tribunal Federal admitiu por um breve período que isso não era possível - a Constituição diz que só haverá prisão após o trânsito em julgado, isto é, esgotados todos os recursos. Recentemente, em meio à extrema divisão de seus ministros, o STF entendeu que é cabível a prisão após o julgamento de segunda instância, interpretação que tornou possível levar o ex-presidente Lula à cadeia. No dia 10 de abril está marcada sessão para discutir novamente a questão. De qualquer forma, está em jogo o texto constitucional, que não poderá ser modificado por lei ordinária, apenas por proposta de emenda à Constituição.
A permissão da prisão após julgamento em segunda instância foi crucial para que a Lava-Jato deslanchasse. Ela deu vital incentivo às delações premiadas, ao fechar o caminho a protelações legais intermináveis que beneficiariam, entre outros, os empresários envolvidos em corrupção. Por isso, a intenção que também perpassa as propostas está a de seguir na mesma linha e reduzir as possibilidades de prescrição de penas. É o caso, por exemplo, da proposta de suspensão do tempo de contagem do prazo prescricional enquanto existirem recursos pendentes no STF e no Superior Tribunal de Justiça. Da mesma forma, Moro quer que os embargos infringentes só possam ser apresentados se um dos juízes do colegiado votar pela absolvição do reú e não apenas por divergir da sentença na gradação de pena.
O pacote define claramente o crime de caixa 2, hoje considerado na legislação eleitoral como caso de omissão ou falsidade na prestação de contas da campanha. A penalidade não difere - 2 a 5 anos -, mas a agrava em um terço no caso de envolvimento de agente público e responsabiliza também o corruptor. Essa proposta mostrará até que ponto a renovação do Congresso foi suficiente para permitir a aprovação de medida moralizadora que atinge os políticos e, agora, seus financiadores.
Moro propõe a instituição do mecanismo do "plea bargain", pelo qual a confissão de culpa é condição para um acordo em que a denúncia não é oferecida, em troca da reparação do dano, o que valerá também para os casos de improbidade administrativa, desde que a pena prevista seja inferior a 4 anos.
Outras propostas pretendem fechar o cerco ao crime, organizado ou não. Condenados por tribunais do juri por crimes dolosos contra a vida terão de cumprir a pena imediatamente, e não responder em liberdade, como hoje é possível. Uma das medidas aumenta penas para reincidentes em porte, posse, comércio ilegal ou tráfico de armas de fogo. Condenados por roubo com uso de arma de fogo ou lesão corporal grave terão de cumprir pena obrigatoriamente em regime fechado. O pacote pede ainda a proibição de saída temporária por quem cumpre pena por crimes hediondos.
Com a mediação do Legislativo e a vigilância do STF, há bons motivos para esperar que a maior parte do pacote de Moro seja aprovado. Ainda que os políticos eliminem alguns pontos que os prejudiquem, o saldo certamente representará um avanço nas condições de combate à corrupção e ao crime organizado e o reforço do poder do Estado para fazê-lo.
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