- Folha de S. Paulo
Liberais eufóricos mal discutem a receita previdenciária e o trabalho precário
A reforma trabalhista vai provocar mudanças no mercado de trabalho que tendem a diminuir a receita da Previdência Social. É o que dizem críticos de esquerda sobre a reforma aprovada sob Michel Temer e sobre alterações radicais que estão nos planos de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro.
O impacto da mui recente reforma trabalhista por ora é ínfimo, de modo que ainda é impossível estimar seus efeitos. Mas é também fato que o reformista liberal padrão não liga muito para deficiências de arrecadação da Previdência.
Tudo mais constante, a receita será tanto maior quanto maior a parcela da população empregada e, não necessariamente a mesma coisa, quanto mais trabalhadores contribuírem.
Alterações profundas no mercado de trabalho podem ter efeitos na capacidade contributiva, talvez negativos. O problema, porém, é bem mais enrolado.
Entre pessoas ocupadas, de 16 a 59 anos, a parcela de contribuintes cresceu quase sem parar de 2004 a 2017. Entre a categoria “empregados”, maioria dos trabalhadores, passou de 73,3% para 84,3% (dados mais recentes do Informe de Previdência Social). Mas a situação ainda é ruim.
Em uma conta mais genérica, pelo menos 29% dos ocupados de 16 a 59 anos não contribuíam, metade por falta de dinheiro (ganha menos de um salário mínimo). Note-se: essa conta não inclui quem está fora do mercado, temporária ou cronicamente.
Esse mundo de trabalho precário contribui para o desastre previdenciário.
Mas o problema não se resolve com mais e melhores empregos. A despesa previdenciária cresce de modo explosivo porque o Brasil envelhece rápida e precocemente, entre outros problemas.
Na estimativa que consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019 (feita em 2018), a receita previdenciária federal ficará quase estável em torno de 5,6% do PIB até 2039. A despesa crescerá de 8,4% do PIB para 12,3% do PIB (trata-se aqui do Regime Geral de Previdência Social, que não inclui servidores).
Sim, aumento de receita ajuda, especialmente se relacionado a progressos no emprego. Sim, em tese o déficit poderia ser em parte compensado por aumentos de outros impostos. Mas até uma compensação pequena não é caso trivial, pois impostos podem afetar o crescimento econômico.
Enfim, há a questão fundamental: em vez de pagar aumento de despesa previdenciária, qual o uso alternativo desse dinheiro extra? Não seria mais útil gastar em creche, esgoto, saúde, escola, ciência e transporte público?
De resto, além do problema estrutural da despesa da Previdência, temos um desastre emergencial. A dívida pública cresce sem limite, pois o governo toma emprestado até para pagar despesas básicas. Pelos próximos anos, o país não tem como aumentar impostos e gastar mais.
Feitas as ressalvas, porém, o financiamento da Previdência também é problema.
Para reformistas, o fim da CLT acelera o crescimento e a criação de empregos. No outro extremo, para certa esquerda haverá precarização sem fim do trabalho, com achatamento de salários e menos contribuições. Dúvidas sobre o futuro da receita não param por aí.
Além da reforma trabalhista radical, Guedes pretende mexer a fundo na contribuição das empresas, que pagariam muito menos para o INSS. Vai acertar a conta e arrumar fonte de receita alternativa e segura, que acompanhe grosso modo as necessidades da Previdência?
A gente não está falando sobre isso.
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