quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Rosângela Bittar: Marcas do presente

- Valor Econômico

É de transparência que precisa um governo em sombras

Há três semanas constatamos aqui que Jair Bolsonaro não deveria se comportar como se estivesse de chinelos, refestelado diante da televisão, tuitando com raiva contra os inimigos reais e imaginários as respostas sobre o que ouvia e não gostava. A raiva é uma característica de seu temperamento e já foi aconselhado a não usá-la para governar pois só o envenena, a mais ninguém. À época, era o que estava parecendo, agora é o que é.

Não só porque o presidente se apresente atabalhoado no governo, perdido mesmo, ainda agarrado aos métodos e valores de campanha eleitoral. Não só porque a tenha deixado fluir nas conversas com o ex-ministro Gustavo Bebianno, reveladas ontem pela "Veja", a ponto de mentir publicamente sobre a inexistência dos diálogos e demitir o ex-amigo com 49 dias de governo. Isso não é nem um recorde, que ainda pertence a Romero Jucá no governo Michel Temer, mas inusitado para a relação com um dos principais líderes da campanha eleitoral, presidente do seu partido, o PSL. O presidente se colocou sobre uma casca de banana e ontem não conseguiu explicar mais nada sobre o assunto.

Tudo isso é grave, mais ainda porque se soma a inúmeros outros fatos que denotam, da parte do presidente, voluntarismo, desprezo pela transparência, pela explicação ao seu eleitorado e à sociedade, pelos militares que levou à ocupação do governo para orientá-lo e tocar tanto a política quanto a gestão.

O governo está opaco, obscuro, e tocado por sentimentos menores, de ódio pessoal. Também não se deve atribuir o que vem acontecendo a um comportamento comum ao baixo clero, como se chegou a justificar, pois sabe ser doce quando necessário.

Não se deve, ainda, atribuir tudo aos filhos, complicados mesmo, e os diálogos revelados ontem entre Bolsonaro e Bebiano mostram que o estilo é o do pai. O filho mais problemático, até agora, cuja ação afeta diretamente o desempenho do presidente da República, é Carlos Bolsonaro, o vereador. Ele surge protagonista nos momentos mais inusitados. Apareceu no Rolls Royce que levou o presidente e sua mulher à solenidade de posse, armado, ao lado do pai, deixando no ar um mundo de indagações: por que ele e não a filha pequena? Por que nenhum deles, como seria mais adequado? E por que só ele foi citado pela primeira dama em surpreendente discurso na posse do marido? A rígida segurança presidencial teria cedido à sua imposição porque o vereador temia um ataque ao pai e se considerava mais apto a defendê-lo que o aparato policial-militar de segurança do presidente da República. Nenhuma palavra de explicação sobre esses fatos foi dita até hoje.

Na montagem do governo, o vereador saiu de Brasília bufando, deixando sua equipe de insumos da rede social encostada ao presidente, e fez uma suposta volta, em protesto irritado, aos seus afazeres políticos de vereador. Embora tenha conseguido tirar a comunicação da área de Bebianno, onde estava prevista, e ter seu grupo no mando da rede digital, engoliu o desafeto como ministro da Secretaria-Geral, posto que, possivelmente, Bolsonaro-pai deve ter alegado ser de funções meramente administrativas.

O filho não tardou a compreender que Bebianno tinha ficado no alto do poder e procurou outras formas de atingi-lo. Chamá-lo de mentiroso porque não tinha conversado com seu pai como alegara, denúncia confirmada pelo pai, foi uma jogada kamikaze, pois ambos sabiam que os diálogos existiam e poderiam ser divulgados, como o foram.

Nada disso mereceu um pequeno esclarecimento que fosse: novamente, um governo em permanente falta de transparência.

Agora, a despeito dos alertas dos generais que instalou no Planalto, o presidente esteve no centro - centro mesmo, ao contrário dos episódios envolvendo os outros filhos - da crise política provocada pelo vereador. Apesar dos alertas dos assessores, políticos e militares, apesar das restrições feitas à submissão de um presidente à ação de seus filhos, Bolsonaro a ninguém considerou.

Os generais que o cercam, porém, lutaram muito para equilibrar a disputa, sem sucesso, e ficaram todos calados, ao final. O que lhes terá dito Bolsonaro para justificar a demissão de um ministro por capricho de um filho? Algo sobre o processo aberto contra Bebiano, talvez. Só isso poderia servir de justificativa à decisão que foi tomada, tornando o episódio deglutível. Mas se sabe algo terrível do ex-ministro, Bolsonaro provocou mais confusão ao fazer as declarações de apreço depois da demissão. Não há explicações, não há transparência, o pais tem um governo envolto em sombras.

Há algo com esse filho que não pode ser contrariado, o vereador. Bolsonaro também não explicou os deslizes que o atingiram e que tiveram como protagonistas Flávio, o senador, e Eduardo, o deputado. Os problemas de Flávio não dizem respeito diretamente ao governo federal, mas o de Eduardo, sim. Ele atacou um dos Poderes, usurpou funções do chanceler, nomeou polêmicos ministros, fez declarações sobre tudo na transição. O presidente ainda não conseguiu ser o presidente de todos, mas conseguiu demonstrar que são seus filhos que o movem.

Entre o dia em que chamou Bebianno de mentiroso e o dia em que o demitiu, passou-se uma semana. Por quê? Ninguém sabe, não há explicação do governo nem para a oscilação de Bolsonaro: ameno na gravação à noite, explosivo na gravação da conversa telefônica com o ex-amigo.

Há sombras por todos os lados. O presidente levou uma facada em campanha e até hoje a Polícia Federal enrola o processo, no momento a pretexto de descobrir quem pagou os advogados do esfaqueador. Por cinco meses Bolsonaro não deu satisfações à sociedade. Só agora, de repente, cobrou resultados, e seu fortísssimo ministro da Justiça foi incapaz de contar uma história simples sobre como a Polícia Federal, sob seu comando, está conduzindo as investigações e porque não as conclui.

Um cenário: os filhos não deixam o pai decolar. O governo está melhor estruturado que o anterior, com o apoio de militares de elite. Têm mais segurança o presidente da Câmara e os deputados, quando for o caso, para tomarem medidas drásticas, caso a sombra do impeachment se some à sombra do governo e volte a ameaçar a Presidência. É caso para tudo isso? Se Bolsonaro não assumir o governo como presidente e não como candidato, é. O que os áudios de sua conversa com o ex-ministro Bebianno revelam é que ele fez igual à ex-presidente Dilma no caso Pasadena. Ela agravou sua situação levando a crise da Petrobras para dentro do Palácio do Planalto.

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