segunda-feira, 11 de março de 2019

‘Compliance’ dos partidos: Editorial / O Estado de S. Paulo

Cabe aos partidos uma parte bastante significativa da responsabilidade pela crise moral que o País atravessa. E tanto as legendas ditas tradicionais como os políticos de carreira sentiram nas urnas, na forma de derrotas acachapantes para novatos em geral, todo o peso do profundo desapreço dos eleitores pelas práticas deletérias que conspurcaram a atividade política nos últimos anos. Por essa razão, essas agremiações e seus caciques deveriam ser os mais interessados em mudar sua imagem perante os cidadãos. No entanto, reportagem recente do Estado constatou que nenhum dos partidos que têm políticos investigados, denunciados ou condenados pelos mais diversos crimes puniu qualquer desses parlamentares.

Os casos não chegam nem mesmo a mobilizar o chamado “conselho de ética” dessas legendas. Considerando que 160 deputados e 38 senadores estão com alguma pendência judicial – as acusações incluem corrupção, lavagem de dinheiro, assédio sexual, estelionato, improbidade administrativa com dano ao erário e enriquecimento ilícito –, é possível dimensionar a leniência dos partidos com correligionários problemáticos.

O único episódio em que o “conselho de ética” de um partido foi acionado foi o do senador Acir Gurgacz, do PDT de Roraima. Condenado a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto por crime contra o sistema financeiro, o senador foi considerado inocente por seus pares no “conselho de ética” do PDT. Ou seja, para o PDT, um correligionário condenado pela Justiça, malgrado ter tido todas as garantias de ampla defesa, não merece qualquer punição por parte do partido. A explicação, dada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, é singela: “Mergulhei no caso do senador Acir, que foi o único condenado por um empréstimo feito pela empresa da família dele. Não houve corrupção nem dolo. Por unanimidade, entendemos que ele é inocente e que o julgamento foi equivocado”.

Assim, o senador Gurgacz, culpado aos olhos da Justiça, mas inocente na opinião de seu partido, continua a dar expediente no Senado, das 8 às 19 horas, na condição de parlamentar pedetista. Depois, segue para a penitenciária da Papuda, onde cumpre pena na condição de condenado por crimes contra o sistema financeiro.

Outro caso que chama a atenção é o do deputado José Valdevan de Jesus Santos, o “Valdevan 90”, do PSC de Sergipe. Ele foi preso preventivamente em 7 de dezembro passado sob acusação de crimes de falsidade eleitoral e organização criminosa durante a campanha. “Valdevan 90” foi diplomado na cadeia pública da cidade sergipana de Estância e em janeiro foi beneficiado por um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. A Procuradoria-Geral da República recorreu da decisão.

Enquanto isso, o PSC considera que não precisa nem mesmo convocar seu “conselho de ética” para avaliar a situação de “Valdevan 90” porque, como o processo ainda não transitou em julgado, o partido não pretende “se antecipar e condenar alguém”.

Essa costuma ser a desculpa-padrão dos partidos para sua inação em relação aos integrantes encalacrados na Justiça. Tome-se o exemplo do PT, partido com o maior número de políticos denunciados e condenados por corrupção nos últimos anos. Faz uma década que os petistas não convocam seu “conselho de ética” – na última vez que o fizeram, foi para punir deputados que haviam contrariado orientações da cúpula partidária. Na maioria absoluta dos casos em que petistas foram condenados por corrupção, o PT alega que se trata de perseguição política.

Tal comportamento em nada ajuda os partidos a mudar a péssima percepção popular sobre sua natureza. Como forma de redução de danos, algumas agremiações falam agora em adotar alguma forma de “compliance”.

Comum nas grandes companhias, o “compliance” é um mecanismo de controle interno para assegurar que tanto a empresa como seus funcionários seguirão as leis e os códigos éticos. Não há razão para crer, contudo, que esta não seja apenas mais uma iniciativa sem efeito, limitada ao nome pomposo. Afinal, de decorativas já bastam as “comissões de ética” dos partidos.

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