Exército deve explicações a respeito de ação hedionda que matou um homem no Rio
“Tudo indica que houve o fuzilamento do veículo de uma família de bem indo para um chá de bebê. Uma ação totalmente desproporcional e sem justificativa.”
A afirmação, sobre a execrável ação militar que matou o músico Evaldo Rosa dos Santos, no domingo (7), no Rio, foi feita pelo delegado Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, responsável pela perícia no local.
Constatou-se o disparo de mais de 80 tiros e nenhuma arma foi encontrada com os ocupantes do automóvel atacado— entre os quais o filho da vítima, de 7 anos.
Tentou-se, de início, acobertar a barbárie. A primeira versão divulgada alegava uma fantasiosa reação defensiva ao que teria sido uma investida de bandidos armados.
Uma nota do Comando Militar do Leste dizia, ainda no domingo, que a patrulha havia se deparado com um assalto e que dois criminosos dentro de um veículo dispararam. O grupo, então, teria respondido à “injusta agressão”.
Encarregado das investigações, o Exército, a seguir, curvou-se às evidências, e a farsa teve de ser abandonada. Foram identificadas contradições nos relatos e dez militares foram afastados e detidos em flagrante. O processo, contudo, correrá na Justiça Militar.
A hedionda ocorrência exemplifica os riscos, que esta Folha tem apontado com insistência, de as Forças Armadas exercerem papel de polícia. Devido à demanda de governantes, a instituição, cuja função precípua é a defesa nacional, viu-se nos últimos anos cada vez mais envolvida em operações de combate ao crime.
O caso mais ostensivo foi a intervenção federal determinada pelo então presidente Michel Temer (MDB) na área de segurança do estado do Rio, em fevereiro de 2018.
Liderada pelo Exército, a operação obteve resultados pífios, com melhorias pouco consistentes de alguns indicadores e um preocupante incremento de mortes causadas por policiais e militares.
A escalada do banditismo no país serviu para alimentar ilusões quanto à capacidade dos militares de enfrentar o problema. Paralelamente, prosperou em alguns estratos a disposição de apoiar ações violentas por parte da polícia.
Esse ânimo foi perfeitamente captado em 2018 pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL), que chegou à Presidência repetindo um gesto que mimetiza o uso de armas e declarando-se partidário do confronto com o crime.
Postulantes vitoriosos nas disputas estaduais, como João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ) —principalmente este— também embarcaram na defesa da linha-dura.
Tal pregação está longe de constituir uma política racional e eficaz de segurança pública, entretanto. Polícias decerto devem ser fortalecidas, mas isso significa maior uso de inteligência e tecnologia, não tolerância a abusos.
Quanto ao Exército, no caso em tela, cumpre ao menos apresentar providências urgentes a respeito dos envolvidos na ação escabrosa.
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