- Valor Econômico
Preocupação é com regras de transição e tempo de contribuição
Os parlamentares resistem às mudanças propostas pelo governo no Benefício de Prestação Continuada (BPC), nas regras de aposentadoria na área rural, à desconstitucionalização das regras previdenciárias e à criação do sistema de capitalização. Mesmo que estes itens sejam retirados do texto da reforma da Previdência, a perda será muito pequena e a economia de R$ 1 trilhão em dez anos será preservada, assegura fonte credenciada ouvida pelo Valor.
A preocupação do governo é com alterações que possam ser feitas pelos parlamentares na idade mínima para requerer aposentadoria pelos trabalhadores urbanos e servidores, nas regras de transição, no tempo de contribuição e no cálculo dos benefícios. Esses são os pilares que sustentam a estimativa do governo de ganho com a reforma da Previdência.
No caso do BPC, o governo propôs que seja concedido um benefício de R$ 400 por mês para a pessoa em condição de miserabilidade que completar 60 anos (renda per capita mensal inferior a 1/4 do salário mínimo). O valor do benefício será igual ao piso salarial quando a pessoa chegar aos 70 anos. Atualmente, quem está em condição de miserabilidade e chega aos 65 anos recebe o salário mínimo mensal.
Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu mudar a proposta para que o benefício de R$ 400 ao completar 60 anos seja opcional, com o valor chegando a um salário mínimo aos 70 anos. Se preferir, a pessoa pode continuar recebendo o piso salarial quando completar 65 anos. De qualquer maneira, o governo estima que o ganho fiscal com a mudança, ao longo dos próximos dez anos, é nulo. Abrir mão desta proposta, portanto, não afeta a economia esperada com a reforma.
O objetivo da medida seria, de acordo com a explicação oficial, corrigir uma distorção na regra atual, pois o trabalhador de baixa renda e que contribui para a Previdência termina se aposentando, em média, aos 63 anos e passa a receber um salário mínimo. Em outras palavras, não há estímulo para que ele contribua para a Previdência pois receberá o mesmo que a pessoa que não contribui.
O sistema de capitalização, por sua vez, não resulta em ganho fiscal. Ao contrário, a sua adoção resultará em fortes déficits, pois o trabalhador que optar pelo novo sistema não contribuirá mais para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), de repartição simples. Com menos receita, o déficit do RGPS será ampliado, tendo que ser bancado pelo Tesouro Nacional, ou seja, por toda a sociedade.
Guedes tem dito que a implantação do sistema de capitalização só será possível se o Congresso aprovar uma reforma que garanta economia de R$ 1,1 trilhão. Em outras palavras, o ganho a ser obtido com a reforma da Previdência é que permitirá a implantação do novo sistema. Se o Congresso reduzir a economia, inviabilizará na prática a capitalização, pois o Tesouro não terá como bancar a transição para o novo sistema.
A questão é que dificilmente o Congresso aprovará o sistema de capitalização, pois a proposta enviada pelo governo não deixa claro que haverá contribuição patronal. Ao contrário, citando o exemplo do Chile, onde o sistema foi implantado, Guedes diz que, em seu início, o ideal é que não haja contribuição patronal, pois isso estimularia a criação de empregos no país.
A desconstitucionalização das regras previdenciárias também não afeta a economia fiscal com a reforma. Com a proposta, o governo quer apenas tornar menos difíceis as futuras alterações nos sistemas previdenciários do país. Aprovar uma lei complementar é mais fácil do que uma emenda constitucional, pois exige apenas maioria absoluta (metade mais um) dos votos dos senadores e dos deputados. As grandes corporações de servidores são contrárias à proposta e devem fazer lobby para que ela seja suprimida do texto.
As alterações nas regras de aposentadoria na área rural também devem ser vetadas pelos parlamentares, principalmente por aqueles do Norte e Nordeste. Pela proposta do governo, a idade mínima da mulher rural para requerer aposentadoria subiria de 55 anos para 60 anos, a mesma do homem. Além disso, o tempo de contribuição passaria de 15 anos para 20 anos.
O governo ainda não divulgou oficialmente o cálculo da economia com as alterações na aposentadoria da área rural. Mas fonte credenciada disse ao Valor que o ganho fiscal deverá ser inferior a R$ 100 bilhões em dez anos. Assim mesmo, a maior parte da economia nessa área será obtida com o combate às fraudes, que será feito com base na medida provisória 871/2019. Se o Congresso excluir do texto as mudanças nas aposentadorias rurais, o impacto no ganho fiscal com a reforma será muito pequeno.
A desidratação feita pelos deputados na reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer (PEC 287/2016), e que foi aprovada em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, atingiu, além do BPC e da aposentadoria da área rural, as regras de transição, com ampliação do prazo, redução do tempo de contribuição, as aposentadorias especiais para policiais e professores, entre outros pontos.
Com a desidratação feita pela Comissão Especial, o então Ministério da Fazenda estimou que a economia com a reforma da Previdência proposta pelo ex-presidente Michel Temer tinha sido reduzida de R$ 793 bilhões em dez anos - previsão feita com base na proposta original - para R$ 604 bilhões - o ajuste tinha encolhido R$ 189 bilhões.
Se uma desidratação semelhante for feita na proposta de reforma feita pelo presidente Jair Bolsonaro, a economia seria reduzida da previsão de R$ 1,165 trilhão em dez anos para R$ 976 bilhões - muito perto da meta original. Ontem, em entrevista à Bloomberg, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o ideal seria atingir R$ 1,1 trilhão de economia, mas, se o ganho com a reforma ficar em R$ 850 bilhões em dez anos, "seria bom para o país".
As palavras de Mourão indicam que o governo trabalha com uma margem inevitável de desidratação da reforma da Previdência. Se o ganho ficar mesmo em R$ 850 bilhões, será bem maior do que o esperado pelo governo Temer em sua proposta original.
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