terça-feira, 21 de maio de 2019

Mercado reduz projeções mais uma vez, e economista aponta depressão

Com previsões de expansão do PIB em queda pela 12ª semana, ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diz que reforma da Previdência é o primeiro passo para superar crise

Cássia Almeida / O Globo

As expectativas de crescimento da economia este ano caíram pela 12ª semana consecutiva na pesquisa Focus, divulgada ontem pelo Banco Central. A média das previsões de uma centena de instituições do mercado para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 passou de 1,45%, na semana passada, para 1,24%. A revisão para baixo se deve principalmente aos sinais de que o PIB ficou negativo no primeiro trimestre deste ano. O dado será divulgado pelo IBGE no dia 30 de maio, mas o cenário já é suficiente para o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore diagnosticar um quadro de depressão econômica, com a renda per capita estagnada há três anos. Segundo o economista, a reforma da Previdência não é uma “bala de prata”, mas o primeiro passo para reorganizar as contas públicas e destravar a economia.

—Se não aprovar a reforma da Previdência, se ela for desidratada, vai acabar o teto de gastos (lei que impede que despesas do governo cresçam mais que a inflação do ano anterior) e volta o problema anterior de não sustentabilidade da dívida pública. A coisa fica inadministrável. Tem que ter solução para o problema fiscal para criar perspectiva de esse risco sair — afirmou Pastore ontem, no Rio, ao participar de um seminário sobre política monetária promovido pela Fundação Getúlio Vargas e o jornal Valor Econômico. —Não tem bala de prata, mas se tiver uma boa reforma da Previdência, o risco de crise fiscal cai.

RITMO DE ‘CÁGADO MANCO DE MULETA’
Apesar de setores empresariais demandarem queda dos juros, o economista afirmou que a política monetária não pode servir de “tábua de salvação” para a economia brasileira na situação atual. Sem controlar os gastos públicos, uma eventual redução dos juros pelo Banco Central poderia até provocar aumento na nota de risco do país, avaliou o ex-presidente do BC.

Pastore identificou um quadro de depressão econômica no Brasil no último relatório de sua consultoria, no qual cita aqueda de 8% da renda per capita desde 2014, quando o Brasil entrou em recessão. Como a economia tem crescido em torno de 1% desde 2017 e a população cresce 0,8% ao ano, ele conclui que a renda avança muito residualmente no país: 0,3%. Nesse ritmo, diz o economista, a renda per capita brasileira (que ficou em R$ 32,7 mil em 2018) só vai dobrar em 240 anos.

O diagnóstico do economista mostra um país sem demanda diante do desemprego e ociosidade alta da estrutura produtiva em meio à desaceleração do crescimento global. Nas palavras dele, o país vive a recuperação mais lentada História ,“a passos de cágado manco de muleta ”.

Um dos membros do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), o ex-presidente do BC afirmou que o Brasil não sairá do lugar sem uma agenda clara do governo sobre reformas microeconômicas, abertura comercial, privatizações, avanços em infraestrutura e uma reforma tributária que largue “essa coisa muito feia que eu estou vendo que é tentar aprovar uma CPMF que não se chama CPMF”, numa referência a uma proposta do secretário da Receita, Marcos Cintra, de taxar transações financeiras. Pastore cobrou uma agenda econômica clara do presidente Jair Bolsonaro:

—Oque eu gostaria deve ré o governo, em vez de discutir se o (ideólogo) Olavo (de Carvalho) tem razão, se 01, 02 ou 03 (alusão aos filhos de Bolsonaro) tem razão, vira público e dizer assim: minha estratégia para botar o país para crescer é a seguinte. E vem uma lista—disse Pastore, que recomendou ao governo adotar o projeto de reforma tributária que tramita no Congresso baseado em uma proposta formulada pelo economista Bernard Appy para a criação de um Imposto de Valor Agregado (IVA).

Segundo o economista, uma agenda de reformas como a que defende “vai demorar dois anos para frutificar”, mas seria capaz de melhorara confiança dos investidores e a retomada de investimentos com um rumo:

—Se ficar discutindo se corta 0,25 ponto da Selic (taxa básica de juros definida pelo BC, que está em 6,5% ao ano) ou não, se dá para dar uma flexibilizada em política monetária, nós vamos patinando em cima do lugar sem nos mover.

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