Por Raphael Di Cunto e Renan Truffi | Valor Econômico
BRASÍLIA - Após apoiadores do presidente Jair Bolsonaro convocarem atos em apoio a ele "contra os conchavos do Congresso", o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu ontem e disse que os que não concordam que os projetos do governo sejam modificados pelo Legislativo não entendem que toda a sociedade tem direito de participar dos debates.
"O governo representa uma parte e o Parlamento representa toda a sociedade", disse, ao participar de sessão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Brasília. "Aqueles que entendem que aquilo que chega ao Parlamento não precisa ser debatido, muitas vezes até rejeitado se a proposta não for boa, são os que entendem que apenas uma parte da sociedade tem direito de participar dos debates e da construção das soluções para o país", afirmou.
Em um recado sobre a base de apoio do governo, Maia disse que o mundo vive transformações e "muitas vezes os radicalismos se sobrepõem ao diálogo, principalmente nas redes sociais, onde quem está no extremo tem mais espaço para aparecer do que aquele que quer construir consensos". Ao receber estudo da OAB com críticas ao pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ele destacou que essa é "a sinalização clara de que o Parlamento é a Casa do diálogo, da garantia da democracia e das instituições".
O discurso ocorre após Bolsonaro divulgar texto na sexta-feira sobre as dificuldades de governar sem conchavos e pedir apoio da população para mudar isso. Aliados dele, incluindo seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), passaram a defender manifestações no dia 26 de maio, domingo, em apoio ao governo.
O PSL ainda não decidiu formalmente se participará dos atos, mas a maioria dos parlamentares está ajudando as convocações e há um clima conflito com os que não estão envolvidos, como a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Líder do PSL no Senado, major Olímpio (SP) disse que os atos mostrarão quem são os aliados que estão apunhalando Bolsonaro pelas costas.
O conflito ocorre em meio as dificuldades do governo de votar seus projetos. A medida provisória (MP) da reforma administrativa, que promove a redução dos ministérios para 22, está travada na Câmara e perderá a validade se não for aprovada pelos deputados e senadores até 3 de junho, que é uma segunda-feira, quando não é comum ocorrerem votações.
Alvo das manifestações, o Centrão, grupo informal composto por DEM, PP, PR, PRB, SD, PSD e MDB, articula levar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), responsável por investigar lavagem de dinheiro, hoje sob comando de Moro, para o Ministério da Economia. Eles conseguiram aprovar a mudança na comissão do Congresso, impuseram ainda a Moro a responsabilidade de lidar com as questões indígenas, recebendo a Funai, e agora tentam forçar o governo a aceitar as derrotas em plenário, sob o risco de não votarem a MP.
Apesar do prazo apertado, a maioria dos partidos do Centrão diz que pretende votar a medida. "A relação com o governo não tem jeito mais não, mas vamos votar para não sermos culpados pelo governo de jogar contra o país, sendo que é o próprio governo o resposnável pelos problemas", disse o líder do SD, deputado Augusto Coutinho (PE). O problema será vencer a obstrução da oposição, que usará as MPs anteriores e a longa discussão da reforma, com várias emendas votadas uma a uma, como impedir a divisão do Ministério do Desenvolvimento Regional em Integração Nacional e Cidades, para contemplar aliados políticos.
Se a MP perder a validade, a estrutura administrativa do governo Bolsonaro voltará a organização dos ministérios na primeira versão do governo Temer - o organograma do fim do mandato foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, o governo passaria a 26 ministérios, com a divisão da Economia em Fazenda e Planejamento, por exemplo.
Outras oito MP também correm risco, mas o governo não pretende desistir de vota-las para focar na reforma administrativa. A mais problemática, na avaliação do Executivo, é a que acaba com o limite de capital estrangeiro nas empresas aéreas que operam no Brasil. A proposta precisa passar pela Câmara e Senado até amanhã. Uma alternativa é que o senadores votem o projeto, já aprovado pelos deputados, que promove essa mesma abertura do setor aéreo. Outra MP complicada é a mudança no marco legal do saneamento básico, prioridade para Maia.
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