-Revista Época
Mulheres muitas vezes enxergam prioridades diferentes das dos homens no desenho dessas políticas e de programas sociais.
Falar sobre machismo é sempre difícil. É importante, mas difícil e muitas vezes cansativo. É objeto de controvérsia por várias razões, inclusive porque homens geralmente não veem que houve machismo em certa situação. Como eles não veem, não houve. Contudo, não é bem assim que a coisa rola.
Publiquei recentemente no Twitter um gráfico para falar sobre a inexistência de caixa-preta no BNDES. Nesse gráfico, havia dois eixos. Em um deles, estavam os desembolsos anuais do BNDES como proporção do PIB. No outro, o investimento brasileiro também como proporção do PIB. O ponto era bem simples: houve um salto considerável nos desembolsos do BNDES ao final do segundo mandato de Lula e do primeiro de Dilma.
O aumento dos desembolsos do BNDES não veio acompanhado de qualquer aumento da produtividade brasileira, e, embora tenha havido uma elevação da taxa de investimento no período, essa subida poderia ser explicada por fatores cíclicos, como a alta das commodities e os impulsos externos que sobrevieram da crise de 2008. Ao terminar a farra do crédito público subsidiado, em 2014, sobraram os escombros.
A economia estava ainda mais desarranjada, pois o Tesouro fizera repasses com subsídios implícitos ao BNDES para que o banco priorizasse empréstimos a empresas designadas como campeãs nacionais. Essas empresas e o volume de recursos baratos recebidos do banco estão no site do BNDES desde 2015 para qualquer um ver, o que não configura existência de caixa-preta alguma.
Além do mais, como todas essas empresas tinham acesso a outras fontes de recursos, o uso do crédito público para beneficiá-las trouxe distorções tão importantes quanto os desarranjos fiscais. Por fim, os excessos do BNDES pressionaram as taxas de juros para cima e entupiram os canais de transmissão da política monetária, prejudicando o trabalho do Banco Central. Todos esses argumentos foram previamente apresentados por mim e por outros economistas ao longo dos anos. Trata-se de terreno batido, mas a memória é curta. Sobretudo a do presidente da República, que insiste em procurar pelo em ovo em vez de resolver os imensos problemas do país.
De volta ao gráfico, a celeuma começou quando um economista resolveu criar caso com a existência de dois eixos. De fato, quando se apresentam duas séries em dois eixos distintos no mesmo gráfico, isso pode, às vezes, causar confusão. O artifício pode até ser usado para induzir quem vê o gráfico a enxergar correlações espúrias entre séries macroeconômicas. Evidentemente, não era o caso nesse gráfico específico — e o economista em questão, além de outros economistas que resolveram participar do “debate” induzidos pelo primeiro, sabiam disso. Ou deveriam saber. A forma como o economista tratou de se expressar sobre tema comezinho foi ríspida e condescendente.
Não é a primeira vez que acontece comigo, assim como não é a primeira vez que acontece com alguma mulher, seja na área de economia ou em outras áreas. O machismo é grande na profissão, como constatam estudos recentes, como os relatórios produzidos pela American Economic Association nos últimos anos. O tema tem sido tratado com seriedade aqui nos Estados Unidos e em outros países, pois a hostilidade muitas vezes afugenta as mulheres da profissão de economista, o que é uma lástima. Afinal, outros estudos mostram com clareza que a diversidade importa muito para o desenho de políticas públicas.
O exemplo mais clássico é a importância do acesso a creches de qualidade e financeiramente acessíveis para que as mulheres possam trabalhar — especialmente as que vêm de classes sociais mais desfavorecidas. A oferta de creches públicas de boa qualidade, além de permitir que mulheres ingressem no mercado de trabalho, tende a reduzir desigualdades ao fazê-lo. Esse tipo de preocupação costuma estar mais presente entre mulheres do que entre homens, ainda que muitos deles estudem o tema. Não me entendam mal: há muitos homens economistas que veem mulheres economistas como pares e que se debruçam sobre temas semelhantes. Mas há, sobretudo no Brasil, uma espécie de masculinidade tóxica que necessita sobressair a qualquer preço. Nem que o preço seja abafar um debate importante para tratar de picuinhas ou de assuntos de menor importância ou relevância.
Usei algo que aconteceu comigo para levantar o tema maior. Convido outras mulheres economistas ou de outras áreas a fazer o mesmo. Afinal, não há nada como uma conjunção adversativa para anular tudo que vem antes: “Respeito seu ponto, mas...”; “Admiro seu trabalho, mas...”; “Gosto do que você escreve, mas...”. E essas são as intervenções pretensamente gentis e educadas. Há as rudes e grosseiras, que muitas vezes nem sequer podem ser repetidas.
Para encerrar, não há caixa-preta no BNDES.
*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics
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