- Valor Econòmico
Para o antipetismo, as ações de Moro foram sensacionais
No depoimento de quase nove horas no Senado, o ministro da Justiça, Sergio Moro, usou a palavra "sensacionalismo" 45 vezes para se referir à série de reportagens do site "The Intercept" que revelam suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato. Foi a maneira de desqualificar as suspeições de parcialidade como então juiz federal responsável pela força-tarefa. Moro defendeu que tantos diálogos entre magistrado e acusação é algo absolutamente normal. Mas, enquanto titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba, Moro formou com Dallagnol um casal sensacional.
Com a ajuda do procurador, tornou-se herói nacional do combate à corrupção para uma parte da população politicamente mobilizada. Para outra parte da opinião pública, Moro foi juiz punitivista, inquisitório e parcial. Até o momento, as mensagens hackeadas de celular, individualmente, não causaram estrago capaz de derrubar a imagem do ministro. Mas, em conjunto, formam o quadro do ator político em busca de espaço. Tem minado.
Se Moro não quisesse causar sensação, não teria feito de uma condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início de março de 2016, um espetáculo midiático. Não teria retirado, menos de duas semanas depois, o sigilo do grampo telefônico entre Lula e Dilma, decisão inconstitucional segundo o então relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki - o vazamento do áudio acabou com as chances do governo petista de reagir às pressões pelo impeachment. Não teria divulgado a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, às vésperas do primeiro turno, no ano passado.
Para o antipetismo, as ações de Moro foram sensacionais. Se parciais, pouco importa. A Justiça serviu à política. Os fins justificaram os meios. O juiz abandonou a toga e aderiu ao presidente favorecido pela condenação que tirou da disputa o principal adversário eleitoral. Ao aceitar o convite para ocupar o ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro passou a servir a um grupo político - não a um qualquer, mas o que conduz o governo de perfil ideológico mais radical desde a redemocratização. A história do juiz que prendeu Lula e virou ministro de Bolsonaro não precisaria de hacker para ser contada. Moro deixa suas intenções transparentes.
A moldura geral está dada à pintura. Cada revelação eventual de novos diálogos do Telegram, se não for explosiva como um Pollock, tem o potencial de ser o pontilhismo de um Seurat que retrata a paisagem e o personagem. Talvez não chegue ao estardalhaço do esquemático PowerPoint de um Dallagnol, promotor de motivos para vincular Lula ao esquema de corrupção na Petrobras. Não se tem registro de que Moro viu ali sensacionalismo, embora tenha alertado ao colega: "A reação está ruim".
É certo que, pela legislação brasileira, o juiz que profere a sentença é o mesmo que dirige investigações - característica institucional que favorece a confusão de papéis. Mas um dos pontos que chamam a atenção nas conversas é que Moro e Dallagnol tratam de cálculos e estratégias políticas - e não jurídicas, o que já seria impróprio - para dar cabo a objetivos definidos.
Vem daí a importância do controle dos humores da opinião pública, de estancar a capacidade de sobrevivência do governo federal e de escolher líderes e grupos políticos aliados, como sugere o alerta de Moro sobre a possibilidade de se investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: "Melindra alguém cujo apoio é importante".
Juntando os pontos, fica difícil não observar que a atuação da Lava-Jato foi além da arena jurídica. Ultrapassar as fronteiras não significa que a força-tarefa não tenha acertado quando se ateve ao que deveria ser seus limites - pela primeira vez, prendeu representantes de uma elite política e econômica e reduziu a percepção de impunidade crônica no país.
Também não significa que tenha errado ao responder, estrategicamente, ao sistema político, por uma questão de preservação. Ninguém espera que um juiz ou promotor seja naïf. Mas lhe faltou comprovada a ação indiscriminada e de uma operação isenta em momentos críticos da disputa política nacional.
A Lava-Jato não favoreceu o apaziguamento das tensões políticas, em alta voltagem desde 2014. Tornou-se ela mesmo objeto de paixão. Buscou ancorar sua legitimidade no sentimento popular de aprovação. Enredou-se na conjuntura e nos destinos eleitorais como partido a dar e tirar cartas da manga. Levou à decapitação parte expressiva da classe política. Baniu líderes corruptos, ainda que experientes. Abriu uma estrada para a histeria e o radicalismo. A cruzada pela Justiça não fez o país reencontrar o seu centro. Pelo contrário.
O combate à corrupção teve como efeito colateral desarrumar a economia e a política, ambas mergulhadas num caldo de rápida transformação de comportamentos e de tecnologia. O avanço das redes sociais mostrou-se compatível com a regressão da civilidade. Os algoritmos que criam bolhas de opinião aproximaram os marginais do pensamento. Nenhuma posição é vergonhosa e incorreta, desde que seja curtida e compartilhada. O vale-tudo das ideias pouco ilustradas e reacionárias, das fake news e da promiscuidade de mensagens trocadas por aplicativos desenha o cenário de um país que terá um longo caminho para voltar ao seu eixo. A política precisa se reconfigurar, se reconciliar, se desintoxicar - o que parece longe do objetivo de um presidente sem noção da missão necessária.
Se Bolsonaro, um dogmático, diz querer seguir "a verdade", de forma fundamental, Moro, Dallagnol e Cia adotam a lógica da convicção. Na Marcha para Jesus, ontem, a base social evangélica - e igualmente doutrinária - foi adulada pelo presidente que pretende fazer esse amálgama em que há uma "nação de escolhidos" dentro do Brasil, para que ele mesmo seja o escolhido por ela. Disse que tentará a reeleição em 2022, "se o povo quiser".
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