A trajetória dos juros globais voltou a apontar para baixo. O Federal Reserve americano, em sua reunião de quarta-feira, deixou claro que as incertezas sobre o cenário para sua política monetária aumentaram, e houve deterioração das perspectivas econômicas do país. Na terça, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, disse que novo afrouxamento monetário está a caminho, seja de maneira direta, pela redução da taxa de juros, seja indiretamente, via reabertura do programa de compra de bônus, como foi feito para impedir o derretimento da economia da zona do euro a partir da crise da Grécia em 2012, que resultou em um aumento do balanço do banco para € 2,6 trilhões.
Jerome Powell, presidente do Fed, prefere manter ainda uma atitude cautelosa, indicando desconfiança em relação às projeções do mercado que apontam probabilidade crescente de uma recessão nos EUA nos próximos 12 meses. O Fed reconhece que os riscos cresceram e que, com exceção de um membro, James Bullard, decidiu manter os juros entre 2,25% e 2,5%. Powell acredita que o cenário básico sobre o qual o banco toma suas decisões continua bom, mas está sendo erodido, não se sabe até que ponto.
Naquele que é o ponto essencial, a inflação, medida pelos gastos pessoais de consumo, as projeções dos integrantes do comitê de política monetária registraram recuo, na mediana, de 1,8% para 1,5% em 2019. Essa redução foi feita tanto no limite superior quando inferior das estimativas, o que deixa muito claro que o Fed está mais longe de cumprir sua meta de 2% e que os juros serão cortados. Powell, porém, espera mais clareza a partir dos números futuros. "Não podemos reagir exageradamente", disse.
Ainda que haja cautela, o comunicado do Fed retirou a menção à "paciência" em relação ao comportamento prospectivo do banco, substituindo-a pelo compromisso de "agir" para sustentar a economia, quando isso for apropriado. Mas, na verdade, o Fed raramente voltou tanto atrás sobre seus passos como agora. É o que mostra um dos dados mais aguardados pelos investidores, o gráfico de pontos, no qual os participantes estimam qual deveria ser a taxa média ao longo deste e dos anos seguintes. Na trama dos pontos em março, nenhum deles apontou taxa inferior a 2,25%, hoje vigente.
O Fed se dividiu ao meio. Pelo menos 7 dos 17 integrantes colocaram o ponto médio dos juros em 1,75%, com pelo menos dois cortes ainda este ano. Oito mantiveram os juros aonde estão e um ainda acha que a taxa deveria subir pelo menos uma vez no atual exercício. O Fed não mexeu em sua política de redução do balanço que, na reunião anterior, determinou que seja encerrada em setembro. A antecipação desse fim sinalizaria uma atitude mais frouxa da política monetária.
O pano de fundo da guinada dos bancos centrais em direção ao relaxamento monetário é a desaceleração global - menos intensa nos EUA, um pouco mais na zona do euro, China e na Ásia em geral -, com o aumento das incertezas advindo da guerra comercial entre EUA e China que pode intensificá-la. Donald Trump acertou um encontro com o líder chinês Xi Jinping na reunião do G-20, em Osaka, em 28 de junho. Os investidores enxergaram sinais de fumaça de um acordo entre os dois países, mas nada está garantido e Trump está sempre disposto a causar mais confusões.
Mal esboçada uma trégua com os chineses, Trump criticou o BCE por apontar a necessidade de política monetária expansionista, porque isso desvaloriza o euro em relação ao dólar. O presidente colocou a Europa ao lado da China no rol dos países que não querem um jogo equilibrado no comércio mundial, em outra de suas sequenciais demonstrações de ignorância sobre o assunto. A ameaça, porém, é de ressuscitar a possibilidade de sanções aos países europeus, especialmente no comércio de automóveis, cujos procedimentos foram temporariamente suspensos.
O cenário externo voltou a se tornar benigno para o Brasil, com o fim da perspectiva de um aperto monetário global comandado pelo Fed. Uma desaceleração mundial mais acentuada diminui a possibilidade do setor externo impulsionar a letárgica economia brasileira, mas teria pouco efeito sobre os fluxos de investimentos em portfólio, que serão induzidos ao risco pela nova onda de afrouxamento monetário. Teria baixo efeito também sobre o real, a menos que a tentativa de reforma da previdência fracasse, o que parece pouco provável. Há, assim, mais um fator favorável à redução dos juros domésticos.
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