quinta-feira, 13 de junho de 2019

Ricardo Noblat: Moro. Mas pode chamá-lo de Dr. House

- Blog do Noblat / Veja

Desde que continue a prender ladrões...
Sabe qual o grau de interesse popular pelo caso das conversas trocadas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador Daltan Dellagnol quando os dois conduziam em parceria a Operação Lava Jato? Baixíssimo. Incipiente.

Sabe o percentual dos brasileiros que se consideram bem informados a respeito? Mínimo. Sabe quantos pontos Moro perdeu entre os que sempre o avaliaram positivamente? Nada muito além da margem de erro.

É o que deverá ficar demonstrado em pesquisas de opinião prestes a saírem do forno. E foi por isso que o presidente Jair Bolsonaro sentiu-se tão à vontade, ontem à noite, para assistir em Brasília ao jogo do Flamengo na companhia de Moro.

Bolsonaro comportou-se à sua maneira quando está de bom humor. Chegou chegando ao camarote principal do estádio: acenou para os torcedores, levantou os braços, vestiu uma camisa do Flamengo e gargalhou. Usava colete à prova de bala.

Moro, mais contido, apresentou-se de terno completo. Mas foi obrigado a despir o paletó para vestir uma camisa do time carioca que Bolsonaro lhe ofereceu. O presidente foi mais aplaudido do que ele. Mas Moro saiu no lucro.

Lembra-se da série de televisão americana chamada “House”, exibida entre 2004 e 2012 em 66 países, inclusive aqui? O ator britânico Hugh Laurie fez o papel de Gregory House, um médico brilhante, mas arrogante e viciado em analgésicos.

De caráter duvidoso, Dr. House tinha o dom de diagnosticar doenças raras e casos inesperados. E para salvar seus pacientes ou simplesmente provar que estava certo era capaz de atropelar todas as normas e procedimentos médicos.

Na Inglaterra, país acostumado a respeitar regras, fez-se uma pesquisa para saber por que Dr. House fazia tanto sucesso ali. Resposta: porque para salvar vidas e atingir seus objetivos, ele mandava as regras às favas.

Moro é o Dr. House. Desde que continue prendendo ladrão, está dispensado de justificar por que mandou os escrúpulos para o beleléu, e com eles o Código de Processo Penal e a Constituição. Bandido bom não é bandido morto? Não é assim que se diz?

Vida que segue.

Em tempo: o Flamengo derrotou o CSA, de Alagoas, por 2 a 0.

Se houve, foi um crime perfeito

Uma coisa é uma coisa. Outra é outra
Digamos que a Polícia Federal descobriu a ação de uma quadrilha de criminosos interessada em tentar desmoralizar a Operação Lava Jato e que por isso invadiu celulares e computadores usados por procuradores da República, juízes federais e o ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e da Segurança Pública. O que fazer?

Ora, identificados os membros da quadrilha e os mandantes da ação, simplesmente prendê-los para que sejam processados, julgados, e condenados. São criminosos. E a Justiça deve ser dura com eles, tratando-os com todo o rigor da lei. A Lava Jato foi a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção por aqui e alhures.

Mas uma coisa é uma coisa, outra é outra. As conversas reveladas até agora entre o então juiz Moro e o procurador Daltan Dallagnol, parceiros na condução da Lava Jato, indicam para além de qualquer margem de dúvida que eles desrespeitaram, sim, o que está escrito no Código de Processo Penal e na Constituição.

Procurador investiga e oferece denúncia. Juiz aceita ou não a denúncia, e quando aceita deve julgar com isenção. Moro foi tudo menos isento. Forneceu pistas para que Dallagnol investigasse, orientou muitas de suas ações, e até adiantou decisões que tomaria mais tarde. Não procedeu assim com a outra parte – a defesa.

Isso basta para que se conclua que ele privilegiou um lado em detrimento do outro, pelo menos no processo do tríplex do Guarujá que acabou com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. É por isso que ele está preso. Foi por isso que não pôde disputar as últimas eleições.

Caberia a tribunais superiores examinarem a conduta de Moro para decidir se a condenação deveria ou não ser anulada. Mas uma eventual anulação criaria o seguinte e grave problema: foi legítima uma eleição onde o candidato que liderou quase até o fim as pesquisas de intenção de voto acabou impedido de disputá-la?

Se Moro cometeu algum crime agindo como agiu, foi um crime perfeito. Por ele não será julgado. Mas por ele também jamais será esquecido.

Um comentário:

Anônimo disse...

CPP Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.