- Valor Econômico
Placar da prisão em segunda instância pode ter reviravolta
O "couro" resistente dos ministros do Supremo Tribunal Federal - na definição do presidente Dias Toffoli - será testado no segundo semestre a se confirmar a pauta de temas controversos: não oficial, mas ventilada nos bastidores. Sob pressão das ruas e ataques nas redes sociais, o tribunal poderá retomar o julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância, e eventualmente discutir a validade como prova judicial dos diálogos vazados entre o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o procurador da República Deltan Dallagnol na Lava-Jato.
Ontem Toffoli admitiu que a prisão antes do esgotamento dos recursos pode ser incluída na pauta em uma "janela" do calendário. A coluna apurou que se desenha uma reviravolta no julgamento, com um placar de 7 votos a 4 contra a execução precoce da pena. O resultado favoreceria tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto mais de 100 mil presos, ou 1/4 da população carcerária estimada em 600 mil detentos.
Uma fonte credenciada do STF afirma que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou o voto contrário à prisão em segunda instância, em observância ao princípio da presunção da inocência. Os outros votos já conhecidos nessa mesma linha são os do relator da matéria, Marco Aurélio Mello, do decano Celso de Mello, e dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Dias Toffoli.
Do outro lado, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia mantêm os posicionamentos favoráveis à prisão antes da exaustão dos recursos.
No ano passado, por 6 votos a 5, o plenário analisou o tema em habeas corpusreivindicado por Lula, e decidiu que a prisão do ex-presidente era constitucional. Rosa Weber ressalvou que tem entendimento contrário, mas no caso concreto, acompanharia a maioria do colegiado. Moraes endossou a prisão antecipada, mas estaria inclinado a rever o posicionamento. Toffoli invoca uma solução intermediária, viabilizando a prisão após a análise do processo pelo Superior Tribunal de Justiça.
A mudança na jurisprudência do tribunal se operou em fevereiro de 2016, num quadro de sucessivas fases da Lava-Jato nas ruas e da cobrança mais incisiva da opinião pública pela punição severa dos crimes de corrupção. Nesse cenário, por 6 votos a 5, o tribunal decidiu que um réu condenado em segunda instância deveria cumprir imediatamente a pena.
A se confirmar o placar de 7 votos a 4, a reviravolta será o resultado da ofensiva de bastidores de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defensores públicos e lideranças petistas. Em abril, antevendo uma derrota, a OAB pediu a retirada da matéria da pauta. No mês passado, requereu a reinclusão.
Toffoli esquivou-se da controvérsia sobre os diálogos vazados entre Moro e Dallagnol. Um integrante da Corte, em condição de anonimato, diz que o STF tem "responsabilidade" sobre as homologações das delações de investigados, que inevitavelmente invocarão os diálogos para questionar a legalidade de seus processos.
"O tribunal deveria ter sido mais ortodoxo" na homologação das delações, critica este ministro. Ele relembra a postura do então relator da Lava-Jato, Teori Zavascki, morto em 2017, visto como um notório crítico dos excessos da operação. Para uma ala da Corte, Teori teria dado outro rumo à investigação. "Ele buscava uma contenção de danos".
Há críticas internas ao açodamento com que a então presidente do STF, Cármen Lúcia, homologou as 77 delações de executivos e ex-executivos da construtora Odebrecht, na chamada "delação do fim do mundo". O processo aguardava a análise de Teori, quando o ministro foi vítima do acidente aéreo em 19 de janeiro. Sob intensa pressão da sociedade e da mídia, Cármen Lúcia homologou as colaborações premiadas apenas 11 dias após a morte de Teori, durante o plantão.
"A homologação das delações da Odebrecht foi um aprendizado para o tribunal", analisa este ministro. Dois anos após a chancela legal das delações, os advogados dos réus cobram do STF a devolução das provas. Em decisão controversa, a Corte autorizou o compartilhamento dos dados com órgãos investigativos de instâncias inferiores - como ministérios públicos estaduais - que não se comprometeram a obedecer aos termos dos acordos.
Na condução da Corte, o ministro Dias Toffoli tem buscado o "equilíbrio" na construção da pauta, selecionando as controvérsias a serem enfrentadas, nem sempre com o respaldo da maioria dos magistrados. Temas delicados como a prisão em segunda instância e a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal - temas que despertam paixões entre apoiadores do presidente Jair Bolsonaro - foram pautados, e na sequência excluídos da pauta. Isso em meio à retomada dos protestos, com ataques ao tribunal nas ruas e nas redes sociais por "inimigos" ocultos - muitos sob investigação no inquérito das "fake news".
Relator das ações que questionam a prisão em segunda instância, o ministro Marco Aurélio vê o colegiado na defensiva. "Quando conseguimos decidir em harmonia com o anseio popular, palmas. Quando não conseguimos, é execração?", criticou, em abril. A matéria seria analisada no dia 10 daquele mês.
Em defesa de Toffoli, um integrante da Corte pondera que o tribunal "deu respostas a Bolsonaro", como a conclusão do julgamento da criminalização da homofobia. A ação seria julgada no fim de maio, mas foi retirada da pauta na semana em que Toffoli se encontrou três vezes com o presidente, manifestamente contrário ao tema.
Cerca de duas semanas depois, entretanto, a discussão foi retomada. Por 8 votos a 3, os ministros permitiram a criminalização da homofobia na lei de racismo. Bolsonaro reclamou que o STF estava legislando.
Toffoli nega o cerco ao tribunal. Comparou os integrantes da Corte à equipe do Capitão Nascimento. "Quem está aqui, está todo dia numa 'Tropa de Elite', com todo mundo falando: pede pra sair, pede pra sair". Na continuação do filme, o "inimigo" da tropa é a mesma pauta polêmica sob ataque cerrado das ruas e das redes. Aguarda-se o enfrentamento ou o adiamento.
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