terça-feira, 2 de julho de 2019

Acordo com UE será primeiro teste para valer de abertura: Editorial / Valor Econômico

Nenhum acordo comercial foi até hoje tão importante para o Brasil quanto o que foi acertado na semana passada entre Mercosul e a União Europeia. Ele abre uma perspectiva de grande escala para as exportações brasileiras e para a ampliação da participação das empresas do país nas cadeias globais de produção. Os magros acordos feitos pelo Brasil cobrem países que somam só 8% do comércio mundial - com os europeus, chega-se ao triplo disso. Se aprovado, haverá impulso modernizador não só na retaguarda regulatória e de conformidade - normas sanitárias, barreiras tarifárias e não tarifárias, procedimentos alfandegários - do comércio bilateral, como também nos promissores campos da pesquisa, ciência, tecnologia e ambiente.

Vinte longos anos se passaram do início até a conclusão do acordo divulgado na quinta-feira. Idiossincrasias ideológicas e estratégias comerciais foram responsáveis pelo atraso. Os governos petistas tinham outra visão da inserção no comércio global. A UE sempre foi fortemente protecionista na agricultura e o Brasil procurou abrir essa couraça europeia em negociações na Organização Mundial do Comércio que pouco prosperaram. O Brasil não deveria ter abandonado a opção dos acordos bilaterais, mas os governos petistas estavam mais interessados no comércio Sul-Sul e desprezaram as possibilidades dos mercados desenvolvidos. O resultado é que o país não fez qualquer acordo relevante e continuou até hoje como um dos mais fechados do mundo.

Ao governo de Jair Bolsonaro coube arrematar o acordo ao seu jeito - criando problemas para si próprio. A primeira participação de Bolsonaro na reunião do G-20 foi péssima. O presidente disse que não chegara ali para ser advertido por ninguém, enquanto Alemanha estava, como os brasileiros, preocupada com o desmatamento e a França ameaçava não assinar nada se o Brasil não se comprometesse com o Acordo de Paris. O ministro do GSI, Alberto Heleno, mandou-os "procurar sua turma". Não foi necessário porque o governo brasileiro prometeu seguir suas metas no Acordo de Paris como, apesar das preferências de Bolsonaro, e agir para proteger o ambiente e as comunidades indígenas.

Para o acordo concorreram o trabalho do governo anterior, de Michel Temer, o incentivo da ala econômica liberal do governo Bolsonaro e as circunstâncias - o protecionismo de Trump e a ascensão de lideranças xenófobas em vários países. Politicamente, o acordo Mercosul-UE é um bom antídoto e uma vitória sobre as tendências protecionistas crescentes. Economicamente, para a UE, o acerto tem ganhos superiores ao feito com o Canadá, e, em valores - tarifas que deixará de pagar, de €4 bilhões -, maior que a parceria com o Japão.

Os detalhes finais do acordo permitirão avaliar se houve desequilíbrio nas concessões mútuas. Segundo a Comissão Europeia, a UE liberará ao fim de 10 anos 92% de suas importações do Mercosul, este, 92% das europeias em 15 anos - a maior parte em 10 anos. O Mercosul abrirá 91% das linhas tarifárias e a UE, 95%. Antes do acordo, só 24% das linhas tarifárias de exportaçãões do Mercosul eram isentas. Protecionista no setor agrícola, a UE liberou 82% das importações - suco de laranja, frutas, café etc- e o Brasil, 93%. Haverá acesso preferencial via cotas para carnes, açúcar, etanol etc, que se esvairão em uma década.

Para as vendas da indústria do Mercosul, as tarifas deixarão de existir em 10 anos. Nos cálculos do Ministério da Economia, o PIB crescerá US$ 87,5 bilhões, as exportações, US$ 100 bilhões e os investimentos, US$ 113 bilhões em 15 anos.

UE e Brasil vão utilizar as regras da OMC para o uso de medidas contra dumping e subsídios. Afora isso, por até 18 anos, concordaram em criar salvaguardas especiais no caso de "aumentos inesperados ou significativos" de produtos com acesso preferencial decorrentes do acordo. A preferência pode ser suspensa por 2 anos, prorrogável por mais dois. Há ruídos sobre o "princípio de precaução" mantido por insistência da UE, que permite suspensão de importações em caso de suspeita de danos à segurança de alimentos, plantas e animais mesmo diante de evidências científicas inconclusivas.

Se passar pela barreira revigorada eleitoralmente dos verdes em vários países europeus e no Parlamento, o acordo abre novos caminhos para a política comercial brasileira e rompe com histórica letargia. Cabe agora ao governo ser ágil na remoção dos obstáculos que impedem a indústria de ser competitiva, já que a concorrência será muito mais forte do que antes.

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