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Previsões sobre o passado
Quando o governo completou 5 meses, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete da Segurança Institucional da presidência da República, alertou em assustadora entrevista ao jornal Valor: “Subida do dólar, queda abrupta das ações das empresas brasileiras, desabastecimento. Vamos virar uma Venezuela! Vamos disputar arroz no tapa, vamos disputar feijão no tapa!”
À época, o Congresso hesitava em aprovar o crédito suplementar para que o governo pudesse fechar suas contas este ano. O crédito foi aprovado. Até o final de agosto próximo, o Congresso aprovará também a reforma da Previdência – não a proposta pelo governo no valor de 1,2 trilhões, mas uma estimada em 800 bilhões que permitirá ao governo atravessar os próximos três anos e meio.
Bem que o general Heleno, posto onde está por seus ex-colegas de farda para tutelar um capitão indisciplinado, poderia baixar o tom de suas intervenções daqui para frente e colaborar para que o governo buscasse certa paz de espírito sem a qual dificilmente será bem-sucedido. Mas não. De eventual dono da voz, Heleno passou à condição de a voz do dono. E está feliz com esse papel.
Há seis meses, havia três grupos dentro do governo: o dos militares; o dos técnicos; e o de viés ideológico, afinado com Bolsonaro, seus filhos e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. O primeiro grupo tinha como missão evitar que Bolsonaro se excedesse. O segundo, tocar a vida. O terceiro, cuidar da pauta de assuntos dos eleitores de raiz do capitão.
O grupo dos militares foi a grande baixa do período. Desintegrou-se. E não só porque Bolsonaro operou para que se desintegrasse, mas porque nunca soube ou nunca quis atuar como grupo. Não basta reunir pessoas com afinidades e chamá-las de grupo. E imaginar que agirão como tal. Os militares no governo nunca combinaram nada. Sequer conversam direito. Perdeu o bonde.
O fim do primeiro semestre de um governo acidental (ainda faltam mais sete) marcou o início da fase sem contraste de concentração do poder nas mãos do capitão defenestrado do Exército por insubordinação e comportamento antiético. Pelas características de temperamento e de conduta do personagem em tela, é perda de tempo especular sobre o que o futuro nos reserva.
O bom sinal é que o país conta agora com um Congresso disposto a exercer suas competências e a não se deixar seduzir por aventuras. E um Supremo Tribunal com maioria de ministros empenhada em fazer com que as leis sejam cumpridas. Resta-nos apertar o cinto e aguardar as turbulências que virão. Não haverá céu de brigadeiro nem mar de almirante com um governo de crises.
Zero Dois volta a cuspir fogo
Militares na mira
Recolhido ao silêncio por ordem do pai desde que atirou para “matar” o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, o vereador Carlos Bolsonaro, o gatilho mais rápido da nova família imperial do Brasil, sacou outra vez da arma. Em um único dia, disparou em mais dois alvos estrelados.
O primeiro foi o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Carlos responsabilizou-o indiretamente pelo caso do sargento que voou em avião da FAB carregando uma mala com 39 quilos de cocaína. (A propósito: faltou um quilo para completar a encomenda? Ou não coube na mala?)
“Por que acha que não ando com seguranças? Principalmente aqueles oferecidos pelo GSI?” – perguntou Carlos no Twitter, e ele mesmo respondeu: “Sua grande maioria podem (sic) ser até homens bem intencionados e acredito que seja, mas estão subordinados a algo que não acredito. Tenho gritado em vão há meses”.
O segundo alvo foi o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República. Desta vez, Carlos dispensou bala de grosso calibre e usou chumbinho. Só queria ferir. Ironizou no Twitter o filho do general nomeado gerente executivo de marketing do Banco do Brasil. O rapaz é funcionário do banco há mais de uma década.
“Nova promoção! Parabéns” – debochou Carlos. Ao responder um seguidor que lembrou que essa seria a segunda promoção do filho do general em menos de seis meses, Carlos tascou: “Esse é bom bagarai”. Bagarai quer dizer “pra caralho”. (Sim, o pênis parece ser uma fixação dos Bolsonaros que a ele se referem com intensidade.)
Os dois generais não passaram recibo dos tiros que levaram. Não há registro de governo anterior que tenha tratado tão mal os militares a seu serviço. Sempre os reverenciaram, por medo, respeito sincero, esperteza ou tudo junto.
Tempos bárbaros, aqueles!
Estranha homenagem
O que deu no Exército brasileiro para homenagear, como o fez ontem, um major alemão que, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), fez parte do Exército nazista e foi condecorado pelo ditador Adolf Hitler?
Certamente não foi porque ele era nazista. Muito menos porque combateu as tropas aliadas que acabaram por derrotar o nazismo. O Brasil perdeu 443 soldados na guerra, e cerca de três mil voltaram feridos.
Tampouco o major Eduard Ernest Thilo Otto Maximilian von Westernhagen seria homenageado só porque depois da guerra foi aceito como aluno da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército do Brasil, no Rio, onde morreu assassinado.
Se ele tivesse sido morto por um miliciano ou um bandido, o Exército faria questão de lembrá-lo? Ou só o lembrou por que o major foi assassinado por um grupo de esquerda chamado ‘Coluna’ que pegou em armas para lutar contra a ditadura de 64?
Do grupo (não da ação que resultou na morte do major) fez parte a ex-presidente Dilma. Maximilian von Westernhagen acabou morto por engano, confundido com o capitão boliviano Gary Prado. Os dois eram de fato muito parecidos.
Em 1967, Prado havia participado da captura na Bolívia do líder comunista Ernesto Che Guevara, executado horas depois de preso. O boliviano e o alemão frequentavam o mesmo curso na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército brasileiro.
A morte de Maximilian von Westernhagen foi um bárbaro crime, jamais reconhecido pelos que o cometeram. De sua parte, o Exército brasileiro jamais reconheceu que a ditadura militar de 64 matou ou fez desaparecerem mais de 400 dos seus opositores.
E nem todos os mortos e desaparecidos pegaram em armas. Em 1975, Vladimir Herzog, na época diretor de jornalismo da TV Cultura, foi morto em uma dependência do Exército, em São Paulo, depois de ter sido torturado durante horas.
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