- Folha de S. Paulo
As instituições que Bolsonaro ataca vêm se defendendo
Seis meses depois da posse de Jair Bolsonaro, algumas coisas ficaram claras: ninguém dentro do governo conseguiu moderar o presidente, mas as instituições que Bolsonaro ataca vêm se defendendo. Só o Congresso mantém o Brasil em funcionamento. O acordo com a União Europeia talvez estabeleça novos limites para o autoritarismo presidencial. Dois terços da projeção de crescimento econômico desapareceram desde que Bolsonaro tomou posse. Naquilo em que o presidente não depende de autorização do Congresso –a fiscalização ambiental, a gestão educacional–, a devastação é total.
No governo, é cada vez mais claro que não há espaço para moderação. Os generais conseguiram algumas vitórias em política internacional, mas Mourão teve que baixar o tom das críticas e Santos Cruz, que parecia ser um sujeito decente, foi demitido. Sergio Moro é visto como um rival por Bolsonaro, perdeu as batalhas por moderação e parece, ele sim, ter se convertido ao bolsonarismo depois da VazaJato. Paulo Guedes viu a condução das reformas passar inteiramente para o controle do Congresso e mal consegue impedir que Bolsonaro atrapalhe o trabalho de Rodrigo Maia.
Por outro lado, o Congresso assumiu a responsabilidade de evitar que o furdunço generalizado no Poder Executivo desorganize de vez o Brasil. Quando Bolsonaro tentou mexer na reforma da Previdência em favor dos policiais na última hora, ficou claro que a reforma é de Maia. A reforma tributária de Bernard Appy, promovida pelos parlamentares, é muito melhor do que a do governo. O senador Tasso Jereissati tem um projeto de saneamento básico que pode ter efeitos positivos em uma área importante (e acelerar investimentos).
Não tenham dúvida: se isso tudo der certo, o presidente vai dizer que foi ele, e vai continuar fazendo passeata todo domingo contra quem fez o trabalho.
Onde a fiscalização do Congresso é frágil, como na área ambiental, a devastação é total. Ricardo Salles é tão ministro quanto seu diploma é de Yale: sua função é garantir que o meio ambiente será devastado. O Ministério da Educação já teve dois ocupantes, ambos escolhidos por Olavo de Carvalho, um doente mental que não tem certeza se a terra é redonda.
As projeções econômicas só pioram e, não, a herança de Temer não teve só coisas ruins. Lembrem-se: quando o mercado fez as projeções no final de 2018, sabia de todos os problemas que já existiam. O ano de 2019 foi perdido. Vamos ver se a Previdência salva algo de 2020. Economistas de diferentes escolas já defendem alguma forma de estímulo econômico.
O ponto positivo pode ter sido o acordo do Mercosul (um negócio que os bolsonaristas odeiam) com a União Europeia (o negócio que os bolsonaristas mais odeiam). Falta conhecer detalhes importantes do tratado, mas a notícia parece boa. E se a falta de bons resultados em outras áreas obrigar os bolsonaristas a abraçar o acordo como sua única vitória, o Brasil pode ter uma chance.
E a cada dia o espaço para a discussão razoável é menor, e a guerra contra a imprensa livre continua, e a máquina de falsificação bolsonarista continua rodando nas redes sociais.
Só nos resta esperar que governar o Brasil também seja um moinho para pesadelos tão mesquinhos.
*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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