domingo, 21 de julho de 2019

Eliane Cantanhêde: Nonsense

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro se suplantou com uma série de erros e declarações chocantes

Por onde começar? A fome no Brasil é uma “grande mentira”, a tortura da Miriam Leitão também, o desmatamento idem. E temos “filtro cultural”, o “programa” do FGTS, a multa de 40%, os governadores “paraíba”, “vou beneficiar meu filho, sim”, a embaixada nos EUA como filé mignon e, além da fritura de hambúrguer, a entrega de pizza... Ufa! Sempre muito inspirado, o presidente Jair Bolsonaro se suplantou na semana passada. O Brasil amanheceu no sábado de ressaca.

Segundo o presidente da República, brasileiros passando fome é “uma grande mentira”: “Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas, com o físico esquelético como se vê em outros países”. Foi tão chocante quanto a defesa do trabalho infantil e, novamente, foi o próprio presidente quem tentou se corrigir mais tarde, admitindo, a contragosto, que “uma pequena parte” da população passa fome.
Ele, porém, não corrigiu os ataques à produção audiovisual no Brasil.

O governo vai parar de financiar “filmes pornográficos”, instituir “filtros” na cultura e enaltecer “heróis nacionais”. Ai, que medo! Bolsonaro vai assumir pessoalmente o controle da produção cultural, trocando o que considera “pornográfico” por seus próprios valores – talvez, quem sabe, por filmes evangélicos... E o que entende como “herói”? Brilhante Ustra, como Pinochet e Stroessner? Do outro lado, estão os “mentirosos”, como a brilhante jornalista Miriam Leitão, torturada aos 19 anos, grávida.

E a mania do presidente de desqualificar as pesquisas dos nossos melhores institutos e fundações? Depois do IBGE, da Fiocruz, do ICMBio, do Ibama, entre outros, é a vez do Inpe, pelos dados do desmatamento: “Parece até que está a serviço de alguma ONG”, acusou, e logo para jornalistas estrangeiros. Lá vem punição! As ONGs, aliás, são outro alvo permanente dos Bolsonaro.

Milhares, ou milhões, se frustraram com o “adiamento” da liberação de contas ativas do FGTS, mas a história é simples.

Bolsonaro achou a ideia bacana (é mesmo) e jogou no ar. Casa Civil, Economia, CEF, empreiteiros, todos levaram um susto. Dessa vez, foi Onyx Lorenzoni o destacado para consertar o erro do presidente e avisar, antes da solenidade dos 200 dias de governo, que não ia ter anúncio nenhum sobre o FGTS.

Liberar os saques é só uma ideia. Para uma ideia virar programa, é preciso fazer contas, traçar metas, porcentuais, cronograma e os detalhes operacionais, além de combinar com os “russos”: o setor de construção, que depende das linhas de financiamento da CEF para casa própria, inclusive o Minha Casa, Minha Vida. Segundo Onyx, o anúncio será na próxima quarta-feira. Será mesmo?

No embalo, o presidente também manteve o desequilíbrio: sempre protege o empregador, coitado, mas desdenha do trabalhador, esse ganancioso. Assim, criticou a multa de 40% do FGTS para as demissões sem justa causa. Em seguida, como quem se flagra falando demais, ressalvou que “a ideia ainda está em estudo”. Desse conserto, Onyx se livrou.

O que dizer das declarações sobre Eduardo Bolsonaro – que, além de fritar hambúrguer, também entregou pizza – para Washington? “Pretendo beneficiar meu filho, sim. Se eu puder dar um filé mignon para meu filho, eu dou.” Alguém precisa ensinar ao presidente uma diferença: qualquer um pode comprar filé para a família, mas um presidente não tem o direito de nomear o próprio filho, e só por ser seu filho, para a mais importante embaixada no mundo. Família é família, Estado é Estado. Elementar, meu caro Watson!

Quanto aos governadores “paraíba”, por favor: ideologia, ideologia; questões institucionais à parte. E mais: toda a solidariedade e admiração ao lindo Nordeste e ao querido, acolhedor e batalhador povo nordestino. Dúvida: o general Augusto Heleno acha mesmo tudo isso normal?

Um comentário:

Gira Mundo disse...

🧐😨😱😱🇧🇷. " Como o senhor vê as relações entre o Bolsonarismo e o Lavajatismo antes e depois dos vazamentos dos diálogos entre o Ex-juiz Sergio Moro e Procuradores?


Sempre houve alguma intercessão entre lavajatismo e bolsonarismo, e essa confusão certamente Ajudou Bolsonaro, um Deputado Medíocre do Baixo Clero, Sem Qualquer Histórico de Combate à Corrupção, a Se Eleger. Mas sempre houve diferenças importantes. O Lavajatismo tem Origens em Aspirações Inteiramente Legítimas de Combate à Corrupção, e o Apoio Popular à Operação Reflete os Resultados Obtidos no desvendamento dos escândalos. Sempre houve algo de messiânico e alguns abusos eram conhecidos, mas Isso Não Quer dizer que os Lavajatistas Apoiassem Ustra, ou a Ditadura Militar, ou a Tortura. O Partido Mais Claramente Identificado com a Lava Jato Era a Rede Sustentabilidade, que Não tinha Nada de Extremista, Muito pelo Contrário.


Moro Sempre Foi Maior que Bolsonaro Diante da Opinião Pública, o que Claramente Incomoda o Presidente da República. Depois da Vaza Jato, Moro É que Passou a Precisar do Apoio de Bolsonaro. Bolsonaro Apoia Moro, Mas faz questão de que Esse Apoio Se Dê em Termos Bolsonaristas: Com Ofensas à sexualidade de ( Glenn ) Greenwald, fake news etc. A Ideia é Queimar Moro Com Os Moderados e Trancá-lo no Campo Bolsonarista, Levando a Lava Jato junto.


2. Como o senhor define o bolsonarismo ? “Populismo” dá conta desse fenômeno político e cultural?


A Impressão é que talvez Bolsonaro seja um Autoritário old school Demais para ser um Populista Eficiente. Não me parece claro que o público tenha noção de quanto Jair Bolsonaro é Radical: ele é muito mais parecido com o Fascista Francês Jean-Marie Le Pen do que com sua filha, a Populista de Direita Marine.


3. O Senhor já se referiu ao governo Bolsonaro como um “Regime de Mobilização Permanente”. Por quê?


Bolsonaro Continua Buscando a Mobilização de sua base Contra as Instituições. É importante diferenciar o tipo de mobilização do bolsonarismo do ativismo social saudável. Uma Sociedade Civil Forte Impõe Limites ao Poder. A mobilização em favor do Poder Executivo Contra o Legislativo e o Judiciário Tenta Retirar Esses Limites.


4. Quais os Antecedentes Históricos Brasileiros do Bolsonarismo?


Bolsonaro Pertence à Linhagem dos Militares que Não Aceitaram a Abertura Democrática Iniciada por Geisel. Por Isso o Culto a Brilhante Ustra: O Bolsonarismo é Uma Ideologia do Porão da Ditadura, Não é do General, não é do presidente militar. É a Visão de Mundo do Sujeito que Torturava Comunistas e Depois Entrou para o Esquadrão da Morte, para Garimpo Ilegal, para Jogo do Bicho. Daí, Também, o Elogio às Milícias. É Sempre Bom Lembrar que Bolsonaro Tentou Colocar Bomba no Quartel por Aumento Salarial já Nos Anos 80, e que Geisel Teve Tempo de Referir-se a Ele Como “Mau Militar”. Acho Que a Maior Parte do Público Brasileiro Não Tem Coragem de Admitir Quão Radical É O Presidente que Elegemos.

5. Como o Senhor Analisa a Tensão entre a Base mais Orgânica do Bolsonarismo e a Estrutura Partidária do PSL?


Acho que é a Luta entre quem quer fazer um partido de direita Populista “normal” — que vence eleições, disputa cargos etc. — e quem quer construir um Movimento Autoritário. Boa parte dos deputados do PSL quer seguir uma carreira política normal, Mas a Ala Olavista Comandada por Eduardo Bolsonaro Quer um Movimento Contra as Instituições, Contra a Democracia..."! Vigilância