É preciso possibilitar o surgimento e a implantação de soluções locais
Diante do enorme problema fiscal dos Estados e municípios, seria muito conveniente para as contas públicas estaduais e municipais que a reforma da Previdência atualmente em tramitação no Congresso Nacional incluísse os sistemas previdenciários dos entes federados. Essa conveniência financeira não deve, no entanto, ofuscar o fato de que o Brasil é uma Federação. A responsabilidade de estruturar sistemas previdenciários equilibrados nos Estados e municípios não é da União.
Essa situação contraditória – não é tarefa do Congresso Nacional realizar a reforma previdenciária dos Estados e municípios, mas é muito conveniente que o faça, diante das dificuldades políticas e financeiras dos entes federados para equilibrar suas contas – é mais um elemento que confirma a disfuncionalidade da Federação aqui instalada.
Os entes federados dispõem em tese de autonomia para resolver as questões locais, mas na realidade não dispõem dos meios para se autogovernar de forma livre e responsável. Em vez de enfrentar os seus problemas, recorrem à União, o que conduz à centralização e à uniformização de medidas, contrárias ao que deveria ocorrer numa federação. Além disso, tal movimento centralizador torna crônica a hipossuficiência financeira, política e administrativa dos entes federados.
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”, estabelece a Constituição de 1988. Esse dispositivo descortina uma realidade muitas vezes esquecida – a União só existe porque existe a Federação. É a união dos Estados e municípios que dá forma à República Federativa do Brasil. A rigor, o poder concedido à União deve ser sempre exercido – essa é a sua finalidade primária – com vistas a aprimorar a Federação, isto é, a assegurar tanto a união indissolúvel dos Estados e municípios como a revigorar a autonomia de cada ente federado.
A Constituição de 1988 estabelece, por exemplo, que “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição”. A Carta Magna define os princípios. A organização concreta de cada Estado e município deve ser fixada pelo ordenamento jurídico específico de cada ente. Vincando a ideia de que os Estados têm vida autônoma, a Constituição dispôs que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Ou seja, a regra é a autonomia.
Ao mesmo tempo que escreveu o sistema federativo em linhas fortes, a Constituição de 1988 definiu regras que fragilizam os Estados e municípios, concentrando recursos e competências na União. Por exemplo, boa parte dos recursos tributários dos Estados e municípios é distribuída pela União, que centraliza a arrecadação.
O federalismo brasileiro, com suas fragilidades e desafios, foi sempre uma preocupação de Marco Maciel, parlamentar por vários mandatos e vice-presidente durante os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. Ao longo de muitos anos, ele promoveu um profícuo debate sobre a Federação. Marco Maciel frisava que o sistema federativo é, em contraste com a forma unitária de Estado, uma alternativa para distribuir espacialmente o poder. Um dos desafios desse modelo de divisão espacial dos poderes é precisamente a distribuição de competências e responsabilidades simétricas em um país profundamente assimétrico. São muito acentuadas as diferenças regionais e estaduais e um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “reduzir as desigualdades sociais e regionais”, como fixa a Constituição.
O sistema federativo tem muitas potencialidades, por exemplo, no respeito à diversidade, na maior proximidade do cidadão com o poder – toda centralização acarreta distanciamento – e no incentivo à autonomia de cada realidade local. A Federação tem, assim, traços profundamente democráticos. No entanto, para que ela produza seus melhores frutos, não basta estar no papel. Diante das crises e dificuldades, mais do que simplesmente recorrer à União – o que pode fazer sentido em algum caso –, é preciso possibilitar o surgimento e a implantação de soluções locais, num exercício maduro e responsável do poder político próprio de cada ente federado. É prioritário voltar a discutir a Federação.
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