- Folha de S. Paulo
Exercício intelectual pode testar se nossos impulsos nacionalistas estão devidamente calibrados
Que Groenlândia que nada, vamos vender é a Amazônia mesmo. Sei que essa proposta tende a ser recebida com um pé atrás e que, por uma série de razões práticas, políticas e constitucionais, não há a menor chance de ela se tornar realidade. Ainda assim, penso que vale a pena explorá-la como exercício intelectual.
Já que estamos lidando com um experimento mental, somos livres para estipular condições. O ponto de partida é que seria um negócio em que todas as partes sairiam ganhando. A população local obteria cidadania de país rico e experimentaria um longo ciclo de desenvolvimento. O resto dos brasileiros receberíamos uma bolada pela cessão da "soberania", que usaríamos com sabedoria, rasgando as amarras que ainda nos prendem ao grupo das nações de renda média.
Mais importante, o planeta seria enormemente favorecido com a preservação total da floresta, que exerce importante papel na regulação do regime de chuvas e do clima. Também ganhariam espécies biológicas que ainda nem identificamos mas já estão sendo dizimadas com a derrubada de partes da floresta.
Se é tão bom assim, por que tantos brasileiros sentem um arrepio só de pensar na ideia de que a Amazônia possa deixar de ser nossa? A resposta é: nacionalismo. Não ignoro que o nacionalismo possa, como outras ficções compartilhadas, ter um papel construtivo na sociedade, unindo as pessoas em torno de objetivos comuns. Mas ele também pode ser bastante destrutivo, levando a chauvinismos e mesmo a guerras sem propósito.
Como a linha entre o uso saudável e o patológico é tênue, precisamos nos manter vigilantes, sempre nos perguntando se nossos impulsos nacionalistas estão devidamente calibrados . Se você, leitor, rejeita visceralmente uma hipotética venda que, por definição, seria benéfica para todos, então há uma boa chance de que você seja portador da variante patológica do nacionalismo.
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