- Valor Econômico
Tratamento a ministro francês terá consequências
O presidente Jair Bolsonaro exerce há cerca de oito meses a função mais poderosa da República, mas até hoje interlocutores fundamentais de qualquer governo ainda têm dificuldades de compreender como funciona o seu processo decisório. A incógnita existe entre parlamentares, diplomatas estrangeiros e investidores, fato que por si só deveria provocar uma reflexão, dentro do governo, sobre como esse fator é capaz de influenciar o ambiente de negócios e as relações externas do Brasil.
Bolsonaro está na vida pública há décadas, mas de sua atuação parlamentar é muito mais possível extrair a fórmula que adotou para barrar propostas e atacar adversários do que um modelo de como pretendia governar o país.
Seu método de tomada de decisão é de conhecimento restrito. Se é que existe de fato um método para a identificação de problemas, fixação de objetivos, reunião de informações úteis, listagem de alternativas, análise dessas opções com seus respectivos custos e benefícios, escolha da alternativa que maximiza a chance de sucesso, a implementação da decisão e, por fim, o monitoramento e a adoção de procedimentos de avaliação de resultados.
A preocupação com o estilo presidencial não é novidade e se renova a cada eleição. Esses mesmos interlocutores tiveram o trabalho de se debruçar sobre o comportamento dos antecessores de Bolsonaro. Afinal, a postura e a forma de atuação do presidente são fatores diretamente relacionados às complexidades a serem encaradas em Brasília por empresários e representantes de governos estrangeiros.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, deixava seus auxiliares divergirem. As propostas eram colocadas à prova da opinião pública para que, então, Lula entrasse em cena para defender a ideia menos atacada ou que promovesse a mediação dos vários interesses.
Dilma Rousseff tirava da própria cabeça soluções muitas vezes questionáveis sobre todo e qualquer detalhe de cada uma das políticas públicas. As ideias de ministros e servidores eram submetidas a longas sessões de inquirição, até que uma nova reunião fosse agendada. Já Michel Temer sempre buscou dividir responsabilidades com o Parlamento.
Com razão, Bolsonaro não gosta de ser comparado aos antecessores. Mesmo assim, até 31 de dezembro de 2022 não conseguirá evitar que seus hábitos passem pelo minucioso exame de quem quiser - ou precisar - entender a dinâmica do governo.
Durante a transição, aliados de Bolsonaro já destacavam um traço da sua personalidade como gestor. O então presidente eleito ouvia com atenção os seus colaboradores e não se recusava a mudar de ideia. O que os críticos classificavam de recuo deveria ser visto como prova de que sua fama de intransigente não correspondia à verdade, diziam assessores. Hoje, quem acompanha reuniões estratégicas do governo assegura que o processo de maturação dos posicionamentos presidenciais é cauteloso. Bolsonaro só se posiciona em público sobre determinado tema depois de esquadrinhar pelo menos 70% das questões ligadas a esse assunto, afirmam.
Diplomatas estrangeiros e agentes econômicos não têm essa percepção. Para eles, cada palavra não cumprida mina a imagem do país. Neste caso, um país que tem como objetivo recuperar o grau de investimento e sua credibilidade na arena internacional.
Até hoje as autoridades brasileiras tentam explicar a importadores árabes onde será a representação diplomática do país em Israel, episódio cujo desfecho será determinante para o agronegócio. O governo também divulgou informações trocadas sobre como lidará com o acordo do clima ou a qualidade da relação que quer manter com a China.
O episódio mais simbólico foi a decisão do presidente de rejeitar um iminente encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drian. Os franceses ainda tentavam entender o que justificara o cancelamento de um evento planejado com tanta antecedência, quando Bolsonaro apareceu numa transmissão ao vivo nas redes sociais enquanto cortava o cabelo. O gesto por si só já iria prejudicar a ratificação em Paris do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, mas o mal-estar aumentou ao ser divulgada a notícia de que Bolsonaro recebeu logo depois um representante do governo americano para tratar de comércio. Será difícil ouvir um elogio francês ao Brasil nos próximos anos. Outros governos europeus agirão da mesma forma.
Essa imprevisibilidade também se dá localmente. Um decreto ou uma sanção presidencial já não representam mais a visão conclusiva do chefe do Executivo, indicações para cargos em autarquias federais são retiradas do Congresso sem cerimônia. Não foram poucas as dúvidas sobre o que o governo queria de fato em relação à reforma da Previdência, assim como ocorre agora com a reforma tributária. O presidente grita para dentro dizendo que quem manda é ele, mas terceiriza responsabilidades quando convém.
No governo, sustenta-se que os investidores estão animados com o Brasil. Aliados do presidente monitoram as oscilações dos índices de confiança do empresariado, destacam os ágios obtidos em leilões de infraestrutura e acompanham a medição do risco-país, além das vagas abertas no mercado de trabalho e anúncios de novos negócios feitos por multinacionais. Mas é sempre prudente acompanhar o fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil, sobretudo em momentos de grandes incertezas externas.
Um monitoramento da Câmara de Comércio Exterior (Camex) sugere os riscos e oportunidades que se apresentam. No segundo trimestre, o levantamento identificou 36 projetos de IED no Brasil. Desse total, 28 são investimentos confirmados com valor de aproximadamente US$ 15 bilhões. Quando considerados os investimentos anunciados no período, o valor cresce para US$ 17,9 bilhões.
Entre os investimentos confirmados, a China e os EUA apresentaram US$ 213 milhões e US$ 131 milhões, respectivamente. A Itália respondeu por US$ 4,2 bilhões e o Japão por US$ 2 bilhões. Por ironia, justamente a França foi o destaque positivo, com US$ 8,6 bilhões. O processo decisório de qualquer governo precisa ser desenhado com cautela e medir as potenciais consequências dos atos presidenciais para o país.
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