- Valor Econômico
Novo secretário da Receita é da cota de Alcolumbre
Após o chute na canela que levou da Polícia Federal, o líder Fernando Bezerra Coelho, ponta-de-lança do governo no Senado, continuará em campo, mas com rendimento comprometido. O governo tem três chutes a gol e a bola não pode bater na trave: a reforma da Previdência, as aprovações de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República e de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em Washington.
É nesse minuto do jogo que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que já estava em campo, veste a camisa 10 do time Bolsonaro e tem o passe valorizado. Depois de acalmar os senadores mediando junto ao Planalto as substituições das indicações dos conselheiros do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) - nomes que a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) endossará hoje - Alcolumbre emplacou na semana passada, em sua cota pessoal, o novo secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.
Foi um gol de placa, de artilheiro, para quem se recorda, com nostalgia, dos bucólicos tempos em que jogava como zagueiro do Matapi, um time de peladeiros de Macapá.
Na quinta-feira, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão no gabinete de Fernando Bezerra no Senado, e no gabinete de seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho, na Câmara, e também na casa deles.
Ambos são acusados de receberem milhões de reais em propina supostamente desviada das obras de transposição das águas do Rio São Francisco. O presidente Jair Bolsonaro ficou contrariado, mas decidiu não mandar o atacante para o chuveiro.
Um dia depois, na sexta-feira, o governo anunciou o nome do auditor aposentado da Receita para o lugar de Marcos Cintra. O cargo estava vago havia nove dias. “Barroso” - como o novo secretário é conhecido no meio político - foi apresentado como um “quadro técnico”, com expressiva atuação no Pará. Mas passou quase despercebido que ele é conterrâneo do presidente do Senado.
Barroso é representante de uma família tradicional do Amapá, que tem laços com a família de Alcolumbre. O avô do novo secretário, José Barroso Tostes (1887-1963), foi um fluminense de espírito desbravador. Depois de morar no Acre e no Pará, e atuar como advogado, agente de serviço de navegação e funcionário da Panair, emigrou para o Amapá nos anos 40, onde se firmou como professor de português.
O nome do avô do novo secretário da Receita consta do livro “Personagens Ilustres do Amapá”. O escritório político de Davi Alcolumbre em Macapá funciona na Rua Professor Tostes, 2822. A escola pública estadual de Santana, segundo município mais importante do Estado, chama-se “Professor José Tostes”.
Além da relevância política, o cargo de secretário da Receita é especialmente estratégico para o Amapá por causa das áreas de livre comércio nas duas principais cidades do Estado, Macapá e Santana. Regida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), a área é considerada polo atrativo de investimentos e geração de empregos em uma região majoritariamente dependente de recursos federais. Uma portaria da Receita tem força para alterar a qualquer momento as regras de comércio local.
Na política, Alcolumbre vem se sobressaindo como hábil conciliador, empenhado em imprimir independência à instituição. Mas num momento de tudo ou nada para o governo, com o futuro de um dos filhos do presidente em jogo no Senado, Davi passou a jogar no time do Planalto nos bastidores, como um armador das jogadas.
Alçado ao cargo em uma vitória surpreendente em fevereiro, que contou com o apoio do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, Alcolumbre tentou transmitir a autonomia da Casa. Em junho, comandou a derrota retumbante de Bolsonaro na Casa, quando os senadores rejeitaram por 47 votos a 28, os decretos que flexibilizavam o porte e a posse de armas no Brasil.
A missão mais espinhosa agora é angariar adesões à nomeação de Eduardo para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Em uma operação que os adversários do governo chamam de “pacote Eduardo”, Alcolumbre e o presidente da Comissão de Relações Exteriores (CRE), Nelsinho Trad, passaram a mapear insatisfações no Senado e encaminhá-las ao Planalto.
Em agosto, os senadores externaram a Alcolumbre a contrariedade com as duas nomeações para o Cade encaminhadas à Comissão de Assuntos Econômicos pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sergio Moro. O governo foi advertido de que os senadores sentiam-se desprestigiados por não serem ouvidos sobre indicações relevantes para órgãos públicos. Ato contínuo, o presidente Jair Bolsonaro enviou mensagem substituindo as indicações de Guedes e Moro pelos nomes de Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann, Luiz Henrique Bertolino Braido e Sérgio Costa Ravagnani, que devem ser confirmados hoje pela CAE.
O Cade é um órgão sensível, onde tramitam, por exemplo, processos de investigação de cartel contra empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato. É um feudo político, com indicações do MDB e do PP, entre outros. A indicação do presidente do órgão, Alexandre Barreto, é atribuída ao senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Espírito renovado
O ministro Paulo Guedes disse ontem à rádio Jovem Pan que a troca do chefe da Receita Federal traz uma “renovação de espírito” ao órgão. “Não queremos uma receita abusiva, que se exceda envolvida em tumultos políticos”. Sob Marcos Cintra, até o presidente Bolsonaro reclamou de “perseguição política” contra um de seus irmãos, conforme informou o Valor.
Contudo, José Barroso Tostes Neto tem no currículo atuações destemidas contra caciques políticos. Em 2002, comandou operação da Receita contra a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, em meio a investigações na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). O alvo era um empreendimento irregular no Maranhão, chamado Usimar: previa a instalação de uma fábrica de autopeças em São Luís e foi aprovada em dezembro de 1999 em reunião do conselho deliberativo da Sudam, então presidido por Roseana.
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