- Folha de S. Paulo
Antagonismo não deveria nos impedir de ver as semelhanças entre regime de Maduro e bolsonarismo radical
Em seu pronunciamento à Assembleia-Geral da ONU, Bolsonaro deve criticar duramente o regime de Nicolás Maduro. O antagonismo, porém, não deveria nos impedir de ver que o plano dos bolsonaristas mais radicais, sob influência de Olavo de Carvalho, é uma espécie de bolivarianismo de direita.
Olavo tem grande ascendência sobre a família Bolsonaro, sobretudo sobre os filhos do presidente, e influi no planejamento do Planalto por meio de Filipe Martins, assessor da Presidência e discípulo dileto do Rasputin de Campinas.
O diagnóstico dos olavistas no governo é que ocupar a Presidência da República não confere poder suficiente para efetivar as mudanças necessárias, dada a carregada inércia de instituições como o Parlamento e o Judiciário e dado o fato de que instituições formadoras de valores, como universidades, museus e a imprensa, estão atravessadas por ideologia esquerdista.
Por esse motivo, vemos no governo um movimento duplo: de um lado, a tentativa de controlar ou submeter as instituições; de outro, o engajamento do governo federal nas guerras culturais.
Olavo não esconde sua predileção por uma "democracia plebiscitária", de incitação contínua da cidadania, consultas diretas ao povo mobilizado e uso regular de pronunciamentos em cadeia nacional de rádio e TV.
Outros acreditam que a melhor estratégia seria submeter as instituições, ampliando, por exemplo, a composição do STF ou antecipando as aposentadorias dos ministros.
Além disso, seria necessário combater e desfazer anos de enraizamento do "marxismo cultural", travando nas instituições formadoras de valores uma "guerra cultural".
Isso se daria de duas maneiras. Por um lado, ocupando posições chave com quadros ideologicamente alinhados, como se vê na indicação de reitores nas universidades. Quando isso não for possível, a estratégia parece ser asfixiar o orçamento das instituições, como se quer fazer no cinema e como já se faz com as universidades, com os jornais e com as ONGs ambientalistas.
Nada, no entanto, é mais preocupante do que o esforço de Olavo de Carvalho de doutrinar as forças policiais. Desde julho, discípulos de Olavo estão contatando policiais em todo o país para oferecer a eles acesso grátis ao curso online de filosofia do pensador que ainda não formou juízo sobre o formato do planeta.
Instituições completamente submetidas ao Poder Executivo, instituições formadoras de valores controladas ideologicamente e milícias armadas prontas para defender o regime. O plano dos bolsonaristas radicais não poderia ser mais parecido com a Venezuela de Maduro.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia
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