- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:
O clima como questão política – Editorial | O Estado de S. Paulo
Milhões de jovens saíram às ruas em 130 países, na semana passada, para exigir que os governos adotem medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e enfrentar as causas onde isso ainda for possível. Essa manifestação global mostrou que a questão climática é uma das poucas capazes de mobilizar hoje uma juventude crescentemente alheia à política e fechada em suas redes sociais. Assim, a nenhum governante é permitido ignorar esse fenômeno, que consolida o tema ambiental como o principal tópico político no planeta.
As mudanças climáticas afetam todos os quadrantes da vida em sociedade, e por isso devem ser encaradas como um problema de todos, e não somente deste ou daquele país. Preservando-se a soberania de cada nação, é preciso enfatizar que a devastação de florestas em um país certamente traz consequências para outros. Do mesmo modo, um governo pode ordenar a redução de emissão de gases, mas os resultados serão inócuos se essa iniciativa não for seguida por outros países. Ou seja, o enfrentamento das mudanças climáticas só terá bons resultados se o esforço for coletivo.
Isso significa aceitar como inevitável a negociação política em organismos internacionais, fóruns adequados para que se alcance consenso mínimo acerca dos problemas de caráter global, como é o caso das mudanças climáticas. É um evidente retrocesso quando um país como o Brasil, que sempre foi protagonista nas discussões sobre meio ambiente, esteja ausente de uma cúpula das Nações Unidas sobre o clima porque seu governo não demonstrou interesse, segundo informou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
É perfeitamente possível negociar acordos para a adoção de medidas contra as mudanças climáticas sem colocar em risco a soberania nacional. O que não é mais possível é negar-se a enfrentar a realidade, refugiando-se em um discurso que, a título de defender a pátria, menospreza a ciência e as evidências. É somente por meio do debate adulto nos fóruns internacionais que o Brasil será capaz de expor suas demandas, ao mesmo tempo que poderá questionar que interesses estão por trás das pressões que os europeus têm feito em relação à Amazônia – e todos sabem que os agricultores da Europa ficariam satisfeitos se seus competidores brasileiros fossem confundidos com desmatadores e sofressem as consequências disso no comércio internacional.
Para que esse diálogo seja construtivo, a condição indispensável é admitir que o problema das mudanças climáticas existe. Negá-lo pública e reiteradamente, denunciando essa agenda como parte de uma conspiração “globalista” da esquerda internacional, interdita qualquer entendimento sobre o problema. Pior, ao ignorar que eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais comuns, essa atitude coloca em risco o equilíbrio econômico de setores essenciais, como a agricultura.
Os protestos dos jovens são um sinal de que esse tipo de mistificação não tem mais lugar no debate sobre as mudanças climáticas. Em vez de discutir sobre o formato da Terra, se plano ou esférico, é preciso repensar processos industriais, hábitos de consumo e matrizes energéticas para reduzir os danos causados pelas mudanças climáticas.
Nada disso é fácil, pois inúmeros interesses estão em jogo. Felizmente, há dirigentes que parecem empenhados em superar os obstáculos políticos para que se conciliem as necessidades ambientais e as demandas econômicas. Governadores de Estados da região amazônica, por exemplo, sinalizaram a possibilidade de aderir a uma aliança idealizada pela França para proteger as florestas locais, mesmo depois de o governo brasileiro ter rejeitado a iniciativa. Isso não significa render-se à intromissão estrangeira em assuntos brasileiros, e sim aceitar que a preservação ambiental deixou há muito tempo de ser um problema de âmbito exclusivamente nacional, firmando-se de vez como tema político global.
Como disse ao Estado uma jovem indígena brasileira que participava de um protesto em Nova York, liderado pela adolescente sueca Greta Thunberg, “não existe diferença entre uma jovem indígena como eu e uma jovem sueca como Greta”, pois “nosso futuro está conectado pelas mesmas ameaças da crise climática”.
A morte de Ágatha – Editorial | Folha de S. Paulo
Impossível não associar tragédia ao estímulo de autoridades à violência policial
A morte da menina Ágatha Félix, 8, atingida nas costas por um disparo na noite de sexta-feira (20), no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ainda está por ser esclarecida. Testemunhas relatam que os tiros partiram de um policial militar e rechaçam a versão da corporação segundo a qual seus profissionais reagiam a um ataque.
Inegável é que há décadas inocentes sofrem com ações imprudentes e exorbitantes das forças de segurança, em especial em bairros pobres onde atuam quadrilhas do varejo do tráfico de drogas.
Não são apenas as tais “balas perdidas”, originárias de confrontos reais ou alegados, que matam —basta citar o episódio de abril no qual 12 militares, também na capital fluminense, dispararam mais de 200 tiros contra o carro da família do músico Evaldo Rosa dos Santos.
A letalidade policial aumentou em 2018 e continua a crescer. No Rio, houve 1.249 mortes por intervenção de agentes do estado de janeiro a agosto deste ano, ante 1.075 em igual período do ano passado.
Impossível não relacionar esse quadro ao incentivo de autoridades —como o presidente da República e os governadores do Rio e, um grau abaixo, de São Paulo¬¬— ao confronto armado como política de segurança pública.
Tal sinalização serve também de estímulo ao uso da força bruta em outros segmentos da sociedade, como se viu no recente caso de tortura imposta por seguranças de um mercado de São Paulo a um jovem que havia roubado chocolates.
A comoção causada pela morte de Ágatha revela a fadiga de moradores de comunidades e de parte relevante da opinião pública com os abusos cometidos hodiernamente em nome da lei e da ordem.
Como disse o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “uma política de segurança pública eficiente deve se pautar pelo respeito à dignidade e à vida humana”. São preceitos que parecem alheios ao universo moral do governador Wilson Witzel (PSC).
Em tardia declaração sobre a morte de Ágatha, ele considerou nesta segunda-feira (23) que seria indecente usar um caixão como palanque —logo ele que se ofereceu em saltitante euforia aos holofotes da mídia por ocasião da morte do sequestrador de um ônibus.
A exemplo de outros representantes da direita iliberal e incivilizada, Witzel aposta no proibicionismo radical e na ideia fantasiosa de que seria possível impor uma vitória militar às quadrilhas de traficantes, quando se sabe que o tema é muito mais complexo.
Ao menos um efeito positivo o trágico episódio parece prestes a gerar —a derrubada de dispositivo do pacote anticrime que eleva sobremaneira a condescendência da Justiça diante de excessos policiais. Resta agora que os responsáveis sejam identificados e punidos.
Caso Ágatha é um alerta para polícias do país – Editorial | O Globo
Necessário combate ao crime não pode justificar ações que expõem pessoas inocentes
A morte de Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, atingida por uma bala perdida dentro de uma Kombi, ao lado da mãe, no Complexo do Alemão, sexta-feira à noite, é uma tragédia completa. Não só pela perda, mas também porque expõe uma equivocada política de segurança do governo Witzel, apoiada numa polícia com alto índice de letalidade, como mostram as estatísticas do próprio ISP.
Entre janeiro e agosto deste ano, 1.249 pessoas morreram em decorrência de operações policiais, um crescimento de 16% em relação ao mesmo período do ano passado, e um recorde desde 1998, quando foi iniciada a série histórica. A morte de inocentes costuma ser efeito colateral dessa estratégia.
Nesse contexto, Ágatha não é caso isolado. Ela é a quinta criança morta por balas perdidas no estado este ano. Em fevereiro, foi Jenifer Cilene Gomes, de 11 anos, atingida na porta do bar da família, em Triagem; em março, a vítima foi Kauan Peixoto, 12 anos, baleado durante operação policial na Chatuba, em Mesquita, na Baixada; em maio, morreu Kauã Rozário, 11 anos, alvejado num confronto entre PMs e traficantes, em Bangu; no feriado de 7 de setembro, Kauê Ribeiro dos Santos, 12 anos, levou um tiro no Complexo do Chapadão. Sob nenhum argumento se pode encarar com naturalidade essa saraivada de balas perdidas.
Ontem, em entrevista, mais de 48 horas após o crime, o governador Wilson Witzel prometeu que o caso será apurado com rigor. Evidentemente, é preciso esperar o fim das investigações para saber as circunstâncias da morte de Ágatha.
De início, a polícia informou que PMs foram atacados a tiros por bandidos. Testemunhas afirmaram, porém, que não houve confronto eque o disparo teria sido feito por uma policial em direção a suspeitos numa moto que recusaram a ordem de parar.
Entende-se que o Rio vive uma situação de guerra, e que muitas vezes o confronto entre policiais e bandido sé inevitável—no fim de semana, dois PMs morreram em serviço, baleados por traficantes. Mas há casos e casos. Na Ponte Rio-Niterói, a polícia agiu com competência quando um sniper matou o sequestrador que ameaçava passageiros de um ônibus no mês passado. Outra coisa é fazer operações desastradas, com chuvas de balas perdidas, pondo em risco avida de inocentes.
Há muitas lições a serem tiradas da tragédia. O caso Ágatha põe em xeque o projeto de excludente de ilicitude que constado pacote anticrime do ministro Sergio Moro e é apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro. A proposta, que tramita no Congresso, livra de punição os policiais que matam em confrontos.
A redução do número de homicídios também não pode ser justificativa para o aumento da letalidade policial. Primeiro, porque essa queda vem ocorrendo em quase todo o país, ou seja, não se deve apenas a ações locais. Segundo, não há relação de causa e efeito. Distrito Federal, Acre e Maranhão, por exemplo, conseguiram baixar igualmente os assassinatos e as mortes decorrentes de ações policiais.
O caso Ágatha é um alerta para as polícias de todo o país. Inegável que o combate ao crime deve ser visto como prioridade pelos governos. No entanto, é preciso ter protocolos para não expor a população, além de uma política de segurança apoiada mais na inteligência do que no confronto. Mas, caso este seja inevitável, o rigor é necessário, dentro da lei. E sempre com o devido cuidado para não atingir inocentes.
Trajetória cadente para o custo da dívida pública – Editorial | Valor Econômico
Taxa média das novas ofertas de títulos da dívida mobiliária interna foi de 7,11% em julho
Em uma semana marcada pela expectativa com comunicados importantes da autoridade monetária, incluindo a ata da reunião do Copom da semana passada, o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) e os resultados mensais das contas externas, crédito e resultado primário do governo central, há espaço ainda para o balanço da dívida mobiliária federal. O Tesouro vai apresentar os números mais recentes da dívida pública, que já devem trazer novidades a respeito do efeito positivo do corte da taxa básica de juros na emissão e carregamento dos títulos.
A redução do custo da dívida mobiliária federal já havia se evidenciado em julho, quando a taxa média do estoque da acumulado em 12 meses caiu para 8,66%, a menor da série histórica iniciada em 2005, em comparação com 8,83% em junho. O custo médio da dívida mobiliária interna de 8,79% em julho também foi a menor da série. Talvez mais significativo do que o custo de carregamento do estoque é a taxa média das novas ofertas de títulos da dívida mobiliária interna, que ficou em 7,11% em julho.
Houve influência positiva da tendência de queda dos juros domésticos, observada desde 2016 e confirmada na semana passada com mais um corte da taxa Selic, desta vez para 5,5%. Deve-se levar em conta ainda a aprovação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados e o andamento da proposta no Senado. O cenário externo também se mostrou positivo para os mercados emergentes. Mas o custo da dívida externa subiu de 5,2% para 5,7% devido principalmente à desvalorização do dólar frente ao real.
A variação da participação de não-residentes no estoque de dívida mobiliária interna aumentou apenas R$ 1,4 bilhão, com crescimento acumulado no ano de R$ 55 bilhões. No entanto, em percentual, houve uma pequena redução para 12,3%. Os fundos de previdência, abertos e fechados, passaram a ser os maiores detentores da dívida pública, com quase 26%, o que não acontecia desde 2016. Eles superaram por pouco os fundos de investimentos, que concentram 25,3%.
Já em agosto, cujos números serão apresentados nesta semana pelo Tesouro, a expectativa é de mudança nesse quadro. No ambiente doméstico, pesou o enfraquecimento da economia e o andamento das demais reformas em ritmo mais lento do que o desejado; e no externo, houve o agravamento da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que prejudicou os emergentes de um modo geral com o aumento da aversão ao risco.
A expectativa é que o Tesouro avance com informações a respeito de setembro, que promete nova reviravolta, de acordo com os sinais emitidos pelo mercado. As principais indicações nessa direção vêm do mercado de Credit Default Swap (CDS), que avalia o risco-país. O CDS caiu para 132 pontos há uma semana passada, o menor nível em seis anos. Nesse patamar, o risco do Brasil está abaixo do da África do Sul e próximo ao do México e Itália, países com rating superior ao brasileiro, inclusive com grau de investimento atribuído pelas agências de rating. Os analistas explicam o alinhamento dos CDS à perspectiva de melhora da situação fiscal do Brasil. Além disso, o próprio Tesouro já mostra que elevou gradualmente o chamado “colchão de liquidez” e têm recursos suficientes para honrar aproximadamente 12 meses de vencimento da dívida em títulos públicos.
Mas é inegável o descolamento desse indicador em relação ao comportamento do dólar, que deveria estar mais baixo, e do mercado de ações, que deveria estar mais valorizado. Pesa contrariamente a esse alinhamento fatores internos, como o crescimento, que deixa a desejar. Isso influencia também a saída dos investimentos estrangeiros da bolsa, que supera R$ 20 bilhões neste ano.
Instituições financeiras já notam, porém, que alguns títulos públicos refletem a melhoria proporcionada pela queda dos juros. Letras do Tesouro Nacional (LTN) com vencimento em um ano, negociadas em meados de junho por 6,48%, agora são cotadas a 5,64%; e Notas do Tesouro Nacional da série F (NTN-F) recuaram no mesmo período de 8% para 7,30% (Valor 23/9).
Um avanço das reformas subsequentes é essencial para permitir, assim como vem ocorrendo com a taxa Selic, que o Tesouro encontre um ambiente estável e previsível ao longo do tempo para continuar reduzindo o custo de carregamento da dívida pública.
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