- Folha de S. Paulo
O primeiro dever do bom policial é não pôr a comunidade em risco
No ano passado, a polícia da Finlândia disparou seis tiros --cinco deles de advertência. E a polícia finlandesa, que, neste século, matou sete pessoas, é "assassina" perto da islandesa, que, desde que foi criada em sua formatação republicana, em 1944, matou um único indivíduo, num tiroteio.
No Brasil, não nos damos ao trabalho de contar as balas. Os cadáveres de pessoas mortas pela polícia, porém, chegaram a 6.160 no ano passado. Quanto aos tiroteios, não há base nacional a contabilizá-los, mas a plataforma Fogo Cruzado, que computa as ocorrências na região metropolitana do Rio, registrou, entre a segunda e a sexta-feira passadas, 82 situações de troca de tiros, com 43 baleados e 29 mortes.
É obviamente uma covardia comparar os índices de criminalidade do Brasil com os de países nórdicos, mas, mesmo considerando que os contextos e o tamanho das populações são muito diferentes, os números deixam claro que nossas forças policiais, ao contrário das escandinavas, não hesitam antes de disparar, com consequências tão previsíveis quanto trágicas, como foi o caso da menina Ágatha Félix.
Como já escrevi neste espaço alguns meses atrás, precisamos com urgência modificar os protocolos e a cultura de nossas polícias para que tiroteios sejam de fato a última opção, mesmo que isso signifique deixar os suspeitos fugirem. O sistema jurídico brasileiro é inequívoco ao colocar a defesa da vida, especialmente a vida de inocentes, acima da captura de bandidos ou da proteção do patrimônio.
Ao contrário do que sugerem muitos governantes, o primeiro dever do bom policial é não pôr a comunidade em risco. É o "primum non nocere", que também vale para os médicos.
Estamos, é claro, muito longe do mundo nórdico, mas se os temíveis vikings, que aterrorizaram boa parte da Europa nos séculos 8º e 9º, puderam se converter nos civilizados finlandeses e islandeses modernos, resta uma esperança para o Brasil.
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