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Bolsonaro faz na ONU discurso para a militância – Editorial | O Globo
Da redação do pronunciamento do presidente não participou, por certo, o estafe profissional do Itamaraty
A tradição da diplomacia brasileira poderia indicar que o presidente Jair Bolsonaro utilizaria seu primeiro pronunciamento na abertura de uma Assembleia Geral das Nações Unidas para amenizar o choque com países europeus, principalmente a França, sobre a defesa da Amazônia. Mas apolítica externa deste governo rompeu coma prudência do passado.
Ao contrário, o pronunciamento de Bolsonaro foi agressivo na abordagem e carregado de ideologia em geral. O presidente, como já fez várias vezes, preferiu falar ao bolsonarismo radical. Optou por atender um público interno.
Neste sentido, Bolsonaro mais uma vez adotou o estilo de campanha política. Perdeu uma oportunidade de, por exemplo, facilitara colaboração externa na preservação da Amazônia, o que deve ter agradado aos grupos que vivem da exploração predatória da região. Por mais que o presidente tenha assumido o “compromisso solene” de defendera Amazônia.
Para Bolsonaro, a floresta está “praticamente intocada”, contrariando o que mostra o monitoramento constante por satélites. Para ele, a floresta não está sendo desmatada, nem consumida pelo fogo.
Numa referência à França, criticou quem propôs sanções sem ouvir o Brasil. De fato, Emmanuel Macron, presidente francês, se excedeu ao alardear a destruição da floresta. Chegou a divulgar em rede social foto antiga de um incêndio na região. Macron também ultrapassou barreiras da sensatez diplomática ao propor que o tratado comercial entre o Mercosul e a União Europeia não fosse assinado. O que fez a chanceler alemã, Angela Merkel, reagir. O presidente francês misturou as coisas, sendo que o acordo tem uma cláusula ambiental. Que seja acionado.
Bolsonaro registrou, ainda, o “espírito colonialista” que haveria por trás dessas manifestações de preocupação com o meio ambiente no Brasil, onde está a maior floresta tropical do planeta. No pano de fundo, a defesa da soberania nacional, ponto inegociável principalmente para os militares.
Mas houve também aspectos positivos. A menção ao interesse em “reconquistar a confiança do mundo”, por meio da desburocratização e desregulamentação, foi um deles. Assim como a defesa da liberdade política da qual é dependente a liberdade econômica, e vice-versa.
Bolsonaro afirmou, também, que o Brasil estás e abrindo ao mundo, integrando-se às cadeias globais de produção, essenciais para a modernização da economia.
Outro tema polêmico abordado por Bolsonaro, os índios, também recebeu um tratamento agressivo, incluindo ironias com o cacique Raoni, recepcionado na França por Macron. Tendo levado na comitiva a índia Ysani Kalapalo e citado uma organização de “índios agricultores”, Bolsonaro decretou o “fim do monopólio do Sr. Raoni”.
Foi feita, ainda, a defesa da exploração de riquezas minerais que se supõe haver no subsolo de reservas indígenas —foram citadas a dos Ianomâmis e a da Raposa Serra do Sol. A questão precisa mesmo ser enfrentada pelo Congresso e pela sociedade, para que haja uma exploração racional dos minérios.
Houve, também, menção ao papel supostamente negativo da “mídia”, um dos alvos preferenciais do bolsonarismo de raiz, acusações a Cuba e ataques ao socialismo. Pontos que mobilizam apenas os nichos mais ideológicos que o apoiam.
Não há dúvida de que o estafe profissional do Itamaraty não foi utilizado na redação do discurso.
Bolsonaro na ONU- Editorial | O Estado de S. Paulo
Na semana passada, decerto aconselhado pela ala ajuizada de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro prometeu que faria um discurso “conciliador” na abertura da Assembleia-Geral da ONU. De fato, tratava-se de uma ótima oportunidade para tentar desfazer os equívocos que ele e seus ministros mais radicais cometeram ao hostilizar diversos países e governos que vêm se mostrando preocupados com os incêndios e a devastação na Amazônia. Poderia, se tivesse dotes de estadista, recolocar o Brasil na comunidade de nações que nutrem genuíno interesse pelo futuro da humanidade, o qual depende diretamente da preservação do meio ambiente.
O que se ouviu, no entanto, foi um ataque feroz contra um inimigo imaginário e a favor da intolerância – que desde sempre alimenta os discursos de Bolsonaro, agora amplificados pela sua condição de presidente da República.
Logo no início do pronunciamento, Bolsonaro tratou de nomear seu grande desafeto, dizendo que o Brasil “ressurge depois de estar à beira do socialismo”. E continuou, para perplexidade geral: “Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições”.
Repetia dessa forma seu constrangedor discurso de posse, quando disse que sua chegada ao poder estava “libertando” o País do “socialismo” – ignorando o fato óbvio de que seu antecessor, o presidente Michel Temer, nada tinha de socialista, nem tampouco, a rigor, os governos anteriores. Tratava-se, tanto por ocasião da posse como agora na ONU, da reafirmação de um dos muitos slogans da campanha eleitoral de Bolsonaro, tão estridentes quanto desprovidos de significado real.
O Brasil, de fato, estava sob ataque, mas não dos “socialistas”, e sim de quadrilhas de corruptos que desmoralizaram a política e assaltaram as burras da República. Corrupção não depende de socialismo ou de antissocialismo, como o próprio presidente da República deve saber. Ademais, é bom lembrar que a grande corrupção da era lulopetista havia sido quase totalmente desbaratada bem antes de Bolsonaro chegar à Presidência, graças aos esforços da Operação Lava Jato. Ou seja, Bolsonaro tenta se incluir – e em posição de liderança – num processo do qual ele não participou em nenhum momento.
Tais questões não deveriam ter sido levadas à tribuna da ONU, ainda mais envolvidas num discurso mistificador e demagógico. Não havia ambiente para isso. Em alguma medida, lembra o vexame protagonizado em 2014 pela então presidente Dilma Rousseff, quando transformou a ONU em palanque de sua campanha à reeleição – e, numa entrevista coletiva em Nova York, defendeu o “diálogo” com o Estado Islâmico, que na época havia decapitado reféns, para horror do mundo civilizado.
Mas nenhum delegado presente ao discurso de Bolsonaro deve ter se decepcionado, já que certamente eles ouviram o que já esperavam ouvir, isto é, ataques à imprensa internacional, acusações de “colonialismo” e insinuações de que estrangeiros defendem os índios e o meio ambiente como pretexto para cobiçar as riquezas da Amazônia. Ora, cobiça sempre houve e sempre haverá, mas a soberania da Amazônia não está sob ameaça real desde o século 19.
Se Bolsonaro estivesse realmente preocupado em afastar qualquer risco à soberania brasileira sobre a Amazônia, teria adotado um tom conciliador, em busca de harmonia com a comunidade internacional.
Desde o Barão do Rio Branco, o Brasil, ciente de seus limites militares e econômicos, optou pelo diálogo multilateral – e, ao não se alinhar fanaticamente a uma única potência, como faz Bolsonaro em relação aos Estados Unidos de Donald Trump, ganhou o respeito de toda a comunidade internacional.
Bolsonaro, assim, erra em dobro: ao investir numa retórica antagonista, ameaça apartar o Brasil da sociedade das nações; e ao tratar de maneira leviana das questões ambientais, com as quais todos os que têm responsabilidade deveriam se preocupar, coloca em risco o futuro do País que governa. Tudo isso em nome de um ideário retrógrado e fantasioso.
Colcha de retalhos – Editorial | Folha de S. Paulo
Na ONU, Bolsonaro afaga vários nichos em que se apoia sua popularidade cadente
Não foi a primeira vez, nem terá sido a última, que um presidente brasileiro aproveitou o palanque anual da semana de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas para dar recados domésticos. Esse hábito tem sido cultivado por chefes de muitos outros Estados que discursam em Nova York nessa ocasião.
A fala de Jair Bolsonaro (PSL) tampouco inovou no conteúdo. Faz tempo que o mandatário desistiu de elevar o apoio popular a seu governo, o que requereria moderação, e passou a radicalizar o discurso para galvanizar seu núcleo mais fiel de sustentação. Pregou, mais uma vez, para os convertidos.
Em sua trôpega elocução, reiterou a falácia de que o Brasil estava à beira do “socialismo” quando ele venceu as eleições e fez novo elogio, este velado, à ditadura implantada em 1964. Também atiçou a imaginação delirante de seus hooligans ao mencionar a ameaça que um tal Foro de São Paulo significaria para a democracia no Brasil.
A pequena e ruidosa torcida decerto exultou diante de acusações sem fundamento à imprensa, chamada de mentirosa e partidária.
A minoria de brutamontes disposta a atropelar os indígenas e as cautelas ambientais no Brasil também há de ter saído satisfeita com as críticas genéricas a ONGs, à quantidade de terras sob usufruto dos povos originários e a propalados interesses colonialistas de nações estrangeiras na Amazônia.
A inserção de palavras de solidariedade aos perseguidos por motivos religiosos, bem como as invocações de Deus e do bordão de campanha inscrito no Evangelho de João, afaga interesses de igrejas e pastores, além de um público, este sim volumoso, que avalia o governo Bolsonaro acima da média nas pesquisas de popularidade.
Pílulas de pragmatismo que o presidente brasileiro veio sendo obrigado a engolir, sem convicção, para manter o mínimo de governabilidade também se fizeram sentir na fala. Foi o caso das referências à abertura da economia —seja internamente, seja para o exterior.
Mas esse aspecto, que deveria sobressair no discurso se o objetivo fosse atrair investimentos e interesse econômico para o Brasil, ficou tão dissolvido que nem sequer a reforma da Previdência, uma das mais impactantes alterações fiscais já propostas em décadas, foi lembrada ao longo da apresentação.
Como o interesse primordial do presidente era reforçar seus laços com uma miríade de nichos de fidelidade, o resultado foi uma colcha de retalhos mal cerzida. Dela não se extrai pensamento ou doutrina minimamente coerentes.
Agressões e provocações que permearam a fala de Bolsonaro a esta altura já não causam surpresa, embora mereçam o mesmo repúdio.
Na ONU, Bolsonaro fala de conspiração contra soberania – Editorial | Valor Econômico
Bolsonaro foi mais defensivo que propositivo, menos diplomático do que agressivo e mais ideológico do que pragmático
Ao abrir a 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro apresentou um relato fiel, não do “novo Brasil” que esteve “à beira do socialismo”, mas de seu governo, suas ideias e obsessões. Com pinceladas retrógradas do discurso, como se os tempos da guerra fria e do combate ao comunismo ainda fossem atuais, Bolsonaro foi mais defensivo que propositivo, menos diplomático do que agressivo e mais ideológico do que pragmático. A diplomacia brasileira, especialmente nas questões ambientais, fez ao longo do tempo exatamente o contrário.
A reunião da ONU ocorre simultaneamente à Cúpula do Clima e em ambas as queimadas na Amazônia rondaram como um mau agouro. O presidente brasileiro foi econômico em palavras sobre elas, mas prolixo em relação à soberania do Brasil sobre a floresta, cuja agressão vem de anos, mas se intensificou agora - e não por acaso. O Brasil, desde pelo menos a Rio-92, esteve entre os principais atores na arena ambiental global, em um trabalho paciente que muitas vezes esteve acima de ações concretas que respaldassem sua atuação. No entanto, atos e palavras de Jair Bolsonaro, do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, da família presidencial e gurus de ocasião, destruíram essa imagem positiva e pró-ativa do país.
O presidente foi sincero. Ele não tem nada a prometer em relação ao ambiente. A Amazônia “não é patrimônio da humanidade”, disse Bolsonaro, mas brasileiro, intui-se nas entrelinhas. Na contramão das preocupações crescentes e disseminadas sobre como contrapor-se ao aquecimento global, o máximo que o presidente fez foi colocar o tema como subalterno. “Nossa política é de tolerância zero para com a criminalidade, aí incluídos os crimes ambientais”. Sobre os incêndios na floresta, que se intensificaram e motivaram demissão do diretor do Inpe que apresentou os dados corretos à opinião pública, Bolsonaro os coloca na conta da sazonalidade - há seca e muito vento nesta época do ano, o que espalha facilmente o fogo - ou da pura má fé de seus inimigos. A Amazônia “não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia”.
O presidente repetiu os princípios de seu programa ambiental, ou, na verdade, de destruição ambiental. Eles se baseiam na exploração em terras indígenas, cujo habitante “não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas, especialmente as terras mais ricas do mundo”. Bolsonaro citou as reservas dos ianomâmis e a da Raposa Serra do Sol como passíveis de mineração de ouro, diamante, nióbio e terras raras. Esta seria uma atitude legítima, como procurou provar lendo uma carta do Grupo de Agricultores Indígenas, em contraposição à de líderes como o cacique Raoni, usado como “peça de manobra por governos estrangeiros na sua guerra informacional para avançar seus interesses na Amazônia”. Mídia nacional, internacional e Ongs constituem a santa aliança do colonialismo contra a soberania nacional.
O Brasil se manterá no Acordo de Paris, mas deixando de cumprir suas metas. O país se comprometeu a reduzir em 37% as emissões até 2025, em relação às de 2005, e de até 43% em 2030. Para isso é preciso, entre outras coisas, restaurar 12 milhões de hectares de florestas e alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia. O governo sequer menciona ações nessa direção porque não dá qualquer sinal de que tenha interesse em persegui-las. Não há sequer convicção de que o aquecimento é induzido pela ação humana, como pensa também o presidente americano, Donald Trump que, como Bolsonaro, procura desmontar a legislação de preservação ambiental e minar por dentro os órgãos de fiscalização e controle.
Elaborada pelo presidente, seu filho Eduardo, que aspira às embaixada nos EUA, Filipe Martins, assessor para política internacional e Augusto Heleno, do GSI, a peça apresentada por Bolsonaro à ONU é essencialmente regressiva. A ONU não é a “Organização do Interesse Global”, disse Bolsonaro. O globalismo é parte de uma ideologia que “se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas”, invadiu lares para investir contra a família e, por fim, “invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus”.
Ao semear discórdia em um discurso marcadamente ideológico, em uma questão sensível como o aquecimento global, Bolsonaro arrisca-se a colher tempestades comerciais prejudiciais ao país no futuro.
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