- O Globo
Em sua estreia na ONU, Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base eleitoral no Brasil
Em sua estreia na ONU, Jair Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. O presidente investiu na retórica anticomunista, como se o mundo ainda estivesse dividido pela Guerra Fria. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base de extrema direita no Brasil.
Bolsonaro se apresentou como um típico autocrata. Atacou a imprensa, a ciência e as universidades. Adotou um tom conspiratório contra ambientalistas e líderes indígenas que se opõem à destruição da Amazônia.
O presidente pareceu confundir as Nações Unidas com sua audiência cativa no Facebook. Mentiu à vontade sobre as queimadas, a ditadura militar e o programa Mais Médicos. Depois de exaltar o regime autoritário, disse defender a liberdade e a democracia.
Em algumas passagens, Bolsonaro ecoou as falas delirantes do chanceler Ernesto Araújo. “A ideologia invadiu a própria alma humana, para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu”, disse. O olavismo, quem diria, chegou à tribuna da ONU.
Foi um discurso agressivo, como temiam diplomatas assustados com o Itamaraty da “nova era”. Em vez de moderar o tom, o presidente radicalizou na pregação ideológica e reforçou as críticas a países europeus. Só guardou elogios para os EUA. Mesmo assim, não conseguiu o sonhado jantar a dois com Donald Trump.
Candidato declarado à reeleição, Bolsonaro dedicou boa parte do tempo a animar sua tropa. Elogiou militares, afagou policiais e fez uma deferência ao ministro Sergio Moro, num momento em que a militância lavajatista começa a se distanciar do governo.
Ele também acenou aos evangélicos, que apresentou como vítimas de perseguição religiosa. Sobre os ataques a cultos de matriz africana, cada vez mais frequentes, não deu nenhuma palavra.
Depois de falsear números sobre o território ianomâmi, o presidente criticou o cacique Raoni, líder indígena mais conhecido do país. Aos 89 anos, o caiapó acaba de ser lançado candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Ao atacá-lo pelas costas, Bolsonaro deu um impulso inesperado à campanha.
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