- Valor Econômico
A rendição explícita de Bolsonaro à “velha” política
Existe apenas uma novidade no sistema de formação da base parlamentar fiel ao presidente Jair Bolsonaro que o ministro da Secretaria de Governo e articulador político, general Luiz Eduardo Ramos, criou e começa a entregar. Finalmente, depois de alguns meses desde a sua entrada tardia na equipe, o ministro, esta semana, deu a conhecer os resultados do seu trabalho em reveladora entrevista ao repórter Felipe Frazão.
Já avançou um bom bocado e o fez com o método bastante conhecido do “toma-lá-dá-cá”, que nos anos 80 foi chamado de “é dando que se recebe”, e, mais recentemente, ganhou a expressão científica de presidencialismo de coalizão.
Junta-se uma maioria de senadores e deputados para votar os assuntos de interesse do governo, de cuja gestão participam como coadjuvantes, através do exercício dos cargos que passam a ocupar, como foi feito em todos os governos nos últimos anos, alguns com maior, outros com menor competência.
A novidade agora é que, contou o general, o governo Bolsonaro exigirá fidelidade dos agraciados com verbas e cargos. Mas uma fidelidade qualificada, apenas em assuntos sob o guarda-chuva de “pautas para o país”.
O seu contrário, pelo que fica entendido, são as pautas que não são do país. Talvez as pessoais do presidente, seus seguidores e e familiares, as questões ideológicas, as de costumes que, no governo Bolsonaro, viraram um tremendo e atrasado dramalhão.
“A gente quer que o deputado esteja conosco nas reformas estruturais, como a da Previdência, a tributária, a de liberdade econômica, o saneamento básico, o pacto federativo”, enumera didaticamente o general Ramos, esclarecendo então o que entende por pauta para o país.
Assim, há muita coisa do interesse do presidente que deputados e o senadores, por constatação, não precisam votar. O exemplo do general são as questões ligadas ao aborto, mas é possível intuir que estarão nesse rol assuntos religiosos, as propostas que dizem respeito aos costumes, as ideológicas, que, por esse critério, não interessariam ao Brasil. Porte de arma, por exemplo, não precisa votar e aprovar no toma-lá-dá-cá bolsonarista? E a aprovação de Eduardo Bolsonaro para ser o embaixador do Brasil nos Estados Unidos, é uma necessidade para o Brasil? Nada a ver, acharão muitos. Tudo a ver acharão poucos. É o tipo da proposta que ficará no lusco fusco da fidelidade ou de sua transgressão, a depender do ponto de vista.
O que o governo está propondo não é uma aliança política, democrática, constitucionalista. É uma lealdade que, se negada, pressupõe retaliação.
À parte essa mudança conceitual na aferição da lealdade dos novos parceiros integrantes da base parlamentar, todo o conteúdo da manifestação do coordenador político sobre o que vem preparando em reuniões com líderes, presidentes de partido e parlamentares isoladamente revela um retrato sem retoques do que sempre foi.
É o velho conhecido dos políticos, presidentes e coordenadores de votação no Congresso, contadores de votos que dão expediente na Casa Civil da Presidência.
Ramos, espelhando-se no presidente, abusa da antipática metáfora matrimonial para explicar sua base em formação, como Lula abusava da mais que batida metáfora do futebol. É um tal de namoro, fidelidade, amante, casamento, traição, infidelidade, que percorre toda a entrevista, para chegar à óbvia ameaça, velada, de retaliação a quem não seguir o que seu mestre mandar.
O restante do plano do general não tem nada de novo, é a troca de cargos e verbas por voto favorável aos interesses do governo. Desde que assumiu, Jair Bolsonaro vem se contorcendo para condenar a velha política, incluir-se numa teórica nova política, sem que se saiba o que é uma e o que é outra. Imaginava-se que a distribuição de cargos era a velha, e o presidente insistiria em aprovar seus projetos sem fazer concessões aos partidos, na base do convencimento, como declarou inúmeras vezes.
Ao contrário, ao explicar como vem formando a maioria do governo no Congresso, o general Ramos criou uma nova teoria para velhas práticas. Por exemplo, os cargos não são ministérios, esclarece, são cargos federais nos Estados, por sinal almejados pelos partidos que pegam Ministérios para distribuir empregos nos Estados. No fim, o círculo se fecha, justamente.
Postos na Codevasf, Sudene, Banco do Nordeste, possíveis de distribuição, segundo o ministro, são objeto da cobiça dos políticos desde que se inaugurou o método.
Outra irrealidade que prega o novo coordenador político é que o toma-lá-dá-cá, agora, é republicano. Palavrinha mágica.
Mais uma herdada dos governos do PT. O adjetivo entrou de vez no dia a dia da política da era Lula para que fosse possível fazer o presidencialismo de coalizão, com todos os partidos de centro, de direita e de esquerda, seus métodos e vícios, supostamente sem sujar as mãos. Não foi possível, mas deve-se ao ex-governador e ex-ministro da Justiça Tarso Genro a invenção do recurso, seu uso pioneiro.
Ele, em nome de um critério “republicano”, negou, inclemente, asilo aos atletas cubanos que vieram para a Olimpíada, e não permitiu a extradição de Cesare Battisti para a Itália.
Então, teríamos com Bolsonaro um toma-lá-dá-cá apenas estadual e republicano. Surreal, fantástico. Quem quiser crer, que creia. É legítima a formação da maioria parlamentar compartilhando o governo; o que não é aceitável é a tentativa pueril de empurrar goela abaixo do eleitorado todos os gatos pelas nobres lebres.
Usar o conceito de republicano não significa que seja republicano, mas paciência, além de tudo é insuficiente. O PT foi vítima dele. Políticos densos, como Plínio Arruda Sampaio, passaram ao largo do adjetivo, que ficou no vocabulário de Tarso e Aloizio Mercadante.
Agora no arsenal do ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro.
Registre-se, porém e por tudo, que Bolsonaro está buscando a maioria do jeito tradicional, E não se fala mais nisso.
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