- O Globo
Para eles, partido é, objetivamente, somente um mecanismo formal para viabilizar eleição
Por meio da Fundação Índigo, dito centro formulador do PSL, o partido bancou — com dinheiro público — a primeira edição brasileira do CPAC, tradicional evento conservador americano; que, nos EUA, é financiado com recursos de doadores privados e venda de ingressos. No Brasil, claro, seria diferente, com a fina flor do reacionarismo nacional reproduzindo a melhor prática petista: a festa da nova era, em que não faltou exaltação ao liberalismo de Paulo Guedes, foi paga com grana do fundo partidário público. Deus vult!
O PSL liberou a grana, mas — registre-se — não teve existência. Este é fato digno de nota, expressivo da cultura de depredação institucional revolucionária que ora subsidia o conflito que Jair Bolsonaro forja contra a legenda em que se elegeu. Para o bolsonarismo, força autocrática que despreza a ideia de democracia representativa, que deprecia qualquer instrumento de mediação política, partido é, objetivamente, somente um mecanismo formal para viabilizar eleição e sustentar as necessidades financeiras do projeto de poder. Para consumo externo, no entanto, segundo se comunica aos apoiadores sequestrados pelo espírito do tempo lavajatista, trata-se de uma estrutura corrompida e prescindível da qual os puros — como o presidente, líder populista que não precisa de intermediários — devem se manter distantes.
O convescote valeu mais de R$ 1 milhão. O conteúdo do encontro foi — com generosidade — modesto; mesmo aí incluído o discurso leninista de Filipe Martins, assessor especial da Presidência, que pregou a necessidade de “movimento incessante”, de “mobilização permanente”. Desnecessário dizer que só se mobiliza a tropa permanentemente — eis a lógica do chamamento — porque há algo ou alguém constantemente contra. O bolsonarismo depende de forjar e acusar ameaças contra si. Daí por que torça, por exemplo, pela vitória do kirchnerismo na Argentina. “Olha o que pode acontecer se você não me apoiar!”
Este — contra — é o advérbio fundamental para a compreensão do fenômeno bolsonarista, para o qual não pode existir simples adversário, o que significaria entrar no terreno da disputa política, mas somente inimigos, com o que se cultiva a dinâmica de guerra que deu gramática à polarização eleitoral de 2018 e que é a linguagem competitiva por meio da qual Bolsonaro fala aos seus 20%. A do confronto é a única cancha para a qual o bolsonarismo está apetrechado — imbatível nela.
O CPAC Brasil reuniu a nova elite dirigente do país. Os debates e palestras estão disponíveis na internet e podem ser resumidos em duas modalidades incoerentes entre si: exercícios incontroláveis de euforia, de deslumbramento, por haverem chegado ao poder formal, com acesso fácil a cargos na máquina federal, e pela capacidade de influírem sobre o processo decisório central; e denúncias contra o establishment, a ameaça, gatilho para que a fábrica bolsonarista de crises e de inimigos artificiais aprofunde as teorias da conspiração que, entre outras metas, quer camuflar a obviedade de que coisa alguma é mais sistema hoje, mais estamento burocrático, do que a operação do bolsonarismo para capturar o Estado e implantar uma autocracia desde dentro. Os que querem mudar o sistema já são o sistema.
A qualidade das exposições nunca foi o objetivo do CPAC Brasil; e o evento não pode ser acusado de falta de transparência em sua pretensão: servir de palanque para que Eduardo Bolsonaro, o dono da festa pela qual pagamos, falasse de si, promovesse aliados, defendesse depurações e expurgos, provocasse e atacasse inimigos — com especial ímpeto contra jornalistas — e desse vazão ao proselitismo personalista que alicerça o bolsonarismo.
Eduardo, mestre de cerimônias, foi recepcionado aos gritos de “mito”, ao final reajustado para “mitinho” — não restando mesmo dúvida de que seja ele, tenha o tamanho que tiver, o futuro do projeto dinástico bolsonarista. Diga-se que a jogada de torná-lo embaixador nos EUA integra a tática de sucessão na nova corte. Tirá-lo da Câmara, onde a exposição de seus limites se impõe, e colocá-lo em Washington para a produção de selfies mensais com Donald Trump, é evidente estratégia para construção de imagem.
Estavam no CPAC Brasil também, com destaque, muitos entre os “blogueiros de crachá” (a imprensa independente segundo os bolsonaristas) e assessores parlamentares que, de acordo com o que documenta importante reportagem publicada pela revista “Crusoé”, compõem a milícia digital coordenada e, em boa parte, alimentada com verba pública — para difamar e desinformar em prol do projeto de poder do bolsonarismo. Nada há de novo nisso; senão, talvez, um pouco mais de competência na gestão da mentira.
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