quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Indústria em busca da virada – Editorial | O Estado de S. Paulo

Reconquistar o vigor de oito anos atrás é o primeiro desafio para a indústria brasileira, depois de uma crise longa e devastadora. Será um longo caminho de volta. Em agosto, a produção industrial ficou 17,3% abaixo do pico alcançado em maio de 2011. Mas esse é o cenário visto de cima para baixo. De baixo para cima, será necessário um avanço de 20,96% para alcançar aquele ponto. Para esclarecer a diferença: de 100 para 80 há uma queda de 20%, mas de 80 para 100 a subida é de 25%. As dificuldades também são visíveis quando as comparações envolvem períodos curtos. O volume produzido cresceu 0,8% em agosto. É resultado bem-vindo, num ano de muita complicação, mas surgiu depois de uma queda de 0,9% acumulada nos três meses anteriores. Além disso, a produção foi 2,3% menor que a de um ano antes. Em 12 meses a queda foi de 1,7%, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Agosto foi o fundo do poço, disse no mês passado o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. O crescimento, acrescentou, recomeçaria em setembro. A fraqueza da indústria pode ter confirmado a primeira parte desse comentário. Falta verificar a segunda, embora alguns sinais positivos já tenham sido notados.

O Brasil é um raríssimo caso de país emergente em desindustrialização. A produção industrial brasileira diminuiu 15% a partir de 2014, enquanto a do resto do mundo cresceu 10%, segundo estudos comparativos citados em reportagem do Estado. Mas a deterioração da indústria brasileira começou bem antes e já foi assinalada em 2012 pelo IBGE.

Embora faltem estudos amplos sobre o assunto, algumas causas do declínio são facilmente identificáveis: protecionismo anacrônico, estagnação do Mercosul, pouca inserção global, baixo investimento público e privado, incentivos mal dirigidos, financiamento inadequado, prioridades mal escolhidas pelo governo federal, infraestrutura deficiente, tributação disfuncional, escassez de capital humano e insegurança num ambiente de erosão dos fundamentos da economia.

A crise do setor industrial começou bem antes, portanto, da recessão prenunciada em 2014 e desencadeada plenamente nos dois anos seguintes. A partir da recuperação, em 2017, houve alguma oscilação no desempenho, mas até 2018 as comparações entre dados com intervalo de um ano mostraram uma firme tendência de melhora. No segundo semestre de 2018, esse padrão começou a mudar.

Entre janeiro e agosto do ano passado, só em maio o desempenho foi pior que o de um ano antes. Isso é explicável pela crise do transporte rodoviário. Entre janeiro e agosto de 2019, comparações com o ano anterior foram negativas em seis meses. Isso mostra de forma inequívoca um novo enfraquecimento do setor.

O declínio de longo prazo, assinalado a partir de 2012, é sem dúvida atribuível a erros da administração petista. A perda de vigor na segunda metade do ano passado é explicável em boa parte pela incerteza associada às eleições e à mudança de governo. Mas o agravamento do quadro, a partir do início deste ano, reflete claramente um novo problema. O governo iniciado em janeiro foi incapaz de atender à expectativa, registrada em várias pesquisas, de melhor desempenho da economia a partir da mudança presidencial.

Durante o primeiro semestre o novo governo simplesmente se recusou a considerar qualquer medida de estímulo à atividade. Menosprezou o desemprego de mais de 12 milhões de pessoas, tratando-o como questão menor.

Só depois, e sem explicar por que decidiu assumir uma nova atitude, o governo admitiu alguma iniciativa para facilitar o consumo – a liberação, iniciada apenas em setembro, de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep.

O presidente da República e seus auxiliares atribuem as dificuldades econômicas a governos passados, especialmente aos do PT. Erros petistas são inegáveis, mas o drama de 2019 tem a marca do novo governo, indiferente aos problemas de 25 milhões de desocupados, subempregados, desalentados e seus muitos milhões de familiares.

Modulação do STF deve preservar a Lava-Jato – Editorial | Valor Econômico

Maior celeridade e empenho por colegialidade nas decisões ajudariam a eliminar a balbúrdia política causada por suas decisões

Os procedimentos e as ações pioneiras da Operação Lava-Jato estão sendo colocados em xeque um a um e, surpreendentemente, não por artimanhas de advogados milionários de réus endinheirados, mas pelo Supremo Tribunal Federal. O tom dramático do último capítulo, com a declaração homicida do ex-procurador geral, Rodrigo Janot, apenas ampliou a já elevada mania persecutória que acometeu o STF. Janot deu apoio quase irrestrito à força-tarefa de Curitiba e ao então juiz Sergio Moro, e suas afirmações colocam em dúvida a imparcialidade e a justeza de seu trabalho ao longo de 4 anos. É possível, no entanto, encontrar um desfecho racional, não apocalíptico, que preserve o legado positivo da Lava-Jato e ignore a atmosfera carregada de conflitos que cerca a PGR, o STF e o ministro da Justiça, Sergio Moro.

Os fios desencapados das leis brasileiras produzem desenlaces surpreendentes, um atrás do outro. O caso mais recente, que pode ter uma solução hoje, é a decisão do Supremo de que réus delatados têm de apresentar depois dos delatores suas alegações finais. Foi uma lacuna deixada pela lei da delação premiada, de 2013, omissa a respeito. Após anos de julgamentos e recursos, sem que ninguém se desse conta da omissão, a defesa do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, recorreu com sucesso à Segunda Turma do STF, apontando cerceamento ao amplo direito de defesa pelo fato de as alegações finais terem sido simultâneas, como determinou Moro.

É provável que o recurso de Bendine não fosse bem-sucedido se a aura da Lava-Jato se mantivesse intacta. Mas começou a ser arranhada pelo exibicionismo dos procuradores e pelo ingresso de Sergio Moro no governo de Jair Bolsonaro, alguns meses após mandar para a cadeia Lula, o mais bem colocado rival eleitoral de Bolsonaro.

Decisivo para turvar a imagem da Lava-Jato foram as divulgações pelo The Intercept dos diálogos dos procuradores, gravações ilegais que, no entanto, não foram desmentidas por nenhum dos envolvidos. Saíram feridos a imparcialidade de Moro, o cumprimento de alguns preceitos legais e, o mais grave para o destino da operação, a busca de procuradores por malfeitos de juízes do Supremo - Gilmar Mendes e Dias Toffoli. A atitude do tribunal veio mudando significativamente a partir daí.

Passou-se a examinar então com lupa a fenomenologia das leis, algo exasperante no caso brasileiro. Ao examinar o recurso do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, com argumentos semelhantes aos de Bendine, o STF supriu a lacuna da lei de 2013 estabelecendo uma ordem que não havia. Hoje deve começar a discutir critérios para restringir a decisão, sua modulação. Os resultados não necessariamente prejudicarão a Lava-Jato. Uma das alternativas em exame é a de enviar de volta ao estágio das alegações finais processos nos quais a defesa tenha apontado, na primeira instância, a irregularidade. Podem não ser muitos. Outra é o exame caso a caso dos processos par que se verifique se houve ou não prejuízo ao réu no estágio das alegações finais - em que não há mais produção de provas.

Nenhuma das hipóteses contempla a anulação de toda a denúncia, mas seu retorno ao estágio questionado, o que possivelmente não mudará o veredito na maior parte dos casos. O ministro Sergio Moro alertou para a perscrição de prazos, algo que o STF pode definir. A decisão do STF, porém, indica uma fase em que a Corte terá como atitude norteadora a desconfiança e a vigilância sobre o cumprimento da legislação na apreciação de recursos de réus da Lava-Jato.

Se o STF julga corrigir agora desvios legais da Lava-Jato que vêm do passado, a decisão monocrática do presidente Dias Toffoli exigindo a aprovação de um juiz para acesso aos dados completos coletados pelo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira) afeta o futuro de todas as operações que visam combater corrupção e outros crimes. Toffoli atendeu a pedido do advogado do senador Flavio Bolsonaro, envolvido em investigações sobre “rachadinhas” na Assembleia do Rio e possível ligação com milícias.

Toffoli suspendeu investigações sobre o filho do presidente da República e todas as demais na mesma situação - são muitas. E marcou uma avaliação do plenário só em novembro, como se ela não fosse urgente. O STF, assim, ao mesmo tempo em que manda retroceder o julgamento de réus da Lava-Jato, impede que um instrumento vital para investigações seja usado tempestivamente. Maior celeridade e empenho por colegialidade nas decisões ajudariam a eliminar a balbúrdia política causada por suas decisões.


O uso político que Lula faz da prisão – Editorial | O Globo

A decisão do ex-presidente de não sair da cadeia desrespeita a Justiça, o que é parte de um projeto

O ex-presidente Lula passa pela história do Brasil de forma especial. Não há na vida pública quem tenha sido metalúrgico, sindicalista, constituinte de 87 e ocupante do mais importante gabinete do Palácio do Planalto por dois mandatos, conseguindo eleger a sucessora, Dilma Rousseff, desconhecida da massa da população.

Também faz parte de sua trajetória única ser um ex-presidente condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, na Operação Lava-Jato, resultado da descoberta, pela força-tarefa de Curitiba, de um esquema bilionário de transferência criminosa de dinheiro do caixa da Petrobras para políticos do PT e aliados. E agora, o ex-presidente do Brasil preso se recusa a sair da cadeia, outro fato inusitado.

Para quem não está acostumado aos labirintos do jogo político, é um contrassenso. Pois se trata de uma bênção para qualquer prisioneiro a progressão de pena, que o Ministério Público da Lava-Jato pede em favor de Lula, por ele já ter cumprido um sexto (16%) da pena e ser bem comportado na prisão. Mas o ex-presidente recusa o benefício.

A explicação está na política, atividade a que Lula se dedica a vida inteira sem descanso. Não seria diferente na sua prisão — que transformou em um comício —, como não foi durante o processo a que respondeu por ter sido beneficiado na obtenção de um tríplex no Guarujá, da empreiteira OAS, interessada em gordos contratos na Petrobras, sob controle do PT.

Os advogados de Lula adotaram o tom político do ex-presidente. Desde sempre tudo não passa de um complô para evitar sua volta ao poder.

Às favas com as provas documentais e testemunhais, assim como com o fato de a condenação do ex-presidente, pelo juiz Sergio Moro, ter sido confirmada em segunda instância por outros magistrados. O processo também passou pelo teste do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância.

Mas o ex-presidente, mestre da vitimização, se recusa a perder este discurso, mantido por parcelas do do PT unidas em torno do mantra “Lula livre”.
Seu carisma tem sido mais forte do que ponderações de parte da legenda, preocupada com a subordinação do PT a um lema. Não deveriam estranhar, porque o partido sempre foi colocado por Lula a serviço de si mesmo.

Agora, a missão é formatar e fortalecer a imagem de “Lula herói”, depois da tentativa persistente da construção do “Lula injustiçado”. Contraria este projeto aceitar a progressão de pena.

Ele deseja, também, ganhar tempo, com esperança no julgamento de um processo em que argui a isenção do juiz Sergio Moro para julgá-lo. E no caso do fim da prisão em segunda instância.

Lula dobra uma aposta em que está explícito o desrespeito à Justiça. Acha que isso lhe trará benefícios.

Maconha e saúde – Editorial | Folha de S. Paulo

Cultivo para fins medicinais deve ser examinado com cautela e sem preconceito

Epilepsia, ansiedade, depressão, esclerose múltipla, demência, dor crônica e náuseas por quimioterapia de pacientes com câncer. Com menos ou mais evidência científica, a Cannabis —maconha— se afirma como tratamento alternativo de condições contra as quais a farmacologia tradicional nem sempre oferece recursos.

Mais de 7.000 doentes foram autorizados pela Anvisa, após 2014, a importar produtos com canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC). Mas a burocracia consome três meses, e os pacientes despendem pelo menos R$ 1.200 mensais com os produtos estrangeiros.

A saída para reduzir o custo seria plantar maconha legalmente e beneficiá-la aqui mesmo no país. Pouco mais de 2.500 pessoas obtiveram na Justiça brasileira esse direito, a maioria membros da associação Abrace Esperança (PB), à qual pagam R$ 350 de anuidade e até R$ 200 mensais pelo óleo.

Claro está que maconha não é panaceia. Em verdade, só para epilepsia os testes clínicos forneceram até agora evidência sólida de eficácia, em estudos com robustez estatística e comparação com placebo.

Há que proceder com cautela. Não é outra a razão para haver um único medicamento licenciado pela Anvisa, para tratar espasmos em pessoas com esclerose múltipla. A agência reguladora debate no presente a regulamentação do cultivo, que ampliaria o acesso humanitário à Cannabis medicinal.

Trata-se de um negócio que cresce de modo acelerado no mundo. Estima-se que, no Brasil, quase 4 milhões de doentes poderiam beneficiar-se, um mercado avaliado em algo entre R$ 1,1 bilhão e R$ 4,7 bilhões anuais —toda a indústria farmacêutica nacional movimentou em 2017 R$ 76 bilhões.

As condições favoráveis ao plantio também dariam ao país boa competitividade para exportação. Na América do Sul, os investimentos atualmente se concentram na Colômbia, pela ausência de regulamentação por aqui.

O pior cenário para pacientes necessitados está em ver a questão embaralhar-se com a da desregulamentação do uso recreativo.

Tal confusão só interessa a radicais de um conservadorismo tosco e populista. No governo Jair Bolsonaro (PSL), o ministro da Cidadania, Osmar Terra, parece de olho nos dividendos político-eleitorais de perfilar-se como inimigo de um “poderoso lobby maconheiro”.

Verdade que a tendência de descriminalização do porte e do uso da marijuana, como no Uruguai, no Canadá e em boa parte dos estados norte-americanos, cresceu após a abertura a aplicações medicinais. Isso não justifica, contudo, privar de eventuais benefícios pessoas que padecem com a ausência de terapias e alternativas.

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