Sensatez tributária – Editorial | Folha de S. Paulo
Receita acerta ao defender taxação menor sobre o consumo e maior sobre a renda
Depois de meses perdidos em devaneios como a ressurreição da CPMF, a área econômica do governo Jair Bolsonaro ensaia um discurso mais sensato —do ponto de vista social, inclusive— a respeito de diretrizes da reforma tributária.
Um entendimento singelo, mas fundamental, foi enunciado na quarta (20) pelo secretário da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que está há apenas dois meses no cargo. Ele se disse de acordo com a ideia de reduzir a carga incidente sobre o consumo e elevar a tributação direta da renda.
Trata-se, em bom português, de uma redistribuição da conta imposta à sociedade para o sustento dos governos federal, estaduais e municipais. Em tese ao menos, o caminho proposto se mostra mais justo e favorável à maioria.
O Brasil, como se sabe, taxa em demasia seus cidadãos —cerca de um terço da renda nacional é apropriado pelo setor público em tributos, proporção mais típica de países de renda elevada.
A anomalia se explica pela miríade de impostos e contribuições incidentes sobre o consumo de mercadorias e serviços, que arrecadam quase 16% do Produto Interno Bruto. Na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne nações desenvolvidas, a média é de 11,2%.
Além do caos burocrático que gera no país por seus excessos, essa modalidade de tributação atinge, de modo acentuado, a população pobre, que destina parcela maior de sua renda à compra de produtos.
Em contraste, o gravame sobre a renda — salários, lucros, aluguéis e juros recebidos— mostra-se relativamente baixo no sistema nacional. Soma 6,2% do PIB, ante 11,4% na média da OCDE (dado de 2016).
São bem-vindas, portanto, propostas para tornar mais progressivo o Imposto de Renda, como a de elevar a alíquota máxima dos atuais 27,5% para 35%, patamar condizente com a prática internacional.
Mais fácil falar do que fazer, decerto. A tarefa, além de politicamente espinhosa, é tecnicamente complexa. Envolve discussões sobre taxação de dividendos, deduções em saúde e educação, divisão de receitas com entes federativos.
A prometida simplificação dos tributos federais sobre o consumo, por sua vez, está empacada desde o governo Dilma Rousseff (PT). Muito menos se sabe acerca de como reduzir sua carga.
De todo modo, a mera indicação de um rumo correto, a esta altura, é alvissareira. Mesmo que não se consiga uma reforma ampla do sistema, há avanços a serem obtidos sem mudanças na Constituição.
O necessário desenvolvimento social – Editorial | O Estado de S. Paulo
Na terça-feira passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou o lançamento de uma agenda legislativa voltada à redução das desigualdades e ao combate à pobreza. Ao todo, são duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e nove projetos de lei. “O Brasil, ao longo dos últimos 30 anos, construiu um Estado que concentra a renda na mão de poucos, em detrimento da maioria da sociedade”, afirmou Maia. “Que comecemos hoje a discutir os projetos e mostrar que nossa agenda vai além das reformas econômicas para que possamos ter um país com igualdade de oportunidades”, disse.
O desenvolvimento social não é mera opção política, como se o Estado não tivesse a obrigação jurídica de promovê-lo. A Constituição de 1988 define como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ou seja, a atuação do poder público deve estar orientada para essas finalidades ou, ao menos, ser compatível com elas. Seria inconstitucional uma política pública que, de alguma forma, viesse a gerar pobreza ou a ampliar desigualdades sociais.
E se, por força da Constituição, o Congresso deve sempre ter presente a promoção do desenvolvimento social, tal responsabilidade é ainda mais premente nos tempos atuais, em que o governo federal dá mostras de fazer pouco-caso da questão social, como se fosse algo secundário ou acessório. Exemplo recente desse descaso do Executivo federal foi a proposta, contida na Medida Provisória (MP) 905/19, de que o novo programa de emprego seja custeado por meio de uma contribuição a ser descontada do benefício do seguro-desemprego. Aos olhos do governo Bolsonaro, parece razoável cobrar do desempregado a conta de um programa de estímulo ao emprego. Como se vê, o Legislativo precisa estar especialmente atento ao tema social.
Ao mesmo tempo, é de reconhecer que a promoção do desenvolvimento social exige cautela. Em primeiro lugar, cuidar dos mais vulneráveis significa aumentar sua autonomia, e não torná-los ainda mais dependentes do Estado. Por exemplo, nos anos em que o PT esteve no governo federal, programas sociais foram instrumentalizados para fins eleitoreiros, o que representa uma perversão do objetivo social.
Também não se pode esquecer de que o necessário combate à pobreza e às desigualdades sociais não autoriza o descontrole fiscal. A promoção do desenvolvimento social inclui a responsabilidade com o equilíbrio das contas públicas. Basta ver que o quadro recessivo, do qual a duras penas o País tenta se recuperar, foi causado precisamente por administrações petistas, especialmente a da presidente Dilma Rousseff, que gastaram muito mais do que deviam e ainda alegavam que os excessos tinham uma finalidade social. A crise econômica gerada pelo PT acentuou a pobreza e as desigualdades sociais no País.
Além disso, não é demais lembrar, um Estado quebrado é incapaz de prover políticas de desenvolvimento social e de cuidado da população mais vulnerável, cuja sobrevivência muitas vezes depende diretamente da atuação do poder público. A irresponsabilidade fiscal é, assim, uma tremenda irresponsabilidade social.
Seria um grande equívoco achar que a superação do lulopetismo envolve desvalorizar, ou mesmo excluir, dos fins do Estado o desenvolvimento social, como se a partir de agora o único objetivo importante fosse a expansão econômica. Não são realidades antagônicas. Ao contrário, são complementares. Por isso, é preciso promover conjuntamente o desenvolvimento econômico e o social. Depois de tantos anos de PT na administração federal, o desafio é expurgar das políticas sociais tudo aquilo que é demagogia ou populismo.
Cabe, portanto, ao Congresso levar sua agenda social de forma coordenada e responsável, assegurando-lhe viabilidade política e econômica. Seria demagogia se a Câmara lançasse um pacote social como mero contraponto publicitário em relação às propostas do Executivo. Disso o País não precisa. O que faz falta é o desenvolvimento social deixar de ser mero discurso para se tornar realidade.
STF pode ajudar na inteligência financeira – Editorial | O Globo
Há chance de veredicto sobre sigilo reduzir insegurança jurídica no enfrentamento da corrupção
Embora seja formalmente um julgamento em que o Supremo avaliará o recurso extraordinário contra a quebra de sigilo fiscal, pela Receita, de um posto de combustíveis no interior de São Paulo, o processo ganhou ampla dimensão. A partir do voto do relator do recurso, ministro Dias Toffoli.
Estão em foco, no voto de Toffoli, o Ministério Público; o ex-Conselho de Controle de Atividades Financeiras, rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF); o Banco Central, em cuja jurisdição está a UIF, além da própria Receita.
O peso deste julgamento aumentou quando Toffoli aceitou em julho pedido de liminar de advogados do senador Flávio Bolsonaro (PSL) contra o compartilhamento de dados de movimentações financeiras atípicas do filho do presidente da República, feito pelo Coaf, de quando ele ainda era deputado estadual fluminense. E estendeu a medida a todos os inquéritos semelhantes. Mais de 900.
O posto paulista serve de mote para o Supremo tratar dos limites do avanço do Estado sobre a privacidade financeira da sociedade, questão vital na democracia. O julgamento se converte em balizador dos organismos de investigação, um aspecto estratégico no combate à corrupção. Além do mais, o caso terá “repercussão geral”, ou seja, definirá referenciais para os tribunais de todo o país.
Ao começar a leitura do seu longo voto, na quarta, e que se estendeu ao início da sessão de quinta, Toffoli ressaltou que o processo nada tinha a ver com Flávio Bolsonaro. Inútil, até porque, sendo um caso de repercussão geral, atingirá todos os recursos desse tipo.
A pouca clareza do voto de Toffoli funcionou como estímulo a prognósticos negativos para o julgamento, do ponto de vista do crucial enfrentamento da corrupção. A sessão de quinta, porém, começou a afastar temores, mesmo que apenas só mais um dos nove ministros restantes tenha votado — Alexandre de Moraes. Há sinais de que não haverá um perigoso tolhimento dos organismos de fiscalização, mas a clarificação de regras para ordenar melhor o fluxo de informações entre eles, sem risco de ferir o preceito constitucional da privacidade.
Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes possa ter parecido pouco rígido na graduação da remessa de informações (UIF/Receita) ao MP, há convergências entre sua posição e a do relator Toffoli em aspectos do rito a ser seguido neste circuito de remessa e recebimento de dados.
Ainda é necessário definir se, além da Receita, objeto da reclamação, também serão incluídos no julgamento os demais entes que atuam no âmbito da inteligência financeira. Mas os votos do relator e de Moraes, junto a tendências conhecidas de outros ministros, indicam haver grande possibilidade de o combate à corrupção ser preservado, e com mais segurança jurídica. Sem que o Brasil se torne um pária por romper tratados de que participa para o combate à lavagem de dinheiro, instrumento usado pelo crime organizado dentro e fora do país.
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