- Valor Econômico
Medida corrige erro cometido pela equipe de Michel Temer
A proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um novo modelo fiscal para o Brasil, enviada pelo governo na terça-feira ao Congresso, altera o chamado teto de gastos da União. O texto da PEC prevê que, se a despesa obrigatória de um determinado Poder ou órgão ultrapassar 95% da despesa primária total, as duras medidas de ajuste previstas na emenda constitucional 95, de 2016, terão que ser acionadas.
Com essa alteração, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende corrigir um erro cometido pela equipe econômica do ex-presidente Michel Temer, quando foi elaborado o mecanismo do teto de gastos. Pelas regras do teto que foram aprovadas em dezembro de 2016, somente se o limite individual de gasto for descumprido o Poder ou órgão terá que adotar as medidas de ajuste.
Descobriu-se, no início deste ano, que o gatilho que aciona as medidas jamais será disparado, pois o Poder ou órgão pode ir reduzindo progressivamente suas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina) para acomodar o aumento das despesas obrigatórias. Poderá reduzir esses gastos até zero, ou seja, até eliminar o espaço para os investimentos e o custeio, o que resultaria na paralisação da atividade do Poder ou do órgão. Ou seja, haveria o que os economistas chamam de “shutdown”.
Os gatilhos do teto de gastos criados pela equipe do ex-presidente Michel Temer - que acionariam as medidas de ajuste - simplesmente não dispararam, o que levou o governo a reduzir cada vez mais os investimentos públicos e as verbas de custeio. Para acomodar o aumento continuado das despesas obrigatórias de 2017 até agora, o governo foi obrigado a reduzir fortemente os gastos discricionários. As despesas discricionárias atingiram R$ 118,6 bilhões no período de 12 meses encerrado em setembro deste ano, o mesmo nível de setembro de 2009, em termos reais, de acordo com dados do Tesouro Nacional.
Na proposta orçamentária para 2020, as despesas discricionárias atingiram o menor nível da história, ficando em R$ 89,1 bilhões, sendo R$ 19,9 bilhões para os investimentos, o menor nível já registrado. A esse montante devem ser acrescentados R$ 16,1 bilhões programados para as emendas parlamentares individuais e de bancada. Em documento divulgado na terça-feira, durante a coletiva para o anúncio do Plano Mais Brasil, o Ministério da Economia informa que “o investimento público tende a zero” se nada for feito.
Com a PEC apresentada pelo governo, o critério para acionar os gatilhos não será mais o descumprimento dos limites individuais de gastos. Agora, o Poder ou órgão terá que acionar as medidas de ajuste se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias totais (que exclui o pagamento de juros das dívidas). É interessante observar que, no mesmo documento divulgado ontem, o Ministério da Economia informa que as despesas obrigatórias já absorvem 93% dos gastos primários da União. Ou seja, o gatilho para acionar as medidas já está bastante próximo.
O governo tomou o cuidado de estabelecer, no texto da PEC, que as medidas de ajuste serão adotadas durante a elaboração da proposta orçamentária anual. Ou seja, o Orçamento será enviado ao Congresso com os ajustes já adotados pelo Poder ou órgão que tiver sua despesa obrigatória superior a 95% do gasto primário. O dispositivo evita o que ocorreu com a proposta orçamentária de 2020, quando o governo foi obrigado a programar um montante muito baixo para os investimentos e agora procura adotar medidas destinadas a abrir espaço orçamentário para aumentar as despesas discricionárias.
Entre as medidas de ajuste que terão que ser adotadas, consta a proibição de concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da emenda 95.
Direitos sociais
Ao aprovarem a Constituição de 1988, os constituintes definiram que são direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, na forma do texto constitucional. Este é o artigo 6º, que abre o capítulo dos “Direitos Sociais” da Constituição.
Na PEC que trata do novo regime fiscal, o ministro Paulo Guedes e sua equipe propuseram um parágrafo único ao artigo 6º, estabelecendo que, na promoção dos direitos sociais, “será observado o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”. Caso a PEC seja aprovada, o governo poderá alegar que o atendimento a determinado pleito social colocará em risco o equilíbrio fiscal e, com base nesse argumento, negar o atendimento ao pedido.
A preocupação da equipe econômica, de acordo com fonte credenciada do governo, é com a tese, que começa a ganhar corpo entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do “princípio de vedação do retrocesso social”. De acordo com esse princípio, os direitos sociais e econômicos, uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. O princípio limita a reversibilidade dos direitos adquiridos. De acordo com esta tese, seria inconstitucional, por exemplo, uma lei que extinga o direito ao seguro-desemprego.
O “princípio de vedação do retrocesso social” foi utilizado quando o Supremo julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a mudança que o governo fez na vinculação do gasto com saúde. O objetivo da alteração do artigo 6º proposto pela equipe econômica é fazer com que a Justiça brasileira comece a entender que, para assegurar direitos sociais, é preciso olhar a questão do financiamento da política pública, explicou a fonte.
Nesse sentido, a PEC do novo regime fiscal determina, por exemplo, que decisão judicial que aumente a despesa pública somente será cumprida quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária.
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