quinta-feira, 7 de novembro de 2019

O que a mídia pense – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Leilão foi bom para a Petrobras e frustrante para o governo – Editorial | Valor Econômico

Para um governo que precisa muito de dinheiro a curto prazo, o leilão foi ruim

O maior leilão de petróleo do Brasil terminou de forma decepcionante: com a vitória da Petrobras, a ausência de concorrentes e de ágio, além de dois campos sem ofertas. A licitação dos excedentes da cessão onerosa em quatro campos do pré-sal, pelo regime de partilha, teve participação de 90% da estatal brasileira, com pequena participação, de 5% cada, das chinesas CNOOC e CNODC, no campo de Búzios. A Petrobras venceu sozinha o a disputa por Itapu, sem ágio sobre o percentual de óleo oferecido. A arrecadação do bônus de assinatura esperado, de R$ 106,5 bilhões, reduziu-se a R$ 69,96 bilhões, dos quais R$ 34 bilhões serão pagos à Petrobras pelo acordo que pôs fim à cessão onerosa, após anos de litígios.

Das 14 petroleiras inscritas, entre elas as maiores do mundo, 7 compareceram e só três fizeram os lances vencedores. BP e Total indicaram dias antes que ficariam fora da disputa. Entre os possíveis erros que jogaram os campos no colo da Petrobras, um é certo: houve avaliação exagerada do interesse das petroleiras, o que se refletiu em parte nos valores dos bônus de assinaturas e na calibragem dos ágios. Algumas petroleiras haviam indicado insatisfação com os desembolsos necessários, considerados altos demais na fase inicial dos projetos.

Mas ainda que esses valores não fossem elevados - Búzios, por exemplo, tem estimativa de até 15 bilhões de óleo recuperável, o que é muito - havia um acréscimo ao preço, cuja magnitude era incerta e substancial - o pagamento à Petrobras pelos investimentos feitos nos campos em disputa. Isto é, abriu-se uma megalicitação cujo preço final não foi determinado. Nos bastidores da disputa comentou-se que a fatia de ressarcimento da Petrobras era salgada. A Agência Nacional do Petróleo chegou a calcular esse ressarcimento em R$ 45 bilhões. A Petrobras não revelou publicamente quanto pediria, nem o governo deu qualquer dimensão sobre este custo oculto, enquanto que no mercado se especulava com valores entre R$ 35 bilhões e R$ 135 bilhões. Esse custo oculto foi determinante para a frustração do “maior leilão da história”, como qualificou o presidente da ANP, Décio Oddone.

Frustração parecida ocorreu há seis anos, em outubro de 2013, com o primeiro leilão do regime de partilha do campo de Libra, com 8 a 12 bilhões de óleo recuperável. O governo petista igualmente soltou fogos de artifícios antes da hora sobre o suposto interesse de 14 gigantes do petróleo, que teriam de entregar 41,65% do óleo e bônus de assinatura de R$ 15 bilhões. Só houve a oferta da Petrobras (40%), com as mesmas chinesas, CNOOC e CNODC (com 10% cada), mais Shell e Total (20% cada). A então presidente da ANP, Magda Chambriard, disse que o leilão tinha sido bom e que traria R$ 1 trilhão de arrecadação para o governo. A cifra foi a mesma repetida agora pelo ministro de Minas e Energia, Beto Albuquerque. Oddone, da ANP, ressaltou, antes da disputa de ontem, que os “recursos do pré-sal poderão tirar os brasileiros da miséria”. Isto possivelmente vai levar mais tempo do que ele imaginava.

Sem euforia, o resultado não foi ruim para a Petrobras. A estatal teve de ampliar mais do que pretendia sua fatia no negócio para salvar a licitação e vai usar dinheiro em caixa para desembolsar cerca de R$ 30 bilhões do bônus de assinatura e ampliar bastante suas reservas. O temor de que para isso tenha de se endividar mais e aumentar sua alavancagem foi pequeno, assim como foi a magnitude da queda das ações da companhia, na casa de 0,4%, após valorizações no ano perto dos 30%.

Há a esperança do governo de que a disputa dos campos que serão oferecidos hoje ocorra e seja acirrada. Cinco blocos serão ofertados, com bônus de assinatura de R$ 7,8 bilhões e percentual mínimo de óleo excedente entre 26,6% e 36,9%.

O malogro do leilão causou ruídos provisórios na taxa de câmbio. O dólar subiu 2,2%, embalado também pela saída histórica recorde de US$ 8 bilhões, boa parte em portfólio, o que pode significar, ao lado da baixa participação no leilão do pré-sal, que a confiança dos investidores estrangeiros no país não é tão alta quanto o governo alardeia.

Para um governo que precisa muito de dinheiro a curto prazo, o leilão foi ruim. Excluído o pagamento à Petrobras, restam R$ 35,96 bilhões. O ministro da Economia, Paulo Guedes, prometera destinar a Estados e municípios cerca de R$ 30 bilhões, se a licitação fosse o maná que acabou não sendo. Após a divisão, sobram R$ 23,5 bilhões para a União.

Um choque de realismo – Editorial | O Estado de S, Paulo

Forçar uma discussão de problemas vitais quase sempre mantidos sob o tapete é o primeiro mérito, e o mais visível, do pacote de reformas entregue ao Congresso pelo governo. Não se poderá mais ignorar, por exemplo, a situação aberrante de mais de mil municípios incapazes de cobrir um mínimo de seus gastos com recursos próprios. Não mais se poderá encarar como normal um dos maiores absurdos da administração pública, a proibição de reduzir gastos com pessoal em fases de grave crise nas finanças oficiais. Além disso, será mais difícil continuar brincando de federação em um país onde o Tesouro Nacional está a postos, sempre ou quase sempre, para socorrer governos estaduais irresponsáveis. Dificilmente se impedirá a eliminação ou distorção de pontos importantes das três propostas de emenda constitucional (PECs) apresentadas terça-feira. Mas, feito o jogo, recuar poderá ser muito custoso.

Haverá ganhos de racionalidade e eficiência mesmo com aprovação parcial do pacote. Com a criação do estado de emergência fiscal, a administração poderá desindexar despesas obrigatórias e diminuir jornada de trabalho de servidores, com redução proporcional de salários. Além disso, a chamada PEC Emergencial permitirá incluir no Orçamento medidas para adequação à regra de ouro (proibição de tomar empréstimos para cobrir custeio) e suspender por dois anos promoções de funcionários (com exceções) e concessão de reajustes.

Além de maior flexibilidade para enfrentar crises, os três níveis de governo poderão dispor de orçamentos menos engessados. Este problema vem sendo discutido, sem resultado, desde os primeiros anos da Constituição aprovada em 1988. Vinculações de verbas dificultam enormemente, há muito tempo, a administração das finanças públicas brasileiras. Os casos mais notáveis são os da educação e da saúde. Governantes são obrigados a aplicar nessas áreas determinadas porcentagens da receita, mas nem por isso os padrões de qualidade são tão bons quanto poderiam ser nessas duas áreas.

A mera obrigação de gastar dispensa os administradores de planejar e de justificar tecnicamente suas despesas. Ao contrário: as vinculações têm dificultado a fixação de prioridades e favorecido o desperdício e a corrupção.

Autorizados a juntar os valores mínimos destinados à educação e à saúde, os gestores poderão distribuir os gastos com maior liberdade entre os dois setores, mais de acordo com as condições e necessidades de cada um e segundo as prioridades fixadas para cada período. A solução mais ampla e mais favorável à racionalização da despesa eliminaria qualquer resquício de vinculação. O orçamento público ficaria bem mais funcional, mais adequado a um exercício permanente de planejamento e mais propício à adequação dos programas aos meios disponíveis.

Mesmo com ampla reforma, despesas incontornáveis continuarão predominantes no orçamento público, no Brasil ou em qualquer país com tolerável organização. Construir uma escola ou um hospital pode ser um ato de liberdade, mas a partir daí o governo tem de manter as novas instalações em funcionamento. Investimento gera custeio, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada. Mas pode-se manter o avanço do gasto obrigatório em ritmo compatível com o crescimento da economia e da receita fiscal. A reforma da Previdência é um passo para isso, assim como a desindexação de despesas e a eliminação de vinculações.

A criação do Conselho Fiscal da República, composto de representantes da União, dos Estados e dos municípios, poderá contribuir para a consolidação de um novo sentido de responsabilidade na gestão das finanças públicas. É uma novidade promissora, mas a disciplina vai depender, em primeiro lugar, da imposição de regras como a proibição de socorro a governos estaduais irresponsáveis pela União.

As três propostas de emendas constitucionais podem ter defeitos, mas sua tramitação será dificultada mais provavelmente por seus aspectos mais positivos. Será mais um teste para os congressistas e para o núcleo político do Executivo.

Tratamento igual – Editorial | Folha de S. Paulo

Ao propor isenção de visto sem reciprocidade, país contraria ação bem-sucedida

Em seu tour asiático, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que isentaria de vistos para viajar ao Brasil cidadãos da China, da Índia e do Qatar, sem exigir reciprocidade desses países.

Bolsonaro já havia pouco tempo atrás dispensado de autorização os nacionais da Austrália, do Canadá, dos EUA e do Japão, também sem cobrar igual tratamento para os brasileiros.

A medida atende aos apelos de autoridades e entidades ligadas ao turismo, mas contraria décadas de estratégia da diplomacia brasileira, que sempre se pautou pelo princípio da reciprocidade: isentam-se de vistos os cidadãos das nações que isentarem os brasileiros.

A iniciativa presidencial representa um novo erro na cada vez mais longa lista de barbeiragens de política externa cometidas pelo governo. Para início de conversa, não é possível afirmar que a abordagem adotada até aqui pelo Itamaraty tenha sido um fracasso.

Afinal, brasileiros podem viajar sem necessidade de autorização prévia para 170 países, o que põe o Brasil na 17ª posição no rol de nações com mais acesso ao exterior.

Já os cálculos dos que afirmam que a isenção de vistos trará um grande incremento ao turismo nacional parecem fantasiosos.

O Brasil recebe hoje aproximadamente 6,6 milhões de turistas por ano. É pouco. A Costa Rica, com território comparável ao do Rio de Janeiro, recebeu 3 milhões de estrangeiros em 2018.

Não é preciso, porém, PhD em turismologia para perceber que altos custos, violência, a infraestrutura precária e a distância são barreiras muito mais importantes para o fluxo de visitantes do que os procedimentos burocráticos e as poucas dezenas de dólares de um visto.

E os desincentivos ao turismo vêm ganhando novos elementos na atual gestão, como o derramamento de óleo no litoral nordestino, as queimadas na Amazônia e a própria imagem de ser um país dirigido por um grupo de extremistas que não toleram gays e ainda têm atitudes misóginas e racistas.

Há até um argumento matemático a sustentar a posição tradicional do Itamaraty. Estudiosos da teoria dos jogos já demonstraram, tanto em artigos acadêmicos como em torneios envolvendo programas de computador, que a reciprocidade, o "olho por olho" se é lícito utilizar a expressão bíblica, é a estratégia mais eficiente para promover a cooperação entre indivíduos --e também grupos que interagem com certa frequência.

Se o governo Bolsonaro pretende mudar esse expediente, que conta com a chancela da ciência e obteve bons resultados ao longo das décadas em que foi utilizado, deveria apresentar uma razão melhor do que estimativas baseadas mais em desejo do que em realismo.

Bolsonaro hostiliza Argentina e deixa Mercosul para EUA, França e China – Editorial | O Globo

Não é casual que Trump e Macron tenham reforçado vínculos com o presidente eleito Alberto Fernández

A mensagem apareceu às 06h06m de ontem, assinada por Jair Bolsonaro na sua rede social: “MWM, fábrica de motores americanos (sic), a Honda, gigante de automóveis e a L’Oréal, anunciaram o fechamento de suas fábricas na Argentina e instalação no Brasil. A nova confiabilidade do investidor vem para gerar mais empregos e maior giro econômico em nosso país.” Na sua tortuosidade, o texto celebrava a confiança no Brasil, onde ocorre recuperação de investimentos refletida na alta de 2,2% do Produto Interno Bruto do setor privado no segundo trimestre.

Realçava o contraste com a Argentina, em grave crise econômica, onde há dez dias o eleitorado decidiu entregar o poder à coalizão peronista comandada por Alberto Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner — escolhidos por Bolsonaro como adversários “de esquerda”.

Por óbvio, a mensagem do presidente brasileiro provocou tumulto em Buenos Aires. Principalmente, porque estava errada. Foi apagada depois de desmentida pelas empresas. Toda essa confusão foi desnecessária.

Na essência, reafirmou-se o desnorteamento da política externa brasileira, cuja característica recente tem sido a hostilização de parceiros fundamentais, como é a Argentina.

Durante a campanha presidencial argentina, Bolsonaro afirmou publicamente preferência pelo presidente Mauricio Macri, derrotado nas urnas. Seguiu o manual de interferências externas indevidas formatado pelo adversário Lula, que rompeu com a tradição de equidistância diplomática ao apoiar candidaturas de Hugo Chávez, na Venezuela; Rafael Correa, no Equador; Ollanta Humala, no Peru; Evo Morales, na Bolívia; Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina.

Bolsonaro copia Lula no ativismo político em questões internas de outros países, justificando preferências com peculiar interpretação do conceito de ideologia. Mas é só aparência. Na realidade mostra que o Itamaraty perdeu a bússola na sua gestão e, com amadorismo, escancara portas à concorrência de Estados Unidos, França e China na área de maior relevância geopolítica aos interesses do Brasil, a América do Sul.

Não é casual que, no vácuo aberto pelo governo Bolsonaro, Donald Trump e Emmanuel Macron tenham reforçado vínculos com o presidente eleito da Argentina Alberto Fernández. Também não é coincidência o avanço da China no Mercosul, ocupando mercados que estavam sob hegemonia brasileira.

Em política externa não há amizades, somente interesses.

Fiscalização de barragens em xeque – Editorial | O Globo

Agência Nacional de Mineração e CPI de Brumadinho culpam mineradora e poupam governos

Desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, no dia 25 de janeiro, havia indícios de que o desastre, que provocou a morte de 252 pessoas e deixou 18 ainda desaparecidas, não ocorreu por acaso, resultado de um fenômeno súbito, que escapasse ao controle dos responsáveis pela estrutura. Passados mais de nove meses, a suspeita de que a tragédia poderia — e deveria — ter sido evitada é corroborada não só pela investigação da Agência Nacional de Mineração (ANM), a quem cabe fiscalizar as represas, mas também pela CPI de Brumadinho, na Câmara dos Deputados, e pela apuração da Polícia Federal.

De acordo com o relatório de 194 páginas da ANM, divulgado na terça-feira, a Vale tinha conhecimento de que havia problemas na estrutura, mas enviou à agência informações diferentes das que constavam em seu sistema. Além disso, omitiu anomalias graves, como disfunções decorrentes da instalação de drenos, que poderiam ter levado a uma inspeção e, possivelmente, à interdição da área, o que teria salvado vidas.

Também na terça-feira, a CPI de Brumadinho aprovou o seu relatório final, propondo o indiciamento da Vale, da consultora TÜV SÜD — que atestara que a barragem era estável — e de 22 pessoas, entre elas o então presidente da mineradora, Fabio Schvartsman.

As duas investigações, uma do governo (ANM) e outra da Câmara, produziram quase 3 mil páginas de relatórios. Em comum, o fato de responsabilizarem a mineradora pela tragédia.

Registre-se que a CPI concedeu uma espécie de indulgência à omissão estatal, dispensando tratamento generoso ao ex-governador de Minas Fernando Pimentel (PT), que facilitou a renovação da licença da barragem. Nesse sentido, a CPI, relatada pelo petista Rogério Correia (MG), flertou com a manipulação política.

De modo geral, as investigações convergem. Ao concluir um relatório parcial de apuração, em setembro, a Polícia Federal indiciou sete funcionários da Vale e seis da TÜV SÜD. Segundo a PF, eles manipularam a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), omitindo-se de analisar critérios técnicos e inserindo dados falsos nas auditorias.

A verdade é que os resultados de diferentes investigações põem em xeque o sistema de fiscalização de barragens de rejeitos no Brasil, à medida que evidenciam a pouca confiabilidade dos dados informados pelas empresas à Agência Nacional de Mineração. Não surpreende que Brumadinho figurasse no cadastro da ANM como tendo “baixo risco” de acidentes. Se mineradoras omitem informações relevantes e apresentam laudos forjados, passa-se a trabalhar com um cenário irreal, e explosivo. Daí a importância de se tratar Brumadinho como caso exemplar, para que se ponha fim à sensação de impunidade a empresas, executivos e governantes. Caso contrário, este será só mais um nome numa lista trágica e sem fim.

Nenhum comentário: