- O Globo
Nenhuma dúvida, o mercado já tem o seu candidato para a sucessão de Bolsonaro em 2022. Você pode dizer que é muito cedo para falar em eleição presidencial. Seria, se as circunstâncias fossem outras. Mas, diante das trapalhadas sem fim da turma encarregada, não se fala em outra coisa. O pacote de Paulo Guedes, apesar de ter alguns problemas, credencia o seu criador a postular mais adiante o principal cargo do país. As medidas apresentadas na terça-feira aliadas à reforma da Previdência transformam o ministro da Economia na persona que se buscava
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Guedes, que assumiu o papel de missionário do liberalismo, sabe muito bem o que está fazendo, aonde quer chegar, e em quanto tempo. Ele trabalha com metas, e vem atingindo todas nos primeiros dez meses de governo. Muito certamente o pacote será modificado e abrandado pelo Congresso, mas o ministro já pavimentou bem sua relação com as principais lideranças do Congresso, sobretudo com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.
Até parece que foi Guedes, e não Bolsonaro, que exerceu sete mandatos consecutivos na Câmara. Já se viu na tramitação da reforma da Previdência que Bolsonaro atrapalhou mais do que ajudou na sua aprovação. Enquanto isso, Guedes foi a cada uma das comissões que o convocaram nas duas casas para esmiuçar e defender sua proposta. Com Rodrigo Maia, rodou fóruns e redações de jornais, participou de seminários, foi questionado em sabatinas num verdadeiro da reforma previdenciária. A história vai atribuir a Guedes e a Rodrigo o mérito pela sua aprovação.
O novo pacote de Guedes ainda será seguido de outras medidas, mas o que ele quer fazer agora é uma ampla e sem precedentes reforma do Estado. Há aspectos positivos e negativos no pacote, mas não se pode negar que a iniciativa foi corajosa e tem como objetivo final reduzir gastos, equilibrar contas, tirar o país do atoleiro. O Estado (União, estados e municípios) não pode consumir metade de toda a riqueza produzida pelo país, é obsceno. Pior, o Estado engole metade do PIB nacional e devolve para a sociedade, quando devolve, serviços e obras de baixíssima qualidade.
Na questão administrativa, é inegável que rearrumar a casa é urgente. Extinguir municípios que não conseguem se sustentar é obrigatório. Reavaliar fundos e reduzir subsídios é imprescindível. Também não se pode ter expectativa de aumento de salário quando o empregador está perto de quebrar. Do outro lado, claro que o Estado é gigante, tem que ser reduzido, mas também cabe a ele estabelecer políticas sociais, trabalhar pela redução da pobreza, em valores alarmantes no Brasil, melhorar a distribuição da renda. Nenhum desses pontos é contemplado nas três propostas de emenda de Guedes.
Ele afirma que o fortalecimento da iniciativa privada é a única forma de gerar emprego e renda. Verdade inequívoca. Mas, para fiscalizar essas empresas privadas e suas relações com trabalhadores e com consumidores, é preciso fortalecer agências reguladoras e outros mecanismos oficiais. O Estado não pode abrir mão dessa obrigação ou simplesmente deixar ao mercado a definição dos parâmetros necessários para regular suas relações.
Caberá ao Congresso encontrar um meio-termo. De qualquer modo, se o pacote for aprovado, mesmo desidratado, o dono da bola será Paulo Guedes. Seus méritos estarão delineados e servirão para balizar a eleição presidencial de 2022. Sua habilidade em negociar e a oratória contundente que o distingue serão aliadas fortes agora, nos entendimentos com o Congresso, e em 2022, no embate eleitoral.
Para os muitos que já se arrependeram de ter votado em Bolsonaro e buscam alternativas de centro, Guedes pode ser o nome. Se for candidato, como já sonha o mercado, correrá na mesma raia que João Doria e Luciano Huck. O contêiner de novidades que vai introduzindo na economia nacional pode ser sua maior alavanca em 2022. Mas tem que dar resultados, seus efeitos precisam ser sentidos nos próximos dois anos e meio. Só assim o sonho do mercado será viável.
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