- Valor Econômico
Estamos caminhando para a transformação do planeta em uma estufa
Quatro anos atrás foi Paris; nas próximas duas semanas será Madri. O cenário muda, mas a mensagem não: o mundo está ficando sem tempo para frear uma mudança catastrófica no clima. Os esforços feitos para honrar a promessa de Paris 2015 de limitar o aumento da temperatura média global a menos de 20 C, preferencialmente 1,5º C, acima da média pré-revolução industrial, têm sido “totalmente insuficientes”, segundo o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU). António Guterres, num pronunciamento feito na Espanha antes do encontro CoP-25 sobre o clima, para negociar o sistema de negociação de emissões, alertou que a Terra caminha para um “ponto sem retorno”. Ele culpou os políticos por continuarem subsidiando os combustíveis fósseis e se recusando a taxar a poluição.
Talvez Guterres tenha lido um artigo publicado na “Nature” na semana passada, especulando que o planeta pode já ter chegado a um estado crítico de aquecimento e que agora estaria condenado, climaticamente falando. A análise de “nove pontos climáticos críticos” conclui que estamos numa “emergência planetária” e possivelmente caminhando para a transformação do planeta numa estufa.
Algumas mudanças climáticas, como o derretimento descontrolado das camadas de gelo, eram historicamente previstas para ocorrer na eventualidade de as temperaturas globais médias subirem 5º C, mas modelos mais recentes reduziram parte dessas margens para algo entre 1º C e 2º C.
O pior é que esses pontos críticos podem interagir uns com os outros de maneiras desconhecidas, segundo alertam os pesquisadores, ameaçando criar uma onda global e irreversível de aquecimento. “Se ondas críticas e danosas e um ponto crítico global não podem ser descartados, então essa é uma ameaça existencial à civilização”, escreve Timothy Lenton, diretor do Global Systems Institute da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que colaborou com acadêmicos na Alemanha e Dinamarca.
Do ponto de vista do gerenciamento de riscos, eles conclamam uma ação política e econômica imediata para manter a alta das temperaturas abaixo de 1,5º C. Um ponto crítico é definido pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas como uma “descontinuidade em grande escala” em uma parte do clima da Terra. Partes inter-relacionadas incluem pontos familiares como a camada de gelo do mar Ártico e a floresta amazônica.
Componentes menos conhecidos incluem a Circulação Meridional de Capotamento do Atlântico, uma “esteira transportadora” que desloca mais para o fundo do oceano as águas quentes que seguem dos trópicos para o norte e traz mais para a superfície as águas frias que rumam do norte para o sul; e as taigas, as florestas perenes que circulam as latitudes mais ao norte, que às vezes cobrem a permafrost (camada de terra congelada) e atuam como um enorme reservatório de carbono.
Na prática, um ponto crítico é um limiar além do qual uma pequena alteração pode ter efeitos abruptos e irreversíveis. Alguns componentes do clima mundial, sugerem os pesquisadores, parecem mais próximos desse limiar do que outros. A camada de gelo que cobre a Groenlândia pode estar se aproximando de um ponto em que ela vai encolher de um modo inexorável. A perda de gelo no mar ártico é outro potencial ponto de ignição: o gelo reflete mais a luz do sol do que as águas escuras do mar, de modo que o derretimento do gelo alimenta uma maior absorção de calor, intensificando o aquecimento.
Os dois fenômenos podem já estar alimentando a instabilidade no sistema, empurrando mais água para o Atlântico Norte e desacelerando a “esteira transportadora”. Em troca, uma circulação mais fraca poderá, ao ir ao encontro às monções no oeste da África, provocar uma seca na região de Sahel na África. O efeito dominó subsequente inclui águas mais quentes no Oceano Antártico, que poderão acelerar a perda de gelo da Antártica.
Uma vez que os dominós do clima começarem a cair, os riscos se tornam duplos: não só haverá uma desaceleração na limpeza das emissões que estão ocorrendo, como o planeta também poderá começar a arrotar o carbono já capturado. As emissões da permafrost, por exemplo, poderão injetar 100 gigatoneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Isso equivale a três anos de emissões de CO2 (um recorde de 33,1 gigatoneladas foram emitidas globalmente em 2018, segundo a Agência Internacional de Energia).
Mas nem todo mundo apoia as análises apocalípticas. “O colapso da camada de gelo da Groenlândia é bastante improvável com um aquecimento de 1,5º C, ou ela levaria séculos para derreter. Portanto ela não se encaixa na percepção de um leitor sobre o ponto crítico”, alerta Piers Forster, professor de mudanças climáticas físicas da Universidade de Leeds e um autor do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças do Clima. Mas o professor Forster concorda que o atraso na descarbonização poderá nos levar para um “futuro catastrófico.
Na medida em que o mundo for aquecendo, precisaremos gastar mais e mais... enfrentando os riscos e nos adaptando para um futuro mais quente, com fluxos apropriados de dinheiro passando do Hemisfério Norte para o Hemisfério Sul. Isso drenaria riqueza e capacidade das sociedades que estão tentando chegar às emissões líquidas zero. Se isso acontecer, veremos uma catástrofe”. Nada de apocalipse, portanto, e sim uma catástrofe: o palavreado muda, mas a mensagem não. (Tradução de Mario Zamarian)
*Anjana Ahuja é comentarista do Financial Times especializada em assuntos científicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário