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A chacina de Paraisópolis
A falta de experiência política foi um trunfo usado por João Doria para se eleger prefeito e governador de São Paulo em menos de quatro anos. Pois ela agora se voltou contra ele depois da chacina que deixou nove mortos e 12 feridos na favela de Paraisópolis, a maior da capital paulista, onde moram cerca de 100 mil pessoas.
Somente um político amador, e também insensível, agiria como ele agiu e diria o que ele disse quando ainda jaziam insepultos os corpos dos jovens entre 14 e 23 anos que tentavam escapar com vida da fúria de policiais despreparados. Ou melhor: da fúria de policiais preparados para bater e matar se necessário ou não.
Ao invés de reagir com indignação ao que aconteceu e que poderá lhe custar a carreira, Doria disse sobre a chacina, uma espécie de mini Carandiru que manchará sua biografia para sempre:
“A letalidade foi provocado por bandidos e não pela polícia, tanto que o baile continuou. Nem deveria ter sido realizado. A polícia segue rigorosamente todos os protocolos. Não significa que seja infalível, mas a política de segurança pública não vai mudar.”
E foi em frente no mesmo tom:
“As ações em Paraisópolis de busca e apreensão de drogas ou de roubo de bens vai continuar. A existência de um fato não inibirá as ações de segurança. Possíveis erros da polícia ali serão investigados como excessos circunstancialmente cometidos”.
Por desinformação ou preferência por reescrever os fatos, Doria atribuiu a “bandidos” o que ocorreu unicamente por obra e graça de 38 policiais que invadiram uma rua onde cinco mil pessoas se divertiam a céu aberto em um baile funk. Disseram que perseguiam dois motoristas que teriam atirado em sua direção.
Mentira ou verdade? Mesmo que fosse verdade, ir à caça de dois motoqueiros em meio a uma multidão é um desrespeito a qualquer protocolo policial. Espancar e atirar com balas de borracha em fatias da multidão em fuga por becos e vielas sem saída foi o que provocou as nove mortes por “asfixia mecânica”.
Chamar a chacina de “fato que não inibirá as ações de segurança” é revelar uma ausência de compaixão que não se espera de uma figura pública eleita pelo voto. Da mesma forma, antecipar que “possíveis erros da polícia” em Paraisópolis “serão investigados como excessos circunstancialmente cometidos”.
Possíveis erros? Por tudo o que já se sabe, Doria ainda tem dúvida de que a polícia errou? Erros que resultaram na morte e no ferimento de pessoas podem ser considerados apenas “excessos circunstancialmente cometidos”? Doria assim os consideraria se praticados no Morumbi, bairro vizinho à favela?
Em linha com o governador, o coronel Marcelino Fernandes, comandante da Corregedoria da Polícia Militar, anunciou o afastamento de 6 dos 38 agentes que se envolveram na ação. Para quê? Segundo o coronel, “para preservá-los”. Está sendo montado o cenário para que daqui a meses os 6 policiais sejam inocentados.
Nada que cause espanto. Em setembro último, Doria afirmou que não é prioridade de sua gestão reduzir o índice de mortes em ações policiais. Na ano passado, dissera: “Se fizerem o enfrentamento com a polícia e atirarem, a polícia atira. E atira para matar”. Lembra alguém? Bolsonaro? Wilson Witzel? Quem mais?
Sem licença para matar
Exclusão de ilicitude nunca mais
A chacina de Paraisópolis selou para sempre a sorte do projeto de lei despachado para o Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro que trata da chamada excludente de ilicitude. Ou seja: define situações em que militares e agentes de segurança podem ficar isentos de punições ao cometer crimes, como matar.
Em setembro passado, uma proposta semelhante foi retirada do pacote de leis anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, que tramita na Câmara dos Deputados. Se o ambiente no Congresso já era desfavorável à aprovação do projeto de Bolsonaro, tornou-se mortal depois da chacina na capital paulista.
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