- O Globo
Não há como arguir que a abertura comercial deva ser feita apenas depois da redução do custo Brasil
Em reunião com representantes da indústria química, o ministro Paulo Guedes disse que “não vamos soltar a indústria estrangeira em cima da indústria nacional antes de nós simplificarmos impostos... É uma abertura gradual... e vai ser feita em cima de energia barata, de custos de logísticas mais baratos”.
Em artigo no GLOBO (27/11), Rubens Penha Cysne adverte que “determinadas reformas podem sempre ser contraproducentes se implantadas na ausência de outras que naturalmente as complementem. Por exemplo, abertura econômica sem que se complete minimamente o dever de casa da infraestrutura e do sistema tributário”.
O que surpreende é que tanto Guedes como Cysne defendem a abertura, porque sabem que ela é essencial para o Brasil se tornar um país rico. Não obstante, no atual governo ela vai ficando para as calendas, para quando tivermos uma infraestrutura supimpa e um sistema tributário de primeiro mundo.
Essa postura não tem respaldo nem na teoria nem na prática. Tomemos a questão da deficiência da infraestrutura, parte integrante do “custo Brasil”, que faria os preços dos produtos brasileiros se tornarem maiores dos que os de nossos parceiros comerciais. Se isso fosse verdade, e houvesse abertura, raciocinando por absurdo, o Brasil pouco exportaria, e haveria uma avalanche de importações.
Tal coisa, entretanto, jamais aconteceria. Porque, antes que um desequilíbrio de tal magnitude se manifestasse, o câmbio se desvalorizaria, pressionado pela antecipação de um aumento da demanda por dólares para as importações acrescidas. Com o dólar mais caro, aumentariam os preços em reais dos produtos importados e cairiam os preços em dólares dos produtos exportados, diminuindo assim as importações e expandindo as exportações.
Imaginem que o dólar valesse R$ 4 e que um sapato brasileiro custasse R$ 100 (ou US$ 25) e um sapato chinês custasse US$ 20 dólares (ou R$ 80).
Aparentemente, os sapatos brasileiros não conseguiriam competir com os sapatos chineses. Mas quando o governo anuncia que vão cair as tarifas sobre as importações, o câmbio se desvaloriza, digamos, para R$ 5 por dólar. O preço do sapato chinês aumenta para R$ 100 e o do sapato brasileiro cai para US$ 20.
Melhora, assim, a capacidade dos sapatos brasileiros de competirem com os chineses.
Nenhuma razão, portanto, para o país se fechar ao comércio por causa de infraestrutura deficiente, do custo Brasil. Um país que se abre ao exterior com custos altos é também um país com moeda que se desvaloriza, e isso é tudo.
Consideremos agora a carga tributária, alta e complicada. Mas os tributos altos e complicados também encarecem os concorrentes importados. Quando, por outro lado, os produtos domésticos são exportados, os impostos que seriam pagos são compensados por créditos tributários.
Assim, os impostos não afetam as condições de concorrência dos produtores nacionais. De novo, não se justifica fechar-se ao comércio exterior por causa deles. Não há, pois, como arguir que a abertura comercial deva ser feita apenas depois da redução do custo Brasil ou da simplificação dos tributos.
Do ponto de vista da economia política, a sequência oposta seria mais indicada: abrir logo a economia para que a maior concorrência por ela provocada force o governo e o setor privado a reduzir o custo Brasil e simplificar os impostos.
Desse modo, a abertura seria feita com equilíbrio comercial sem a necessidade de um câmbio mais desvalorizado.
Postergar a abertura apenas favorece a defesa dos interesses de empresas que são incapazes de competir, e que subsistem porque podem impunemente explorar os brasileiros com seus produtos caros e de baixa qualidade. Tal é a realidade de nosso liberalismo tropical.
*Edmar Bacha é economista
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