domingo, 22 de dezembro de 2019

Míriam Leitão - Moralidade como estratégia eleitoral

- O Globo

Detalhes do caso Flávio mostram que o combate à corrupção foi só uma estratégia de marketing para ajudar na eleição de Bolsonaro

O presidente Bolsonaro estava uma pilha na sexta-feira. Foi ainda mais agressivo do que o costumeiro no ataque aos repórteres que ficam na porta do Palácio. Era fácil saber o motivo do nervosismo. Seu filho Flávio está com uma montanha de explicações a dar sobre o que se passava no seu gabinete quando era deputado estadual, nos seus negócios com imóveis e no funcionamento da sua loja de chocolates. A bandeira de que faria um governo de combate à corrupção sempre foi postiça, mas fica mais difícil empunhá-la quanto mais detalhes vêm à tona sobre a estranha movimentação bancária de Fabrício Queiroz e a maneira como o senador conduzia seu gabinete de político e seus empreendimentos.

A defesa de Flávio Bolsonaro se agarrou mais uma vez à mesma estratégia de pedir para paralisar a investigação. O que o Ministério Público do Rio de Janeiro levantou até agora exigirá muitos esclarecimentos por parte do senador. Melhor fazê-los do que atacar o juiz como fez o presidente. Se Bolsonaro perguntar ao seu ministro da Justiça, Sergio Moro poderá contar das vezes em que foi atacado por suas decisões na 13ª Vara Federal de Curitiba. É tudo muito parecido com o que agora Bolsonaro diz de Flávio Itabaiana da 27ª Vara Criminal do Rio.

Dezenas de funcionários do gabinete do então deputado não compareciam ao local de trabalho, nunca pediram crachá, recebiam seus salários dos cofres públicos e faziam depósitos rotineiros na conta de Fabrício Queiroz. Havia de tudo: personal trainer que tinha emprego no outro lado da cidade, estudante de veterinária que estudava a quilômetros do Rio, cabeleireira com trabalho fixo. Difícil é saber quem de fato trabalhava naquele gabinete.

Nesta lista dos servidores de Flávio estavam a ex-mulher e a mãe do PM Adriano da Nóbrega, acusado de fazer parte de um grupo de milicianos. O mesmo Adriano foi duas vezes homenageado na Alerj, a pedido do deputado Bolsonaro, uma vez com a Medalha Tiradentes, quando ele já tinha sido preso por homicídio. Adriano, em conversa com a ex-mulher Danielle Mendonça, admite que era beneficiário de parte do dinheiro que ela recebia. “Contava com o que vinha do seu também.” A própria Danielle informa em conversa com a amiga que sabia da origem ilícita do dinheiro que por anos recebeu. Aliás, as mensagens trocadas entre ela e Queiroz iluminam o esquema. Ele avisa que ela talvez tenha que ser exonerada — do local onde nunca trabalhou na verdade — para não comprometer Flávio que ficará mais exposto com a eleição.

Dez pessoas da família da ex-mulher do presidente Bolsonaro recebiam salário da Alerj e moravam em Resende. A explicação de Flávio era de que se tratava de um escritório político do interior. Todos numa única cidade, todos parentes entre si e ligados a um dos casamentos do pai. A explicação não é crível.

Há ainda fatos estranhos na compra e venda de imóveis em Copacabana. O vendedor Glenn Dillard entrega os imóveis por um valor mais baixo do que havia comprado e recebe no mesmo dia os cheques de Flávio Bolsonano no suposto valor dos imóveis e R$ 638 mil em espécie, numa mesma agência a metros da Alerj. Os imóveis são revendidos pouco mais de um ano depois com valorização de 293% e 237%. No mesmo período, o metro quadrado em Copacabana subiu 11%. Há ainda várias confusões contábeis na loja de chocolates. E um cheque de R$ 16 mil de um outro PM depositado na conta da mulher de Flávio.

O caso ainda é o desdobramento de um Procedimento Investigatório Criminal, mas já tem muitas pontas enroladas. A reação do presidente de atacar o juiz, os procuradores, os jornalistas é típico de quem está perdendo a razão.

A popularidade do presidente chega ao fim do ano confirmando ser a mais baixa de um governo no seu primeiro ano de mandato. Só se compara a de Collor, que fez o sequestro dos ativos financeiros das famílias e empresas do país. Seu discurso de combate à corrupção foi atingido pelos laranjais do ministro do Turismo que ele nunca demitiu, pelas irregularidades do partido com o qual se elegeu e do qual saiu, mas principalmente por sombras que cercam seu filho nessa investigação. Quem acompanhou a vida política de Bolsonaro sabe que o discurso da moralidade pública que usou nos palanques foi apenas o que foi: uma estratégia eleitoral.

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