“Em resumo, há algo de novo no ar e não apenas nas plagas brasileiras. Uma nova sociedade está se formando e não se vê claramente que instituições políticas poderão corresponder a ela. Dito à moda gramsciana: o velho já morreu e o novo ainda não se vislumbra; ou, se vislumbrando, não é reconhecido, acrescento.
Que força motora provoca tão generalizadas modificações? Relembrando o assessor de Clinton que dizia sobre o fator-chave nas eleições “é a economia, seu bobo”, poder-se-ia dizer agora: é a globalização (como digo há décadas). Esta surgiu com as novas tecnologias (nanotecnologia, internet, robotização, contêineres etc.) que revolucionaram as relações produtivas, permitiram a deslocalização das empresas, a substituição de mão de obra por máquinas, a interconexão da ´produção e dos mercados etc. Tudo visando ‘maximizar os fatores os fatores de produção’, ou seja, concentrar os centros de criatividade, dispersar a produção em massa para locais de mão de obra abundante e barata e unificar os mercados, sobretudo financeiros. Criaram-se assim condições para a emergência de sociedade novas.
Novas não quer dizer ‘boas sociedades’, depende de para quem. Sem dúvida, o crescimento exponencial da produtividade e de produção aumentou a massa de capitais no mundo. Sua distribuição, entretanto, não sofreu grande desconcentração. Mais ainda, o ‘progresso’ trouxe, ao lado da diminuição da pobreza no mundo, o aumento do desemprego formal e dificuldade para a empregabilidade, posto que o trabalho humano conta mais, nos dias de hoje, se com ele vier critividade. Globalmente houve um amortecimento do controle nacional de decisões (pela concentração de poder nos polos criativo-produtivos e bancários) sem haver regras de controle financeiro global. Com isso a ameaça de crises, ou ao menos a percepção da possibilidade delas, aumentou as incertezas.
É inegável que a ‘nova sociedade’ incrementa a mobilidade social (forma-se o que, à falta de melhor nome, se está chamando de ‘novas classes médias’) e, ao mesmo tempo, se criam contingentes não desprezíveis de inocupados ou impropriamente ocupados (novas formas de subemprego). Ao mesmo tempo se deslegitimam as formas institucionais anteriores, os partidos, e mesmo as de coesão social (as classes com seus sindicatos e associações). Criam-se sociedades fragmentadas, às que se somam, em situações como a brasileira, a fragmentação dos partidos. Em qualquer caso, dá-se perda de sua credibilidade. Pouco a pouco se dissipam os laços entre ‘a sociedade’ e o ‘sistema político”. Há, portanto, mais a ser entendida e contextualizado do que uma crise do sistema representativo.
Isto implica novos populismo e leva a ‘direita’ ao poder? Não necessariamente. Alain Touraine, em sua apresentação, referiu-se a um tema que lhe caro: liberdade e dignidade são motes nos quais pá que persistir. Mas como? Trump juntou os cacos da ‘velha sociedade’, o rustbelt, temerosa dos outros e do futuro (lá vêm os imigrantes, ou os terroristas, ou extremando, os ‘mulçulmanos’) e ganhou. Macron, contudo, ganhou defendendo a liberdade e o progresso (a globalização e a integração da Europa) e combateu as corporações, poderosas na França.
Em país como o nosso, isso não basta: há que insistir na igualdade (nas políticas sociais, em reformas que combatem os privilégios corporativos). E, principalmente, na ‘dignidade’, no respeito à pessoas e à ética. O ‘basta de corrupção’ não é uma palavra de ordem ‘udenista’. É um requisito para uma sociedade melhor e mais decente. Em momentos de transição, a palavra conta: só ela junta fragmentos, até que as instituições e suas bases sociais se recomponham. É o que nos está faltando: a mensagem que aponte caminhos de esperança para passos à frente.”
*Cf. “Crise, não só política”. In: As esquerdas e a democracia, coletânea organizada por José A. Segatto, M. Lahuerta e Raimundo Santos. Brasília: Verberna Editora/FAP, dezembro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário