- O Estado de S.Paulo
A imprensa livre surge como conquista das revoluções liberais, mas o que tece a liberdade é o exercício radical da liberdade de expressão
Bem sabemos que a imprensa é uma invenção do Iluminismo: para que o poder emane do povo, é preciso que os comuns do povo possam controlar o poder, e para isto foi preciso inventar o ideal da imprensa. A livre circulação das ideias, esse “direito precioso”, aparece na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (artigo 11), de 1789. A liberdade de imprensa, esse “baluarte”, consta da Declaração de Virgínia (art. 14), de 1776. Mas o jornalismo, esse ofício, esse método, esse idioma peculiar pelo qual a imprensa se manifesta diariamente, não se reduz à conquista do liberalismo: é o exercício cotidiano de construção da liberdade.
Em outras palavras, a imprensa livre surge como conquista (sangrenta) das revoluções liberais, mas o que tece a liberdade é o exercício radical da liberdade de expressão, do qual a liberdade de imprensa (que inclui o direito de investigar, fiscalizar e criticar o poder em público) é o centro gravitacional.
Logo, se queremos compreender a democracia como construção social (o que ela é), com direitos que vão além dos horizontes das revoluções liberais (como vão), precisamos pensar o jornalismo não como beneficiário, mas como construtor de liberdades. As boas práticas jornalísticas deixam um saldo de liberdade a mais.
Quanto a isso, devemos distinguir as chamadas liberdades negativas das positivas. As negativas existem à medida que inexistam restrições externas que oprimam o indivíduo (daí o qualificativo negativas): minha liberdade começa onde termina a do outro e, principalmente, onde termina a interferência do Estado sobre mim. Temos aí o espírito do liberalismo por excelência: minha liberdade coincide com minha propriedade e ambas coincidem com minha felicidade (privada).
Mas a esfera privada é pequena para essa matéria. A liberdade de expressão, como a liberdade de reunião, são liberdades não privadas, mas públicas – fluem na direção da ação política. No dizer de Hannah Arendt, são liberdades positivas, liberdades que se afirmam apenas em público. Nesse caso, como já perceberam alguns, como Cornelius Castoriadis, a minha liberdade começa onde começa a do outro.
As liberdades públicas, positivas, vêm completar e dar sentido democrático às liberdades privadas, negativas. Sou livre porque sei que meus iguais exercem suas liberdades públicas e, assim, asseguram a minha. Sou livre porque há jornalistas que investigam, fiscalizam e criticam o poder, mesmo quando discordo do que dizem. Se existem jornalistas exercendo e ampliando suas liberdades públicas, sei que o poder terá menos espaço para abusar de mim.
*Jornalista e professor da ECA-USP
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