quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Derrota de Salvini na Itália dá alento à resistência ao extremismo – Editorial | O Globo

Candidata da Liga Norte perde eleição e dificulta projeto de poder do líder populista e xenófobo

O choque político-ideológico na Europa entre o renascido e crescente nacional-populismo de direita e as forças tradicionais de centro esquerda e centro direita que governaram o continente durante muito tempo — e continuam com espaço de poder na região, embora menor que no passado — se desdobra em vários embates.

As duas visões de mundo — uma que defende o isolacionismo xenófobo e a outra, favorável à União Europeia e à globalização — se enfrentam com várias nuances. No Brexit (saída da Grã-Bretanha da UE), cujo plebiscito foi vencido pelo nacional-populismo, representado hoje pelo primeiro-ministro conservador Boris Johnson, houve o ingrediente da saudade do poder do Império britânico e funcionou, entre outros acenos ilusórios, o de que fechar o país, virar as costas a Bruxelas, levará Londres a trazer de volta o passado. Mesmo assim, o eleitorado britânico fez esta opção, por estreita margem, e terá de conviver com seus resultados.

Em recente eleição na Espanha, o presidente do governo, Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE), venceu o pleito legislativo sem maioria para formar um gabinete. Conseguiu uma aliança improvável com catalães que lutam pela autonomia da região, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), e com o Podemos, de esquerda radical. Assim, criou uma barreira contra a extrema direita. Algo como a “geringonça” portuguesa.

Sucedem-se eleições que indicam a possibilidade de haver algum freio ao avanço da extrema direita no continente. No último fim de semana, o derrotado foi o homem forte do nacional-populismo italiano, Matteo Salvini, líder da xenófoba Liga Norte, e ex-vice-primeiro-ministro do governo de Giuseppe Conte, derrubado por ele.

Não deu certo, mas Salvini se manteve na luta. No fim de semana, com a candidata da Liga, Lucia Borgonzoni, tentou conquistar o governo da Emilia Romana, região do Norte italiano, com longa tradição de esquerda. Uma vitória de Lucia daria forte impulso para Salvini retomar a marcha sobre Roma. Perdeu, porque Stefano Bonaccini, do Partido Democrático (PD), à esquerda, garantiu a reeleição por 51% dos votos contra 43% da candidata de Salvini.

Nada está garantido para as tradicionais forças de centro, à esquerda ou à direita, fiadoras da estabilidade europeia e que patrocinam o projeto de integração no continente, estratégico para a democracia liberal, sob ataque no mundo. Porém, parece já ter sido mais fácil o crescimento do populismo e do nacionalismo extremos.

Não é possível o Enem continuar a ser fonte de crises – Editorial | O Globo

O peso do exame para milhões de pessoas, estudantes e famílias, exige mais cuidado dos governos

Criado em 1998, no final do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, serviria para avaliar os estudantes que concluíssem o ciclo básico. Seria uma das ferramentas que comporiam o painel de controle da qualidade da rede de ensino do país, pública e privada. Antes, voava-se às cegas.

Nestes 21 anos o teste cresceu, terminou convertido em um gigantesco vestibular, usado como chave para a entrada em universidades públicas e até privadas em todo o país. Mas, pelo menos desde 2009, quase a cada ano o Enem é abalado por uma grave falha. Tornou-se uma fonte de temores para milhões de alunos e familiares. Não fosse bastante a tensão que cerca uma prova que decide como será vida no ano seguinte de muitos jovens e pais.

Em 2009, quando o exame recebia um novo formato, “O Estado de S.Paulo” revelou que a prova havia vazado. De maneira irrefutável: roubada na gráfica, ela foi oferecida à repórter do jornal. Suspenso o Enem, o teste terminou sendo refeito durante dois meses, e ao exame remarcado faltou 1,5 milhão de inscritos. Afinal, parte das universidades, como o tempo passou, desligou-se do Enem. Houve ainda anulação de questões e divulgação de gabarito errado.

O que tem acontecido com o Enem deste ano, no governo Bolsonaro, sob a guarda nada confiável do ministro da Educação, Abraham Weintraub, está, portanto, dentro de uma longa cadeia de fatos que comprovam a incapacidade de vários governos de gerirem o Enem, talvez pelo seu gigantismo. O que não exime ministro e sua equipe.

Weintraub, combatente da “guerra cultural” que a extrema direita do governo Bolsonaro move contra inimigos ideológicos, chegou a responsabilizar “esquerdistas” por mais este desastre no Enem. Pelo ridículo, recuou, ao menos por ora. Devido a falhas creditadas à gráfica contratada pelo MEC/Inep, provas foram corrigidas com base em gabaritos errados. Uma aberração. Se não fossem estudantes estranharem suas notas e entrarem nas redes sociais para reclamar, porque não foram ouvidos no MEC, o ministro ficaria comemorando o grande “sucesso” do exame.

Sem segurança absoluta de que a correção das provas passara a ser fidedigna, a Justiça, a pedido do Ministério Público e da Defensoria Pública, suspendeu as inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), onde os estudantes escolhem as faculdades, e o acesso ao Programa Universidade para Todos (Prouni), de concessão de bolsas. Ontem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu ao MEC voltar a processar os resultados.

Mas só aumenta a gravidade do problema: é inadmissível que um sistema de seleção que desta vez teve 5 milhões de inscritos se torne a cada ano menos confiável, sem que haja ações do poder público para restabelecer sua credibilidade. Só há paliativos.

Sem pânico – Editorial | Folha de S. Paulo

Surto de coronavírus na China não é motivo de terror, mas para prontidão das autoridades

O surgimento de uma doença viral inédita, como no caso do surto de coronavírus na China, cria um dilema para as autoridades no mundo todo. Elas têm de tomar providências rápidas para prevenir uma pandemia, mas precisam fazê-lo sem desatar pânico desnecessário.

O espectro a acossar a memória de todos, especialistas e leigos, é a Gripe Espanhola de 1918, que infectou um terço do planeta e matou estimados 50 milhões de pessoas. O vírus H1N1 de então continua a sofrer mutações e ainda representa um desafio de saúde pública.

Gripes suínas e aviárias são objeto de preocupação perene, mas nem de longe apresentam impacto tão desastroso. Os sistemas de atenção melhoraram e dispõem hoje de vacinas para imunizar contra as cepas predominantes a cada ano.

A dificuldade maior reside nas viroses sobre as quais não há informação genética e epidemiológica à mão, como o 2019-nCoV de agora. O surto na cidade de Wuhan começou em dezembro e, em um mês, produziu mais de 4.500 infectados em quase 20 países e ao menos uma centena de mortes, a grande maioria na China.

É cedo para montar um quadro preciso da virose, pois os números mudam a cada dia (não se exclui, ademais, que sejam subestimados pelas autoridades chineses por razões políticas). Acredita-se, provisoriamente, que a incubação desse coronavírus dure de 2 a 10 dias e que cada doente possa infectar até três ou mais pessoas.

Tal imprecisão impede projeções confiáveis para calibrar medidas de prontidão e prevenção. A síndrome respiratória aguda grave (Sars), outro coronavírus que assustou o mundo em 2002 e 2003, teve mais de 8.000 casos confirmados e matou 774, bem menos do que estimavam as projeções mais alarmantes da época.

Verdade que a evolução relativamente benigna da Sars pode ter sido resultado da própria reação enérgica de vários países. De todo modo, cabe pôr o impacto dessas moléstias emergentes em perspectiva, lembrando que o vírus influenza, da gripe, mata 600 mil pessoas por ano no mundo.

No Brasil, já há alguns casos suspeitos; outros surgirão, aqui e noutras nações. O Ministério da Saúde parece atento e preparado para soar o alerta no tempo devido. Até que se confirmem as infecções e se configure —ou não— uma pandemia deveras preocupante, a incerteza prosseguirá.

Não há motivo para alarme, entretanto. E mesmo que se confirme o 2019-nCoV como um coronavírus de fato ameaçador, o melhor a fazer é lavar bem as mãos —bom profilático para qualquer virose— e evitar contato estreito com pessoas vindas da China portadoras de sintomas respiratórios e febre.

No vermelho – Editorial | Folha de S. Paulo

Embora financiável, piora nas contas externas lembra problemas a serem enfrentados

Em meio a notícias favoráveis na economia nos últimos meses, chama atenção a piora no resultado das contas externas brasileiras. Mesmo com a recuperação ainda cambaleante, houve sensível aumento do déficit no conjunto das transações com o resto do mundo.

O rombo no ano passado chegou a US$ 50,8 bilhões (2,8% do PIB), um salto de US$ 9,2 bilhões frente a 2018 e o maior nível em quatro anos. O risco é que uma retomada maior, no contexto de baixa poupança doméstica, esbarre em limitações de financiamento.

No passado, déficits acima de 4% do PIB sempre acenderam alertas por expor o país aos humores do capital internacional.

Embora não haja risco relevante de crise cambial, em função do tamanho das reservas internacionais e do baixo endividamento externo do setor privado, os dados mais recentes sinalizam um quadro menos favorável.

A deterioração nas contas decorre primordialmente da piora do saldo da balança comercial, de US$ 53 bilhões para US$ 39,4 bilhões no período, causada pela queda das exportações. Apenas para a Argentina, o principal mercado para produtos industriais, houve retração de 35% nas vendas brasileiras.

Não se espera uma repetição do mau desempenho neste ano, mas tampouco há sinais de melhoria no desempenho do parceiro do Mercosul. Há riscos também no comércio com a China, principal parceiro comercial do país, cujo acordo com os Estados Unidos prevê sensível aumento de compra de produtos agrícolas americanos.

Do lado do financiamento, ao menos, as condições são mais favoráveis. Continua o padrão de aportes de investimentos diretos, mais do que suficientes para cobrir o déficit e com a vantagem de serem referenciados na moeda nacional.

Seja como for, a piora das contas é um lembrete oportuno de problemas estruturais. O país não consegue fazer crescer as exportações e padece de baixa competitividade em praticamente todos os setores.

A letargia persistente da indústria e a ausência de reação das vendas externas, mesmo após a significativa desvalorização do real nos últimos anos, mostram que o problema não é de fácil resolução.

Além de reformas que induzam ao aumento da poupança interna, será preciso persistir em iniciativas de impacto sistêmico, como simplificação tributária, abertura ao comércio e investimentos em qualificação de mão de obra.

Os sinais das contas externas – Editorial | O Estado de S. Paulo

O déficit de US$ 50,762 bilhões registrado na conta corrente do balanço de pagamentos em 2019 é o maior desde 2015 (quando alcançou US$ 54,472 bilhões), mas não surpreende, pois vinha se desenhando ao longo de todo o ano passado, nem chega a causar preocupações. Há dois importantes fatores que, mantidos nos níveis atuais, asseguram relativa tranquilidade no front externo: um é a manutenção de reservas internacionais expressivas, de US$ 356,9 bilhões no fim do ano passado; outro é o ingresso constante de investimentos diretos no País, que no ano passado somaram US$ 78,559 bilhões.

O resultado do balanço de pagamentos que acaba de ser divulgado pelo Banco Central indica, porém, que as dificuldades crescentes enfrentadas pela balança comercial – que fazem prever redução das vendas externas nos próximos meses, ao mesmo tempo que se espera o crescimento das importações em razão do reaquecimento mais intenso da atividade econômica – devem continuar a pressionar as contas externas do País.

A conta corrente do balanço de pagamentos resume o saldo das transações do Brasil com os demais países na área comercial (saldo da balança comercial) e de serviços (que incluem receitas e despesas com viagens, seguros e aluguel de equipamentos, entre outros itens) e nos fluxo de rendas (por meio de operações como pagamento de juros e remessas de lucros). O principal fator de alta do déficit na conta corrente no ano passado foi a balança comercial. Com exportações de US$ 224,436 bilhões e importações de US$ 185,032 bilhões, o saldo comercial alcançou US$ 39,404 bilhões. Embora tenha alcançado um valor muito expressivo, o superávit comercial do ano passado foi US$ 13,643 bilhões menor do que o de 2018.

A conta de serviços, por sua vez, registrou déficit de US$ 35,141 bilhões, praticamente o mesmo resultado de 2018 (déficit de US$ 35,734 bilhões). A conta de renda primária teve saldo negativo de US$ 55,989 bilhões, pouco menor do que o do ano anterior (US$ 58,825 bilhões). O resultado desses dois outros componentes das transações correntes do balanço de pagamentos deixa claro o papel da balança comercial na deterioração em 2019.

A despeito da reação nervosa observada nos principais mercados mundiais pelo surto de coronavírus, é difícil projetar os efeitos da doença sobre a economia mundial nos próximos meses. Provavelmente a economia da China sofrerá o que os analistas internacionais chamam de “impacto significativo” do vírus cujo desenvolvimento está sendo rápido. Se isso ocorrer, também a balança comercial brasileira sentirá algum efeito, pois a China vem sendo o principal parceiro comercial do País. Antes mesmo do surgimento do coronavírus, porém, a economia mundial apresentava sinais de desaceleração, o que já fazia prever alguma queda nas exportações brasileiras nos próximos meses.

No plano interno, vão se somando sinais de que a recuperação da atividade econômica, embora ainda lenta, tende a se consolidar e, sobretudo, se acelerar nos próximos meses. Isso faz prever aumento das importações de matérias-primas, insumos e bens de consumo final. Isso também tenderá a reduzir o superávit da balança comercial e, mantido o comportamento dos demais componentes do balanço de pagamentos, a pressionar o déficit em transações correntes.

Há, nesse cenário, um dado animador, que é o fluxo de investimentos diretos no País. No ano passado, esse fluxo foi muito mais do que suficiente para cobrir o déficit em transações correntes. Depois de atingir seu ponto mais baixo da década em 2015 – ano em que já surgiam os sinais da recessão causada pelos erros da política econômica da presidente Dilma Rousseff –, os investimentos estrangeiros no setor produtivo começaram a se recuperar. No ano passado, de acordo com relatório recente da Agência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), o fluxo desses investimentos para o Brasil foi impulsionado em boa parte pelo programa de desestatização. A aceleração desse programa em 2020 pode favorecer ainda mais o País nesse aspecto.

As consequências da crise do Enem – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os problemas surgidos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 não estão apenas comprometendo o planejamento das universidades federais. Converteram-se, principalmente, em pavoroso pesadelo para milhares de estudantes que se prepararam para entrar no ensino superior, uma vez que as notas da prova são utilizadas no processo seletivo de universidades federais.

Pelos números do Ministério da Educação (MEC), 1,8 milhão de estudantes se inscreveram no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Como o sistema permite a escolha de mais de uma vaga, ao todo foram quase 3,5 milhões de inscrições, das quais 274.413 em Medicina, 190.454 em Administração e 175.413 em Direito. Os cursos de Ciências Biomédicas, Educação Física e Têxtil e Moda tiveram o maior número de inscritos por vaga ofertada.

Por decisão da Justiça Federal, os resultados não puderam ser divulgados, deixando os estudantes sem ter ideia do que fazer e atrasando o processo de matrícula nas universidades federais. A abertura de inscrições para o Programa Universidade para Todos (ProUni), que concede bolsas de estudo em instituições privadas, também teve de ser suspensa. E, como um processo em cadeia, o MEC acabou ficando sem condições de dar continuidade ao cronograma de outros programas do ensino superior mantidos pelo governo federal, deixando um rastro de frustrações, indignação e revolta entre jovens recém-formados no ensino médio e que assistiam, perplexos, a uma batalha judicial entre o Executivo, por um lado, e o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública Federal, por outro.

Desde que surgiram as primeiras denúncias de que os gabaritos das provas haviam sido trocados e as notas foram lançadas de modo equivocado, o MEC acumulava duas derrotas judiciais – uma na primeira instância e outra no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. E, em vez de anunciar as medidas concretas para evitar que os candidatos aprovados pelo Sisu percam o próximo semestre letivo, pois o calendário das universidades federais já está em curso, o governo pareceu perdido.

A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para tentar derrubar a proibição de divulgação do resultado do Sisu, com multa de R$ 10 milhões por dia em caso de descumprimento. Ontem, o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, liberou a divulgação.

O presidente Jair Bolsonaro falou em “sabotagem” e seus assessores desqualificaram a proposta de abertura dos dados do MEC para uma auditoria externa – devidamente fiscalizada pelo Judiciário – sugerida por entidades do setor educacional. Por seu lado, o ministro Abraham Weintraub prometeu que os prazos do processo seletivo poderão ser reformulados, para evitar que os alunos sejam prejudicados. Foi contraditado pelo presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, João Salles. “O cronograma do Sisu é muito apertado. Um atraso pode provocar um efeito indesejável em relação ao início das atividades, atrasando a matrícula e fazendo com que não haja preenchimento completo das vagas”, afirmou Salles. Argumento semelhante foi invocado pelo diretor executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, Sólon Caldas.

Mais grave ainda, a judicialização do Enem de 2019 pode comprometer a credibilidade da prova e macular de modo indelével a imagem do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que a organizou e aplicou. Por consequência, a insegurança em relação ao Sisu pode levar muitas universidades federais a abandonar esse método de seleção, que foi implantado em 2010. Ao todo, 128 instituições públicas de ensino superior ofereceram 237.128 vagas pelo Sisu no vestibular de 2019. Esses números dão o tamanho do estrago causado pela inépcia administrativa do MEC no primeiro ano do governo Bolsonaro.

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