sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

César Felício - Ação conjunta

- Valor Econômico

Sintonia entre Bolsonaro e Doria é alentadora

Era uma reunião com diversas autoridades presentes na terça-feira. A Itália em peso se reunia para discutir a epidemia de coronavírus que assola o país. Presencialmente, estavam o primeiro-ministro Giuseppe Conte e as autoridades do governo nacional. Por teleconferência, os governadores. A ideia era uniformizar a ação do Estado contra a emergência. O encontro foi um desastre, conforme relatou o diário “La Stampa”, de Turim.

O governador da Lombardia, Attilio Fontana, da oposicionista Liga Norte, já estava irritado com as críticas feitas por Conte nos últimos dias de que o governo da principal região econômica da Itália havia sido negligente no primeiro atendimento aos casos suspeitos no hospital de Codogno, pequena cidade que se tornou um dos focos do surto. Um bate-boca começou entre os dois na reunião. O lombardo disse que Conte estava muito preocupado em ganhar espaço na mídia e interrompeu a ligação chamando o premier de “charlatão”.

O presidente da Itália, Sérgio Mattarella, tenta um acordo para que o governo nacional e a oposição trabalhe em comum acordo com uma epidemia que está ameaçando atirar a economia do país em uma recessão, para não falar do pânico que toma conta da população. O próprio Fontana está em quarentena, porque foi identificado um caso de coronavírus em sua equipe.

No caso da Itália, a disputa política em torno do assunto do coronavírus é um catalisador da crise. Na Coreia do Sul, o segundo país mais contaminado depois da China, com 1.595 casos, a demora em agir diante da emergência desencadeou um processo que pode desestabilizar o governo de Moon Jae-In. Uma petição online com 1 milhão de assinaturas até às 13 horas de ontem exige o impeachment do presidente da República. Moon é criticado na petição por não ter bloqueado o trânsito de cidadãos entre a Coreia do Sul e a China em um primeiro momento. Ele fez o bloqueio apenas em relação à província chinesa de Hubei, e não ao país inteiro. Só o estendeu quando outros 14 países, bem mais distantes da China do que a Coreia já o tinham feito. Quando os sul-coreanos foram atrás de máscaras cirúrgicas para supostamente se protegerem do contágio, constataram que o preço foi para a estratosfera. A petição afirma que a Coreia do Sul forneceu 3 milhões de máscaras para a China, de acordo com relato do jornal “The Korea Times”.

O Irã é uma ditadura, mas ainda assim com um histórico de manifestações oposicionistas que desperta atenção. Publicações do Egito e de Israel registram que há críticas internas às autoridades do país por supostamente terem mascarado o começo da epidemia. Houve eleições no Irã na semana passada e os ultraconservadores queriam garantir grande assistência às urnas.

A epidemia de coronavírus acrescenta à emergência de saúde pública uma crise política em potencial em cada país. O governo precisa lidar com uma onda de pânico, com o controle do vírus propriamente dito e com a estratégia correta para combater a epidemia sem paralisar o país.

No caso brasileiro, os primeiros movimentos mostram que o governo Bolsonaro começou bem, em comparação com os exemplos internacionais citados. O simples fato de o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, demonstrar ação coordenada com o governo de São Paulo para administrar a crise desencadeada pela confirmação do primeiro caso na capital paulista é promissor. Bolsonaro e Doria hoje são antagonistas e potenciais rivais na eleição presidencial de 2022. O governador de São Paulo e o ministro estavam ontem lado a lado em uma entrevista coletiva convocada para apresentar os dados, orientar a população e administrar as expectativas. Sinalizaram que estão juntos na emergência. Mandetta demonstrou otimismo, “a taxa de letalidade vai ficar menor do que se imagina” e cautela, “é um vírus novo e há muito mais perguntas do que respostas”.

O presidente e o governador poderiam estar em um jogo de culpa e de transferir responsabilidades. Não está afastado o risco desta dinâmica se instalar, mas por ora, não é o que ocorre, e há mérito de ambos, há que se reconhecer.

Em um primeiro momento, a crise da saúde pode trazer até dividendos para o presidente e para os outros gestores públicos, como Doria. O perigo maior está nas variáveis que ele não controla.

O coronavírus pode ser perturbador para o governo Bolsonaro a depender do efeito que instale na economia. As dificuldades da agenda econômica avançar no Congresso estão manifestadas e se agravam com a estratégia populista e irresponsável de Bolsonaro em açular as massas contra as instituições.

Com o coronavírus, a economia real - e não apenas as expectativas - pode se deteriorar. Já se calcula o impacto no PIB da diminuição de viagens, de importação de insumos da China, da exportação de commodities, de uma possível redução no comércio global. A revisão de cenários é geral.

O pânico, este sentimento poderoso e paralisador, pode agregar problemas maiores. Só há um caso confirmado em São Paulo, mas já falta álcool gel em algumas farmácias. Absenteísmo no trabalho, impossível de ser contornado plenamente com o uso de novas tecnologias, diminuição de viagens internas, cancelamento de eventos. Para não falar, por óbvio, do impacto em vidas que pode causar no país uma pandemia com este nível de alarme internacional. São Paulo é o foco original. É o grande hub do país, a esquina por onde a nação inteira passa. Embora também seja onde está a maior infraestrutura em saúde.

No plano de voo de Bolsonaro para a eleição de 2022, a expectativa era de uma economia em recuperação. O belicoso presidente não tem estratégia aparente para se apresentar como o gestor de uma crise econômica. O ambiente político não favorece à construção de alianças e a impopularidade presidencial pode crescer.

É uma perspectiva perturbadora, no momento em que crescem as avaliações de que o presidente tem cruzado os limites entre a imprudência e o crime de responsabilidade. Bolsonaro sempre age como se seu mandato estivesse ameaçado e a prática da ciência política ensina que, para o início de um processo de impeachment são necessários cinco fatores: o crime de responsabilidade em si, a falta de base governamental no Congresso, apoio da mídia para a destituição, descrença do mercado em relação ao governo e repúdio popular ao presidente. As condições não estão postas para isso atualmente, mas é importante observar a tendência que existe para cada uma dessas variáveis.

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