- O Globo
Cientistas políticos discutem se a democracia brasileira está em risco, mas concordam que o presidente Jair Bolsonaro estressa as instituições
Uma questão está posta na ciência política brasileira: a democracia no país está correndo riscos ou as instituições estão fortes? Há os que acham que ela tem se enfraquecido a cada novo ataque disparado diretamente pelo presidente da República. Há os que, mesmo reconhecendo problemas, dizem que as instituições vêm respondendo à altura. O ponto principal, contudo, é se é normal que todos tenham que ficar de prontidão para defender a democracia contra os ataques feitos pelo próprio presidente.
Eu, sinceramente, não acho normal. Contudo, acompanho a discussão e ouvi cientistas políticos dos dois lados. Ao ser perguntada se a democracia brasileira corre riscos no governo Bolsonaro, Daniela Campello, da FGV, PhD pela Universidade da Califórnia, diz o seguinte:
— A resposta é um sonoro sim. Está em risco como não esteve nos últimos 30 anos e eu acho sobretudo que o fato de ter havido reação das instituições não é motivo para comemoração nem para descansar. Há um discurso muito agressivo contra a democracia e as instituições que não aconteceu em governos anteriores. Os ataques não podem ser naturalizados.
O cientista político Rogério Schmitt, da Empower Consultoria, com doutorado pelo Iuperj, admite que o governo atual é muito “diferente” dos anteriores, mas diz que quem olha para as estatísticas não vê riscos:
— Eu prefiro sempre olhar os dados. Acho que a gente precisa definir qual é a nossa variável dependente. O que estamos medindo? O apoio ao regime democrático nas pesquisas de opinião continua alto. Em janeiro, saíram duas sondagens mostrando que 60% a 65% dos brasileiros preferem a democracia. A Economist Intelligence Unit (EIU), que tem um ranking internacional, continua colocando o Brasil na lista das “democracias falhas”, como estava anteriormente.
Daniela discorda. Diz que a EIU vem mostrando deterioração da democracia brasileira desde 2014, que o Repórteres sem Fronteiras traz dados sobre o aumento do risco à mídia e que o Latinobarômetro aponta uma queda do apoio à democracia.
— Alguns dados já trazem evidências, mas há uma perda de qualidade mais sutil. Na Funai não funcionou tirar dela a demarcação de terras indígenas, mas agora tem um presidente do órgão que foi indicado pela bancada ruralista. O executivo consegue agir por dentro. A gente viu o que aconteceu com o Indec na Argentina, que calcula os indicadores econômicos. Depois de atacado (no governo Kirchner), ele continuou existindo mas já não desempenhava sua função. Os questionamentos aqui dos indicadores de desmatamento, esses fatos diários que estressam a relação com as instituições não são normais. Não há um pressuposto na democracia de que um Poder tem que questionar e tentar usurpar todos os dias as instituições e os checks and balances terem que sustentar. Na democracia existe uma necessidade de legitimidade, de que todos estejam de acordo de qual jogo está sendo jogado — diz Daniela.
Rogério se define como “refém dos dados”e acha que eles não mostram risco à democracia, mas admite que este é o governo que mais “estressa as instituições democráticas”.
— Acho que a gente está passando por um teste que a gente nunca havia passado. Mas pega uma coisa bem concreta. Em 2019, o Congresso ficou mais forte ou mais fraco? Eu acho que ficou mais forte. Quando a gente olha para questões mais institucionais, com os dados de agências que medem esse tipo de risco, não há divergência. A gente não pode dizer que o Judiciário e o Legislativo estão mais fracos. A própria imprensa, apesar de todas as críticas e ameaças, não me parece que hoje exista menos liberdade de imprensa que no passado — diz Rogério.
Daniela sustenta que não há uma divisão meio a meio entre as duas visões, porque a maioria absoluta dos cientistas políticos acha que sim, há riscos significativos à democracia. Rogério diz que essa maioria acontece na academia, mas que entre os que ele define como “com viés de mercado” e “ligados às consultorias” a opinião é de que o risco não existe ou é pequeno.
Os dois concordam que o presidente Bolsonaro tensiona diariamente as instituições democráticas, faz o elogio das ditaduras, mas tem sido até agora derrotado. A grande pergunta que fica é se é normal que o Congresso, o Judiciário, a imprensa, a sociedade tenham que ficar de guarda para conter os excessos de um presidente.
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