Agenda pesada – Editorial | Folha de S. Paulo
Legislativo volta com pauta essencial de reformas e governo desarticulado
O Congresso volta a funcionar nesta semana com uma pauta carregada de projetos importantes. O fim do recesso, porém, não significa um recomeço da relação do governo com o Parlamento.
Subsistem, pois, incertezas quanto ao sucesso das reformas necessárias para sustentar o crescimento. Jair Bolsonaro segue avesso à ideia de uma coalizão parlamentar, não tem coordenação política e nem mesmo um partido.
As contas públicas e a perspectiva de recuperação menos morosa da economia dependem de pelo menos um desses grandes projetos na pauta, a emenda constitucional que limita gastos obrigatórios, em especial com servidores.
Sem ao menos tal contenção, em 2021 a despesa federal vai atingir o teto constitucional, com desordem previsível na administração pública e nos indicadores financeiros.
As lideranças do Congresso mostraram que estão cientes desses riscos. Em particular, Rodrigo Maia tentará marcar seu ano final na Presidência da Câmara com a aprovação de um mínimo essencial de reformas. Mas o mínimo não basta e a pauta legislativa, além de extensa, é menos consensual.
É preciso um acordo sobre o que é possível em matéria tributária. O governo apenas tumultua o debate, não tem um plano claro; as propostas parlamentares precisam ser unificadas de modo realista.
Há que se votar neste ano o novo Fundeb, que também vai redefinir a complementação federal do financiamento da educação de estados e municípios.
É preciso aprovar a lei do saneamento, promovendo a abertura mais rápida do setor à iniciativa privada e tomando o cuidado de não deixar regiões pobres à míngua.
O governo adiou para este 2020 a reforma administrativa, que trata de salários, carreiras e estabilidade de novos servidores.
Mas o governo terá capacidade de lidar com tantas e delicadas frentes? De resto, o ano legislativo será curto devido à eleição municipal.
Outras duas emendas constitucionais tratam de gasto público (a que dá cabo dos fundos e a do pacto federativo). Há o projeto de reestruturação de estados quebrados, o essencial novo marco legal das concessões, a autonomia ao Banco Central. Tudo isso tramitará em meio a debates difíceis, como o da prisão após a segunda instância.
Se Bolsonaro é incapaz de organizar o debate, cabe ainda mais ao Congresso definir uma pauta realista, mas urgente. Talvez a sociedade deva se conformar com a ideia de que terá de driblar a quase rotineira confusão administrativa e política do governo, com o auxílio do parlamentarismo informal.
A inépcia do Executivo deveria ser inaceitável, mas provavelmente ela acabará sendo inevitável.
Ducha fria – Editorial | Folha de S. Paulo
Coronavírus sacode mercados, mas efeitos econômicos dependem da gravidade do surto
Os mercados financeiros globais foram abalados nesta semana pelo agravamento do surto envolvendo o coronavírus. Seu epicentro é a China, segunda maior economia do mundo e principal fonte de produtos baratos do planeta.
Como ocorre nesses momentos, fundos e grandes especuladores internacionais aproveitaram-se das fortes oscilações nos preços dos ativos para maximizar ganhos e realizar lucros, o que derrubou as principais bolsas de valores.
Ao longo da semana, as oscilações acompanharam em parte o noticiário. Ainda é difícil, contudo, enxergar com clareza os verdadeiros impactos do surto da doença. A partir da China, os casos já se espalharam para cerca de 25 países.
Várias companhias internacionais, de grupos de aviação a montadoras, passando por empresas de tecnologia e de bens de consumo, anunciaram fortes restrições em suas operações na China.
Segundo uma estimativa, mais de 60% do PIB chinês é gerado nas 12 províncias com o maior número de contágios. Cidades estão bloqueadas e há restrição à circulação de pessoas, o que paralisou muitas fábricas. Já se especula que o surto poderá subtrair um ponto do crescimento chinês neste ano.
As autoridades do país, porém, não devem ficar paradas, e fortes medidas de estímulo são aguardadas.
A eclosão dessa nova ameaça à saúde da economia global é uma ducha de água fria em um cenário um pouco mais positivo que havia surgido, há duas semanas, após o fechamento do tão esperado acordo comercial entre EUA e China.
Razão de muitas preocupações de investidores e empresas ao longo de 2019, o entendimento entre Washington e Pequim havia aberto o caminho para compensar positivamente outros fatores de fragilidade no cenário global.
A China é o maior parceiro do Brasil, mas seria prematuro especular sobre a real influência da epidemia na corrente comercial de US$ 98 bilhões entre os dois países —sobretudo na área de alimentos essenciais à população chinesa.
Em um contexto mais geral, vale lembrar que o Brasil tem participação muito reduzida na economia global: responde por uma fatia de 1,2% de todo o comércio internacional e produz somente 2,5% dos bens e serviços do planeta.
Longe de isso ser positivo, porque mantém o país atrasado em muitos aspectos, o isolamento torna o Brasil relativamente alheio a impactos externos, desde que limitados.
Reforma não é só corte de gastos – Editorial | O Estado de S. Paulo
Há um equívoco de princípio na discussão sobre a reforma administrativa que o governo, conforme anunciou recentemente o presidente Jair Bolsonaro, pretende enviar ao Congresso em breve. Eleita com a promessa de enxugar a máquina pública, a atual administração federal parece entender que a reforma deve ser primordialmente direcionada ao fim de privilégios do funcionalismo e à redução do quadro de servidores. Nem se discute o quão necessárias são essas medidas saneadoras, mas a questão é que uma reforma administrativa não pode se resumir a cortes e contenções, nem pode ter como finalidade apenas o igualmente necessário equilíbrio das contas públicas. As mudanças deveriam ter como princípio a reorganização profunda do Estado, de maneira a garantir o profissionalismo de seus agentes e a restabelecer a prevalência do interesse público em seu funcionamento, algo que hoje em larga medida não se verifica.
Um Estado deve ser capaz de desempenhar suas tarefas de modo adequado para os cidadãos seja qual for o grupo que esteja no poder, ou mesmo – e talvez principalmente – em meio a crises políticas ou econômicas. Isso só é possível se houver um corpo burocrático verdadeiramente qualificado e, sobretudo, um sistema em que o foco não seja apenas a eficiência – em que a questão do custo é fundamental –, mas também o envolvimento dos cidadãos na definição de soluções. É preciso um Estado pelo qual o conjunto dos brasileiros se sinta responsável, em nome da preservação da coisa pública.
Uma reforma administrativa tem de ser capaz de reconectar os cidadãos ao Estado, hoje visto como uma corte de privilegiados apartada da sociedade e dedicada apenas a explorar as pessoas comuns em benefício próprio. Somente desse modo seria possível conferir legitimidade a políticas públicas frequentemente questionadas por emanarem não da construção democrática de consensos com vista a atender o interesse geral do País, mas da articulação de coxia entre operadores políticos a serviço de corporações.
O Estado deve dar conta de realizar planejamento de longo prazo, essencial para a definição de políticas públicas sólidas nas mais diversas esferas sociais e econômicas. O que mais se observa, contudo, é a interrupção ou o abandono de projetos sempre que há mudança na chefia do governo – é comum ver presidentes, governadores e prefeitos acusarem seus antecessores de lhes legarem uma “herança maldita” e começarem tudo do zero, ou quase isso. Obviamente, o resultado disso é um dispêndio desnecessário (e enorme) de energia e recursos estatais, e também a sensação de que o Estado tem “dono” – o grupo político que chega ao poder –, o que colabora decisivamente para desestimular a participação dos cidadãos.
Um Estado reformado deve necessariamente refletir a complexidade das demandas da sociedade e ser capaz de enfrentar as vicissitudes políticas sem descaracterizar-se como sustentáculo de estabilidade e de cidadania. Limitar-se a reduzir seu tamanho, demitindo funcionários e cortando custos, não é uma medida que se possa chamar de reforma.
A julgar pelo que se soube até aqui sobre a proposta que o governo pretende encaminhar, prevalece uma concepção estreita e imediatista do Estado. A ideia – caso o reticente Bolsonaro realmente resolva mesmo levá-la adiante – é eliminar “penduricalhos” que vitaminam os vencimentos de servidores, como promoção por tempo de serviço; acabar com a aposentadoria compulsória como “punição” para o funcionário que comete infração disciplinar; estabelecer férias de 30 dias para todo o serviço público; e efetivar somente os funcionários concursados que se mostrarem aptos ao serviço, após avaliação mais rigorosa que a atual.
É evidente que todas essas medidas são importantes e espanta que ainda não tenham sido tomadas, o que só comprova a força corporativa do funcionalismo público. Mas nem sequer arranham o fulcro da crise do Estado – que, entra governo, sai governo, continua a se sustentar em arranjos pouco transparentes e nada democráticos.
A chave para o crescimento sustentável – Editorial | O Globo
Balança comercial reflete a fragilidade de uma indústria despreparada para competir
O Brasil encerrou 2019 com um déficit nas contas externas de US$ 50,7 bilhões. Isso representa um crescimento de 22% em relação a 2018 — equivale a 2,76% do PIB. O rombo foi coberto com folga pela entrada de US$ 78,5 bilhões em investimentos estrangeiros diretos.
É o pior resultado dos últimos quatro anos no balanço de pagamentos. Confirma-se uma tendência de déficit em alta devido aos desequilíbrios no comércio exterior. O superávit comercial foi de US$ 39,4 bilhões, ou seja, US$ 13,6 bilhões menor do que em 2018.
É sobre as raízes dessa inflexão que o governo e o Congresso deveriam concentrar atenção e esforços para uma reversão no médio prazo. Tem-se uma perda de dinamismo do Brasil na competição global para exportar produtos de maior valor, bens industriais que incorporam tecnologias de alta e média sofisticação — de aviões a medicamentos.
O desempenho desse segmento industrial no ano passado representou 32% das vendas no mercado mundial. Foi a menor participação nos últimos 24 anos, segundo o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
O declínio nas contas externas está sendo acompanhado por um gradativo aumento das vulnerabilidades do país no comércio global. O Brasil passou, em pouco tempo, de comprador a fornecedor de alimentos em escala global. É, provavelmente, o fato mais relevante no capitalismo doméstico desde os anos 80. Porém, é a indústria que produz os itens de maior valor agregado, com maior potencial para aumento dos resultados comerciais, criação de empregos e avanço na renda média nacional.
A produção industrial segue estagnada. De 2014 a 2018, mais de 25 mil fábricas fecharam, conforme pesquisa CNC/Broadcast. O Rio perdeu 12,7% do seu parque industrial, e São Paulo encolheu em 7%. Na média nacional, desapareceram 6,6% dos estabelecimentos industriais.
Governo e Legislativo precisam facilitar o aumento da produtividade, via mudanças tecnológicas e preparo mais qualificado de trabalhadores. Com uma indústria patinando, são pífias as perspectivas de crescimento sustentável no longo prazo.
Leniência da Cedae no saneamento a prejudica na qualidade da água – Editorial | O Globo
O resultado dos erros da estatal é que uma parcela da população está vulnerável a várias doenças
Não se chega de uma hora para outra à crise em que se encontra o abastecimento de água na segunda maior cidade do país e em parte de sua extensa Região Metropolitana. Para haver corrida ao comércio em busca de água mineral, é porque o serviço prestado pela estatal Cedae chegou ao limite do insustentável.
Fizeram-se testes na água, e foi declarada culpada a geosmina — ou uma das culpadas —, substância derivada de algas e que se nutre de esgoto. A estatal chegou a um ponto extremo: por não investir o necessário em saneamento, polui os mananciais que usa para abastecer seus clientes. É um processo autodestrutivo. Ao não fazer o tratamento de esgoto, passou a degradar sua própria água.
O Guandu, de onde a Cedae retira água, tem como afluentes os rios dos Poços, Ipiranga e Queimados, poluídos pelo esgoto não tratado dos municípios de Nova Iguaçu e Queimados. Cariocas e fluminenses recebem água contaminada desses rios, algo equivalente a 22 piscinas olímpicas de esgoto diariamente. Na estação de tratamento do Guandu, considerada uma das maiores do mundo, a empresa tenta reduzir a má qualidade desta água.
A corrida aos supermercados e os relatos de atendimentos em emergências de pessoas com mal-estar provam que a Cedae perdeu esta batalha para ela mesma. O Plano Estratégico de Recursos Hídricos da Bacia do Guandu, de 2018, informa que apenas 35,7% da população de Nova Iguaçu estão conectados à rede de esgoto; em Queimados, só 3,4%. É por onde passam os afluentes do Guandu, convertidos em valões. A Cedae foi punida por ela mesma, sendo a população a grande vítima da teimosia na manutenção da empresa como estatal.
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