sábado, 21 de março de 2020

Adriana Fernandes - Oportunistas da crise

- O Estado de S. Paulo

Respostas têm sido lentas por causa das picuinhas tão ao gosto dos nossos governantes

Primeiro, a negação dos riscos da epidemia e briga com o Congresso. Agora, o embate político entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores – muitos deles seus adversários políticos declarados nas próximas eleições – retardam uma ação coordenada de Brasília com os Estados para garantir a produção de alimentos, medicamentos e, acima de tudo, logística para que itens básicos cheguem aos brasileiros em isolamento domiciliar devido ao alastramento da covid-19.

A logística para garantir o transporte dos produtos depende do bom diálogo entre todos. Basta de palavras de efeito como as de que não faltará “arroz, feijão e carnes”.

As pessoas querem se sentir seguras e ver as medidas efetivas. O pico da epidemia ainda não chegou e os próximos meses serão muitos duros, como relatou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
As respostas têm sido lentas também por causa das picuinhas políticas tão ao gosto dos nossos governantes atuais. O que se vê é uma corrida insana para quem fica melhor na foto.

O presidente só tomou a decisão de pedir ao Congresso o reconhecimento da calamidade pública, na noite de terça-feira passada, quando viu que o Congresso tomaria a medida na sua frente. Logo depois de o senador José Serra (PSDB-SP) comunicar que estava com um decreto legislativo para ser apresentado imediatamente, o presidente agiu.

No mesmo dia, o presidente da Câmara (DEM-RJ), Rodrigo Maia, também já havia antecipado em entrevista ao Estado muitas das medidas que seriam anunciadas no dia seguinte pela equipe econômica. Bolsonaro começou a agir empurrado por todas essas circunstâncias.

Até então, o governo estava se debatendo sobre o que fazer: mudar a meta fiscal de resultado das contas públicas ou decretar a calamidade para ampliar os gastos necessários. Só depois da decisão é que o Ministério da Economia começou a disparar o anúncio de medidas para atender os informais, a população de baixa renda e antecipação do seguro-desemprego para uma parcela dos empregados. Nenhuma delas, porém, foi ainda efetivamente publicada.

Em meio ao caos dos últimos dias, só ontem o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em entrevista dada para a repórter Amanda Pupo, do Estadão/Broadcast, falou em formar um conselho de secretários de transporte dos Estados para ações coordenadas de enfrentamento ao novo coronavírus, e evitar “voluntarismo inadequado”.

Após o reforço no atendimento da saúde, dos hospitais, dos profissionais da área médica, a produção e a logística de distribuição são centrais.

O ministro Tarcísio Freitas calculou 54 decretos de Estados e municípios com medidas na área de transporte. Bolsonaro reclama dos governadores e prefeitos.

O tom do presidente foi belicoso, o que ampliou o desgaste desnecessariamente. Na ausência de diálogo com o Palácio do Planalto, de onde o presidente Bolsonaro resistiu até quando pôde (ou, melhor dizendo, até onde sua popularidade despencou), governadores e prefeitos começaram a agir por conta para proteger seus moradores. Quem pode culpá-los?

É bom lembrar que a demora de ação também parte dos governadores de grandes centros urbanos preocupados com o tombo da atividade econômica e, consequentemente, na arrecadação. Foi assim com São Paulo, que saiu depois na reação.

É preciso registrar também que a preocupação da equipe econômica com o tombo da atividade retardou a adoção de medidas mais duras no fechamento de fronteiras, comércio e serviços para o isolamento forçada dos brasileiros.

Algumas medidas que já tinham sido tomadas por outros acabaram sendo replicadas por decisão de governadores e prefeitos, o que gerou novo motivo de discórdia política.

É torcer agora para que essa disputa não atrapalhe e retarde a organização do socorro federal aos Estados e municípios para o atendimento à população nesse momento tão dramático para o Brasil e o mundo. É para ontem.

A crise não pode servir, no entanto, para oportunistas de plantão botarem a faca no pescoço do Tesouro. Todo cuidado é pouco para afastar essa gente.

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