sábado, 21 de março de 2020

O que a mídia pensa – Editorial

Falando sozinho – Editorial | Folha de S. Paulo

Discurso ambíguo e inépcia para lidar com pandemia levam Bolsonaro a isolamento

A rápida disseminação do novo coronavírus empurrou Jair Bolsonaro para o isolamento político ao expor seu despreparo para lidar com a emergência e sua falta de sintonia com as aflições da população.

Poucos dias após classificar a pandemia como uma fantasia, o presidente finalmente reconheceu a gravidade da situação ao reunir seu ministério para uma entrevista coletiva na quarta-feira (18). À mudança tardia, no entanto, somou-se a inépcia.

A exposição das medidas adotadas para combater a calamidade foi confusa, além de prejudicada pelo uso inadequado de máscaras de proteção pelo presidente e por seus auxiliares, que revestiu o evento de tom farsesco.

A impressão não melhorou substancialmente com a entrevista coletiva desta sexta (20), quando a moléstia foi chamada de “gripezinha”.

O próprio Bolsonaro optou pela ambiguidade em vários momentos, voltando a falar em histeria em vez de se concentrar sobre o que é preciso fazer para atenuar o impacto do inevitável aumento do número de pessoas infectadas nas próximas semanas.

Chamado para uma reunião com o chefe do Executivo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avisou que não iria sem que houvesse pauta objetiva. Disse que estava ocupado com a agenda de votações no Congresso e não tinha tempo para perder posando para retratos no Palácio do Planalto.

Por três dias seguidos, Bolsonaro tornou-se alvo de furiosos panelaços nas principais capitais do país. Houve protestos até mesmo em regiões onde ele venceu a eleição presidencial de 2018 com ampla margem de votos sobre os adversários, como São Paulo.

O mandatário viu seu capital político encolher também nas redes sociais da internet, onde até agitadores do bolsonarismo se distanciaram dele nos últimos dias, caso do escritor Olavo de Carvalho.

Enquanto o mundo busca coordenar esforços, os filhos do presidente seguem apostando na confusão e fustigando inimigos imaginários —da China aos líderes do Congresso Nacional.

Em pronunciamento na internet nesta quinta (19), Bolsonaro voltou a criticar providências tomadas por vários estados para conter a propagação do vírus, alertando para as dificuldades que uma paralisia da atividade econômica causará.

Ninguém ignora os riscos criados pelo avanço da doença, mas o presidente parece o único a agir como se não tivesse noção de prioridades, da importância de cooperação com outras esferas de governo e do imperativo de transmitir segurança à sociedade. Deixá-lo falando sozinho é a melhor opção.

Conter a marcha do vírus – Editorial | Folha de S. Paulo

Isolamento e UTIs são cruciais, mas gestão da crise também depende de testes

O exemplo internacional mostra que a prioridade zero de União, estados e municípios deve ser a contenção dos efeitos da marcha inexorável do coronavírus. Antes de mais nada, tentar enfrentar o colapso de serviços de saúde —oficialmente esperado em abril— aliviando a sobrecarga de pacientes nas unidades de terapia intensiva.

Existem duas maneiras principais de obter tal resultado. A primeira: suavizar a curva exponencial de contágios com medidas de distanciamento e isolamento social. Torna-se evidente que grandes centros urbanos necessitarão adotar restrições mais e mais draconianas para impedir circulação e contato entre pessoas.

A outra é aumentar de modo célere as vagas de UTI ou instalação similar para receber doentes graves de Covid-19, com os obrigatórios aparelhos de respiração forçada e monitores de funções vitais.

Trata-se de desafio logístico gigantesco, sobretudo em áreas e estados menos desenvolvidos. Afigura-se decisiva a coordenação de Brasília para fazer o equipamento chegar aonde for mais necessário.

Facilitar importações, como já vem fazendo, é só o começo; será preciso, decerto, comandar também a fabricação no país de peças e dispositivos para diminuir a dependência da oferta internacional, cada vez menor.

Liderança semelhante se espera do governo para equacionar outra atividade crucial para o enfrentamento da epidemia: obter dados de melhor qualidade sobre a propagação da síndrome respiratória grave. Neste caso, o necessário é elevar a capacidade de realizar exames para detecção do vírus CoV-2.

O Ministério da Saúde anunciou a meta de comprar 2,3 milhões de testes diagnósticos, que seriam suficientes para examinar 1,1% da população. Mas esse é apenas o plano; como noticiou esta Folha, até aqui 150 mil kits foram de fato adquiridos da Fiocruz e, destes, 29,3 mil entregues e 17,9 mil distribuídos.

A 22 pacientes por kit, seria o bastante para 394 mil brasileiros, ou 0,2% da população. Na Itália, onde grassa verdadeira hecatombe sanitária, foram testados 0,3% dos cidadãos. Na Coreia do Sul, cujo sucesso no combate à Covid-19 se atribui em parte à calibração eficiente das medidas com base em dados abundantes, chegou-se a 0,6%.

No Brasil, tal percentual corresponde a 1,26 milhão de pessoas. A meta do governo Jair Bolsonaro de obter 2,3 milhões de testes parece adequada, mas pairam dúvidas sobre sua real capacidade de torná-los disponíveis mais rapidamente.

A cautela dos industriais – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com algum vento a favor no segundo semestre e muito esforço, o governo poderá garantir algum crescimento econômico em 2020. Qualquer resultado acima de zero será uma vitória, a julgar pelas condições de hoje, quando a prevenção sanitária impõe severo sacrifício às vendas e à produção. Pela nova previsão oficial, anunciada na sexta-feira à tarde, poderá haver expansão de 0,02%. Mas é preciso, para começar, uma avaliação realista do desempenho alcançado até o advento da epidemia do novo coronavírus. O aumento do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, de apenas 1,1%, foi um fiasco. A recuperação a partir do fim do ano, mencionada com insistência pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, foi menos notável do que ele tenta fazer crer – e certamente menos entusiasmante.

Em março, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei) caiu para 60,3 pontos, com recuo de 4,4 pontos em relação ao nível de fevereiro, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Continuou bem acima de 50, linha divisória entre otimismo e pessimismo. Foi superior, também, à sua média histórica, de 52,4 pontos. Mas, depois de registrar esses dados positivos, é preciso dar atenção a um detalhe menos luminoso.

Em apenas três ocasiões a queda havia superado 4 pontos, desde janeiro de 2010, quando foi iniciada a apuração mensal. Foram três momentos muito especiais. O indicador caiu 4,8 pontos em julho de 2013, época de manifestações contra o governo; 4,2 pontos em fevereiro de 2015, no começo da última recessão; e 5,8 pontos em junho de 2018, quando o País sofria os efeitos do bloqueio de estradas pelos caminhoneiros.

Em março, recuaram os dois grandes componentes do Icei. O Índice de Condições Atuais caiu 4,1 pontos. O de Expectativas baixou 4,6 pontos. Como ocorre com frequência, a avaliação das perspectivas da própria empresa foi mais favorável que a das condições econômicas. As expectativas baixaram 5,9 pontos em relação à economia brasileira e 3,9 pontos em relação à empresa.

A pesquisa, com participação de 2.420 empresas, foi realizada entre 2 e 11 de março, quando já se podia perceber, no Brasil, o risco econômico associado ao novo coronavírus. Não se informa, no relatório divulgado pela CNI, o peso desse risco na avaliação dos empresários consultados. Pelo menos uma parte deles, é razoável supor, deve ter levado em conta os efeitos da epidemia no comércio global. O impacto nas cadeias de produção já era perceptível, por causa da importância da China como fornecedora de componentes. Parte da indústria brasileira já acusava o problema.

Mesmo com alguma limitação, dirigentes de empresas perceberam a gravidade dos novos problemas bem mais prontamente que a maior parte do governo. Só no fim da segunda semana de março o ministro da Economia deu sinais de alguma preocupação com os efeitos colaterais da epidemia. Mas só na última segunda-feira, dia 16, a equipe econômica apresentou um conjunto razoavelmente amplo e articulado de medidas para conter, ou atenuar, os danos econômicos causados pelo surto do novo coronavírus. No passo seguinte o Executivo solicitou ao Congresso a declaração de estado de calamidade, condição para o necessário aumento de gastos federais. Esse aumento é indispensável para as ações de proteção da vida e para a redução dos piores efeitos econômicos da epidemia. Era urgente programar algum apoio financeiro aos grupos economicamente mais frágeis. Era preciso, também, oferecer suporte às empresas e alguma proteção ao emprego, já muito baixo.

Em fevereiro, segundo a CNI, a atividade industrial e o emprego só se mantiveram em alta nas grandes empresas. No conjunto, houve queda em relação ao nível de janeiro, segundo a sondagem divulgada na sexta-feira. Dados oficiais, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), devem ser publicados no começo de abril. Em janeiro, a produção industrial, segundo o IBGE, cresceu 0,9%, tendo acumulado queda de 2,4% nos dois meses anteriores. O vírus torna o quadro bem mais complicado.

A Constituição ainda está em vigor- Editorial | O Estado de S. Paulo

Os desdobramentos da pandemia de covid-19 em setores tão distintos quanto o sistema público de saúde e o turismo ainda estão por ser devidamente dimensionados. Gestores públicos são instados a tomar decisões quase em tempo real, à medida que novos fatos se lhes apresentam. No entanto, não obstante a alteração do cotidiano das pessoas, das empresas e das instituições, convém lembrar que a Constituição não foi derrogada e, por mais sérios que sejam os impactos da pandemia, nada autoriza seu descumprimento.

Os governadores, por exemplo, não podem decidir por decreto sobre o fechamento das fronteiras de seus Estados, como o fez o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Desde a zero hora de hoje, está proibido o transporte de passageiros, por meio aéreo ou terrestre, entre o Estado do Rio e São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Distrito Federal. O decreto assinado por Wilson Witzel também atinge Estados em que for confirmada a circulação do novo coronavírus ou que venham a estar sob situação de emergência.

“Certos governadores estão tomando medidas extremas que não competem a eles, como fechar aeroportos, rodovias, shoppings e feiras”, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, manifestando sua “preocupação” de que decisões semelhantes sejam tomadas por outros entes federativos. Em que pese a rixa política entre o presidente da República e seu ex-aliado Wilson Witzel, Bolsonaro tem razão. De fato, a Lei Maior determina que a decisão sobre as fronteiras compete privativamente à União. Ao determinar que aeroportos do Rio não podem receber voos oriundos de outros Estados e países predeterminados, o governador Witzel está, na prática, fechando uma fronteira, o que é uma flagrante violação de preceito constitucional.

O prefeito de Guarulhos, Gustavo Costa, procedeu corretamente ao solicitar ao governo federal a adoção de medidas sanitárias no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Cumbica, e recomendar o imediato fechamento do terminal de passageiros, onde não tem sido realizado qualquer tipo de triagem das pessoas que lá desembarcam. Recomendar é muito diferente de determinar, como fez o governador Wilson Witzel ao transformar o Rio de Janeiro num feudo, ao arrepio da Constituição.

Por meio de nota, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) lembrou que “aeroportos são bens públicos da União, atendendo a interesse de toda a Nação, além das localidades imediatamente servidas”. A agência reguladora explicou que, à luz do interesse público, “cabe à União determinar o fechamento de aeroportos e de fronteiras”. E assim fizeram os Ministérios da Justiça, da Segurança Pública, da Saúde e da Defesa ao publicar portaria, na quinta-feira passada, fechando pelo prazo de 15 dias as fronteiras do País com a Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru e Suriname. O Uruguai ficou fora do alcance da portaria porque o presidente Jair Bolsonaro preferiu dar prioridade à política quando deveria prevalecer a questão sanitária. O Palácio do Planalto informou que está buscando um “acordo bem costurado” com o presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, que Bolsonaro considera ser um “aliado na região”.

O fechamento das fronteiras é uma medida radical que se impõe diante da gravidade da pandemia de covid-19. Países do mundo inteiro têm recorrido à restrição do trânsito de passageiros por via aérea, marítima ou terrestre como forma de reduzir a velocidade de disseminação do novo coronavírus. Mas, por óbvio, não se pode descumprir as leis e a Constituição, por mais justificáveis que sejam as medidas de segurança. A tolerância em relação a uma exceção sequer abriria perigoso espaço para muitas outras, o que, in extremis, poderia levar o País a um perigoso estado de anomia. As decisões governamentais podem ser urgentes, mas a urgência não autoriza que sejam irrefletidas ou ilegais.

O País que se lixe – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde a campanha eleitoral de 2018 se sabe que lulopetismo e bolsonarismo são da mesma cepa. Um alimenta o outro, na expectativa de que a polarização os favoreça, e ambos só se preocupam de fato com os interesses de seus líderes messiânicos, nunca com os interesses dos brasileiros em geral – que são invocados por esses demagogos apenas para sustentar uma retórica salvacionista destinada a justificar expedientes autoritários.

Para o lulopetismo e o bolsonarismo, a aflição de milhões de brasileiros diante das catastróficas consequências da covid-19, para ficar apenas nesse dramático exemplo, não é nada senão instrumento para seus projetos de poder.

O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, sempre que se manifesta a respeito da epidemia o faz para responsabilizar terceiros, seja a imprensa, que noticia a crise, sejam os governadores, que tomaram providências duras para enfrentá-la. Chegou a dizer, no domingo passado, em entrevista à TV CNN, que “com toda certeza há um interesse econômico envolvido nisso para que se chegue a essa histeria”. Segundo o presidente, em raciocínio tão tortuoso quanto seu português, houve uma “crise semelhante” em 2009, em referência à pandemia de gripe A, mas “no Brasil o PT que estava no governo, e nos EUA eram os democratas, e a reação não foi nem sequer perto dessa que está acontecendo hoje em dia no mundo”. Traduzindo: para Bolsonaro, houve um conluio esquerdista envolvendo a imprensa e os governos do PT, no Brasil, e do democrata Barack Obama, nos Estados Unidos, para abafar a crise causada pela gripe A; agora, como tanto o Brasil como os Estados Unidos são governados por direitistas, “interesses econômicos” ocultos tentam desgastá-los.

A tática é antiga, tendo sido usada pelos mais conhecidos regimes totalitários ao longo da história: em meio a uma crise, atribui-se a responsabilidade a conspiradores que agem nas sombras com objetivos inconfessáveis, a serviço de potências estrangeiras. No caso do Brasil, o presidente Bolsonaro não disse quais eram esses “interesses econômicos” tão nefastos, mas os bolsonaristas trataram de esclarecer nas redes sociais: trata-se da China comunista.

Nesse ponto, como em tantos outros, os bolsonaristas se espelharam no presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que chamou o coronavírus de “vírus chinês”. E Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente, tratou de responsabilizar a China pela epidemia, causando um atrito diplomático com o governo chinês.

No mundo real, o comportamento de Eduardo Bolsonaro – que nada mais fez do que se inspirar no próprio pai e em Trump – irritou profundamente os representantes do agronegócio brasileiro, que depende em larga medida do mercado chinês. Mas essa consequência, para os propósitos bolsonaristas, é irrelevante; o que interessa é manter a mobilização dos devotos de Bolsonaro no momento em que o presidente vê diminuir sua popularidade.

Já o lulopetismo investe, como sempre, no cinismo desbragado. O PT, cuja passagem pelo poder ensejou a maior crise política, econômica e moral da história brasileira e que intoxicou a atmosfera democrática com um discurso de exclusão dos que questionam suas certezas ideológicas, aproveita a comoção do momento para tentar pegar carona nos protestos espontâneos contra Bolsonaro. Até a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apareceu em vídeo no Twitter para estimular os panelaços – que, quando eram contra a presidente Dilma Rousseff, foram qualificados de “orquestração com viés golpista da burguesia” pelo partido. Como um parasita, o lulopetismo tenta extrair lucro político do terrível momento do País e aposta na falta de memória. Em vídeo compartilhado por Gleisi, a culpa da crise atual é atribuída a quem apoiou a oposição ao PT, o impeachment de Dilma e a reforma trabalhista. Não fossem esses cidadãos, não haveria nem crise nem ódio no País, é o que diz, em resumo, o vídeo divulgado por Gleisi.

O lulopetismo e o bolsonarismo, como se vê, se merecem – e o País que se lixe.


Situação sanitária em favelas é desafio no combate à epidemia – Editorial | O Globo

Ambientes insalubres e serviços básicos precários podem facilitar disseminação do coronavírus

O isolamento social tem se mostrado uma das armas mais poderosas para conter a pandemia do coronavírus. A China o adotou, conseguiu bons resultados, e agora praticamente todos os países, especialmente os que se encontram em situação dramática, como a Itália, seguem o mesmo caminho. No Brasil, onde o número de casos começa a acelerar, pondo em risco a capacidade do sistema de saúde, público e privado, de atender aos casos mais graves, não tem sido diferente.

Acertadamente, governadores e prefeitos têm determinado uma série de medidas para restringir aglomerações, fechando cinemas, teatros, shoppings, áreas de lazer, esvaziando transportes públicos, restringindo o funcionamento de bares e restaurantes e recomendando que as pessoas permaneçam em casa. Mas, nessa luta contra o novo vírus (Sars-CoV-2), um desafio se impõe ao país: como levar as regras da cidade formal às favelas, erguidas de maneira desordenada e negligenciadas pelo poder público. Áreas desprovidas de saneamento, sem espaço entre as casas, com ventilação precária e altos índices de doenças como a tuberculose — na Rocinha, em 2019, foram cerca de 200 casos por cem mil habitantes, quase cinco vezes a média do país — evidenciam as fraturas das cidades partidas.

Na verdade, a epidemia do novo coronavírus expõe de forma contundente uma realidade que há décadas o país ignora, apesar de seus números expressivos, que não param de crescer. Segundo o Censo 2010, 11,4 milhões de brasileiros moram em favelas. Na cidade do Rio, são 1,5 milhão de pessoas, o que representa 22% dos moradores, o dobro do percentual de São Paulo. Em Belém (PA), mais da metade da população (54,5%) vive em comunidades.

O depoimento de uma moradora da Rocinha ao GLOBO traduz a dimensão do problema: “Moro numa casa muito pequena. Se alguém ficar doente, todos ficam”. Além das moradias empilhadas, coladas umas às outras, contribuindo para um ambiente insalubre e fértil para a disseminação da Covid-19, acrescente-se as deficiências do sistema de saúde. Levantamento da Câmara de Vereadores do Rio mostra que a cobertura do Programa Saúde da Família, que já foi de 70%, caiu a 53%.

Outro problema é a precariedade dos serviços básicos. No Compleoxo do Alemão, segundo o G1, moradores têm enfrentado falta d’água, o que os impede de cumprir protocolos de higiene, essenciais no combate ao coronavírus.

O fato é que nas comunidades do Rio e de todo o país, ao grave problema de saúde pública trazido pelo coronavírus, somam-se outros, velhos conhecidos dos brasileiros, que podem agravar a disseminação da doença e dificultar o combate à epidemia. Um imenso desafio para as autoridades.

STF pode dar grande ajuda contra a crise – Editorial | O Globo

Se forem alterados votos em julgamento não concluído, haverá isonomia e mais recursos disponíveis

O efeito devastador da epidemia no sistema produtivo mundial e nas estruturas de saúde de cada país leva governantes a tomarem medidas de impacto para evitar a circulação das pessoas, a fim de que a corrente de difusão do coronavírus seja quebrada. Epicentro mundial da doença respiratória, a China, ao praticar bloqueios e quarentenas, teve êxito, e seu modelo passou a ser copiado. Em outro plano, são executadas ações também fortes na economia, para reverter o tranco global recessivo provocado pela paralisação de fábricas, de cidades etc.

Em países democráticos como o Brasil, a atuação do Legislativo é estratégica para que o Estado como um todo atue de forma coordenada em defesa das pessoas. O Congresso, neste sentido, foi exemplar na rápida aprovação do pedido do Executivo para a decretação de estado de calamidade pública, necessário para o governo ter margem institucional de manobra com a finalidade de contar com os recursos necessários ao enfrentamento de inúmeras dificuldades na crise. A suspensão da meta fiscal, por exemplo, dará o necessário espaço nas finanças públicas para este combate.

O Judiciário é parte deste movimento de resistência às ameaças da pandemia. Foi o que simbolizou a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na entrevista coletiva do presidente Bolsonaro e ministros na quarta-feira, quando foi assinado, também por ele, projeto de lei que institui um comitê com representantes de órgãos da Justiça para dar velocidade à tramitação de medidas anticrise.

Toffoli teve a atitude correta, porque o Judiciário, independente, também é harmônico com o Legislativo e o Executivo. O Judiciário é parte do Brasil, um país real que entrará em uma crise de tamanho incalculável, a depender de como o Estado atue para não deixar faltarem recursos ao tratamento das vítimas do coronavírus, à garantia de renda aos milhões de trabalhadores hoje já informais, ao Bolsa Família e no resgates de empresas, para que sejam mantidos empregos e preservada a capacidade de geração de outros postos de trabalho quando a crise passar.

A situação é de guerra, afirma-se no Brasil e em vários países. É mesmo. Uma contribuição imediata e decisiva de ministros do STF é rever votos de um julgamento ainda não concluído que, ao ser suspenso, dava a maioria de seis dos 11 votos da Corte à decretação de inconstitucionalidade de dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal que permite a redução temporária de salários dos servidores públicos em momentos como este.

Confirmar a constitucionalidade da LRF na integralidade significará também fazer com que haja isonomia na crise entre servidores e assalariados do setor privado, que poderão ter sua remuneração cortada em até 50%, em troca da manutenção do emprego. Estável, o funcionalismo não tem este problema. E de maneira nada justa terá salários mantidos com um dinheiro que poderá ajudar no controle do coronavírus e na manutenção de empregos e renda dos mais pobres.

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