- Folha de S. Paulo
Poderemos piorar em vez de otimizar a oferta de vagas.
Com hospitais públicos lotados, e os privados com vagas ociosas, devemos adotar uma fila única para leitos de UTI? A igualdade de acesso a ventiladores apela a nosso senso de justiça. Constitui um argumento poderoso em favor da fila única, mas talvez ele seja forte demais.
Eu me explico. Há décadas vemos todos os dias pacientes do sistema público morrendo —de câncer, doenças cardíacas e até de infecções em tese fáceis de tratar— por falta de vagas para atendimento, enquanto elas sobram na rede privada. A menos que enxerguemos na Covid-19 uma particularidade metafísica que não exista nas outras moléstias, é difícil sustentar que a regra de acesso igualitário deva valer só durante a epidemia e não sempre.
Quem abraça o argumento deve estar pronto a aceitar suas consequências lógicas, que são as de que precisamos investir num sistema público universal de saúde (até aí quase todos chegamos) e proibir qualquer tipo de medicina privada que permita acesso diferenciado (o que nenhum país democrático faz).
Meu ponto é que qualquer um que não seja um socialista à antiga admite algum desequilíbrio. O que precisamos discutir é em que grau o toleraremos. Não há dúvida de que devemos otimizar a utilização dos recursos disponíveis, não só durante a epidemia, mas sempre. Se houver vagas ociosas na rede privada e superlotação na pública, é legítimo e necessário que haja algum tipo de compartilhamento, mas ele deve ser negociado, e é preciso assegurar que os hospitais sejam remunerados tempestivamente de acordo com seus custos, ou muito em breve poderemos ver unidades fechando por falta de viabilidade econômica.
Tratando-se de Brasil, porém, podemos esperar um processo bem mais caótico, que combine judicialização com decretos de requisição "ad hoc" de autoridades do Executivo, que ignorarão a sustentabilidade do negócio. Ou seja, poderemos piorar em vez de otimizar a oferta de vagas.
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