quarta-feira, 6 de maio de 2020

Fernando Exman - Pandemia no país das guerras de narrativa

- Valor Econômico

PT vê necessidade de aliança tática com DEM e PSDB

A pandemia de covid-19 avança a cada dia sobre o território nacional, interioriza-se e atinge as periferias. De tragédia anunciada, vai também tomando a forma de crise política para os administradores que reagiram de forma questionável a um desafio que já estava colocado com clareza em vários países. Esta já é uma realidade, por exemplo, no Amazonas. E a aposta da oposição é que inevitavelmente o presidente Jair Bolsonaro precisará prestar contas sobre seu desempenho.

O problema da oposição é que um ambiente de desorganização do Estado, fomentado pela disputa política entre os Poderes e os entes federativos, é o ambiente ideal para a disseminação da doença. Ou seja, a despeito dos esforços de alguns governadores e prefeitos para a sua contenção, haverá sempre quem diga que, na verdade, as medidas de isolamento nunca funcionaram e acabaram por prejudicar a economia.

Cabe à oposição decidir se tenta construir uma estratégia mais ampla para o enfrentamento da crise ou aceita cair na armadilha que reduz qualquer discussão a mais uma disputa de narrativas.

Esta última opção é tudo o que o presidente da República parece querer. Bolsonaro tem sua plateia cativa e continuará apostando que este percentual do eleitorado será suficiente para lhe garantir um lugar no segundo turno na eleição de 2022.

A tática do presidente é dissuasória e visa sua própria blindagem eleitoral. A cada aparição pública, entrevista, ato político ou transmissão ao vivo nas redes sociais, lá vai ele repetindo o discurso de que sempre defendeu a vida e o emprego, apesar da resistência de prefeitos e governadores. Usa uma falsa dialética de economia versus saúde pública, para afastar-se da responsabilidade do que já vem acontecendo e do que pode ocorrer no país.

Em grande parte do mundo, a estratégia sanitária é amparada pelas medidas econômicas e as duas áreas trabalham em conjunto. No Brasil, entretanto, mesmo diante da perspectiva de que a crise não será solucionada a curto prazo, o presidente agora sinaliza que a ajuda emergencial pode não ser estendida para além dos três meses previstos inicialmente. Seu objetivo, conforme demonstra diariamente em conversas com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, é induzir a população a pressionar os governantes locais por uma rápida flexibilização das regras de distanciamento social.

O chefe de governo continua a desautorizar a área técnica da pasta da Saúde, que tem monitorado sinais de subnotificação da doença. Um boletim recente do ministério compara os números comunicados pelos demais entes da federação com os registros de mortes dos cartórios até o dia 26 de abril. No cômputo geral, havia 257 óbitos por coronavírus a mais registrados pelos cartórios, o que retrata essa subnotificação. A situação era mais delicada, segundo a pasta, no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas o problema também ocorria em Minas Gerais, em Goiás e no Distrito Federal.

O número de subnotificações representava 6% dos 4.205 óbitos registrados pelo ministério, o que levou o governo a relativizar essa questão. O tema, contudo, teve papel central na pauta da mais recente reunião (virtual) do diretório nacional do PT, da qual participaram os ex-ministros Arthur Chioro e José Gomes Temporão. Ambos são sanitaristas e deram subsídios aos dirigentes da sigla para estabelecer o embate a respeito das saídas da crise.

Acredita-se, no PT, que a curva de contaminação se acentuará. Diante desse cenário, gargalos no sistema de saúde não demorariam a ocorrer país afora, pois os municípios menores não têm grande capacidade instalada de leitos de terapia intensiva. A pressão sobre a já sobrecarregada estrutura dos grandes centros urbanos não demoraria a ocorrer.

Na visão de petistas, caberia ao partido buscar uma já necessária reconexão com o eleitorado. Uma das formas de alcançar esse objetivo seria justamente defender com veemência as medidas de isolamento social e outras iniciativas que “achatem” a curva de contaminação.

Ainda de acordo com essa visão, o país só teria segurança para a discussão de relaxamento do distanciamento social quando conseguisse reduzir as taxas de transmissão por pelo menos duas semanas consecutivas. Aí sim se poderia passar a uma conversa mais franca sobre uma estratégia de retomada dos diversos setores econômicos, quais medidas restritivas seriam adotadas no contato com o público externo, dentro do ambiente de trabalho e no transporte público.

Outras ideias estariam também à mesa: cobrar que o poder público ofereça os equipamentos individuais de proteção à população e que as empresas garantam o respeito às normas de segurança no trabalho. Uma etapa seguinte poderia até ser a defesa da quebra das patentes de vacinas e de medicamentos.

Tudo indica que, pelo menos num primeiro momento, o PT deve adotar uma postura mais ativa em relação às discussões sobre as saídas da crise. Assim, deixaria para a sociedade a vanguarda nas pressões por um processo de impeachment. Ficaria também em segundo plano o enfrentamento do governo com ações judiciais no Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo na crise da troca da direção da Polícia Federal e em relação às denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro contra o presidente.

Não é a atual conduta do PDT, que vem liderando essas duas frentes. Já o PCdoB obteve, na Câmara dos Deputados, a relatoria da medida provisória que regulamenta os acordos de redução de jornada e salário, o que deve garantir à sigla um papel de destaque nessas discussões.

Essa dispersão, somada à perspectiva de aproximação entre o governo e os partidos do Centrão, pode acabar levando o PT a fazer uma aliança tática com o DEM e o PSDB, quando quiser adotar alguma medida mais contundente contra Bolsonaro. O PT se deparará, então, com novo desafio na batalha das narrativas. Desta vez, para fazer que sua militância compreenda uma ação coordenada com os algozes do partido no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

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