- Folha de S. Paulo
A pandemia era previsível, mas foi ignorada pelos Estados
A nova pandemia que estamos vivendo era previsível, mas foi ignorada pelos Estados, justamente quem deveria ter a ela se antecipado, construindo um seguro saúde adequado.
Trata-se de mais uma zoonose, doenças que os homens importam dos animais selvagens que domesticaram e de que se alimentaram ao longo da história. São acidentes aleatórios: a experiência diz que vão ocorrer, só não diz quando. Registros históricos mostram que entre o ano de 429 a.C.(quando houve a chamada Praga de Atenas e o mundo tinha em torno de 70 milhões de habitantes) e 2019, quando temos a Covid-19 e população de 7,6 bilhões, eles nos atingiram ao menos 62 vezes.
Temos um dos melhores seguros saúde do mundo --o SUS, universal e pago por todos. Espalhado pelo território nacional, é responsabilidade de todos os níveis de governo. Infelizmente, falhamos na tarefa mais urgente: a de equipá-lo adequadamente, importando, enquanto havia disponibilidade, o que fosse necessário.
E não foi por falta de recurso financeiro, mas pela falta de coordenação entre aqueles níveis de governo e dentro deles. Cabe um "mea culpa" dos administradores do Orçamento (Executivo e Legislativo), que, com enorme miopia, não entenderam a necessidade de deixá-lo permanentemente equipado para atender à dinâmica das pandemias. Durante N anos (aleatório), a taxa de retorno é zero, mas em N+1, quando a pandemia nos assombra, ela será infinita, porque salva vidas.
No verão de 2005, o presidente G. W. Bush leu um livro sobre a terrível pandemia de 1918 (a gripe espanhola), que matou entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas no mundo —no Brasil, ao menos 30 mil. Ao voltar a Washington, reuniu os conselheiros de Segurança Nacional e disse: "Isso ocorre a cada cem anos (otimista!)". E ordenou que preparassem um programa sério para enfrentá-las.
Com o passar do tempo, as dificuldades orçamentárias para financiar um programa de retorno de curto prazo zero promoveram o seu esquecimento, e os recursos foram usados em despesas politicamente mais convenientes. Hoje os EUA colhem os resultados de tal cegueira orçamentária.
*Antonio Delfim Netto, economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.
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